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Devemos antes de tudo estabelecer a distinção entre pequenos camponeses e trabalhadores rurais, distinção essa que muitas vezes não é feita nos discursos políticos e que tem dado lugar a uma certa confusáo.
Pequenos camponeses são aqueles que possuem a pequena propriedade da terra e trabalhadores rurais são os assalariados por conta de outrem em empresas agrícolas. Desejosos de transpor para Portugal a teoria de Mao-Tsé Tung em relação à China ou de Lenine em relação à Rússia, os maoístas portugueses correram a falar de alianças operário-camponesas e de camponeses, referindo-se aos trabalhadores rurais, e aplicaram a assalariados agrícolas o que aqueles autores disseram a respeito dos pequenos camponeses. Deste erro, que tem muito a ver com a forma como os maoístas portugueses encaram a teoria e a propaganda, nasceram equívocos e discussões, que apenas tinham por base a ignorância.
Na verdade, a organização dos trabalhadores rurais do Alentejo tem apenas a ver com a organização do proletariado rural, idêntica e continuação da do proletariado industrial. E as relações estabelecidas entre as comissões de moradores e trabalhadores das zonas industriais e as organizações dos trabalhadores rurais são aquilo a que se poderá chamar estabelecimento duma ligação cidade-campo, com tudo o que isso implica sob ponto de vista económico, social político e cultural, mas não são a aliança operário-camponesa. Trata-se ainda e sempre da mesma classe — o proletariado — e não da aliança entre duas classes exploradas — a classe operária e o campesinato pobre.
Efectivamente, dentro do capítulo da aliança necessária entre duas classes pouco se tem feito. Apenas nos casos onde os pequenos camponeses ocuparam terras para além das que possuíam e mantiveram o regime de pequena propriedade a par da cooperativa (como é o caso da zona de Alcoentre) poderemos falar de organização dos pequenos camponeses. E quando eles se ligam às comissões de moradores de Lisboa ou Margem Sul para vender os produtos agrícolas começa a existir uma certa prática de aliança operária-camponesa.
No entanto, as grandes zonas de pequenos camponeses — Centro e Norte do país — são ainda um grande desconhecido político e têm servido de pasto para a reacção. As zonas com conselhos de aldeia são ilhas de organização revolucionária, se atendermos à forte densidade populacional dessas regiões. Este atraso da organização dos pequenos camponeses e da verdadeira aliança operário-camponesa é grave. É grave porque o campesinato pobre é vítima da sociedade capitalista, tendo sido explorado e oprimido, e deverá ser conquistado para o lado da revolução pois tem tudo a ganhar e nada a perder com o socialismo.
Como dissemos no «Balanço dos Governos Provisórios», o campesinato pobre foi uma vítima destes dois anos a seguir ao 25 de Abril sem que nenhum Governo fosse ao encontro das suas necessidades. E por outro lado os reformistas agiram de forma a dar razões para que se fomentasse o anti-comunismo. A reacção explorou habilmente estas condições.
Nós sabemos no entanto que o campesinato pobre não é reaccionário por natureza. E os dissabores sofridos pelos líderes da direita em terras do Centro e Norte, durante o período eleitoral, são demonstrativos da falsidade de se falar em reaccionarismo das populações daquelas regiões. Por outro lado a organização dos pequenos camponeses existente aqui e além, onde foi possível o debate e o esclarecimento, demonstra que são capazes de avançar para uma posição revolucionária, de compreenderem que têm toda a vantagem nisso.
Mas um programa revolucionário em relação ao campesinato pobre tem de assentar em coisas concretas. Os pequenos camponeses não acreditam em palavras e muito menos depois de terem sido sacudidos pelos vários palavreados que atravessaram o país com promessas que não se cumpriram. Um poder revolucionário terá que proteger efectivamente a pequena e média propriedade, facilitando empréstimos, baixando o preço dos produtos necessários à agricultura, garantindo o escoamento dos produtos agrícolas. O estímulo para a constituição de cooperativas no Centro e Norte do país não pode ser dado através de explicações e esclarecimentos, mas da exemplificação e da concretização. Os pequenos camponeses convencer-se-ão facilmente dos benefícios da cooperativa se lhes derem um tractor para ser usado em comum, se usarem outras técnicas em comum, se tiverem uma organização comum para o escoamento da produção.
Hoje, que tudo e todos prometem mundos e fundos ao pequeno agricultor, impõe-se responder a esta questão: a que se deveu a agonia em que vive, desde há décadas, o pequeno agricultor?
Na voz de alguns, ter sido o facto de não ter havido em Portugal dirigentes à altura. Tudo se passou porque não havia em S. Bento homens devidamente competentes. Falam assim os homens da grande família reaccionária (CDS, PPD, CAP, PS, etc.). E, ao dizê-lo, todos se afirmam como «competentes e honestos», capazes de fazer do camponês o homem próspero do paraíso prometido.
Prometer não custa. Mentir muito menos. E, como a prometer e a mentir não se resolvem problemas, o melhor será procurar as causas do mal para se lhe poder atalhar pela raiz. E o mal, por muito que isto custe a certos senhores, é o capitalismo. Havendo capitalismo, manda e pode quem tem dinheiro. Assim sendo, é inevitável que a agricultura seja ultrapassada pelos ramos mais rentáveis: a indústria. Foi assim que os grandes senhores lavradores deixaram de o ser e foram pura e simplesmente ultrapassados pelos banqueiros e empresários. E, enquanto durar o capitalismo, é óbvio que a «crise da agricultura» se acentuará. Salvar-se-ão, eventualmente, uns tantos, (poucos) empreendimentos que, pela sua grande dimensão, pela riqueza do solo, pelas técnicas evoluídas de exploração e produção, pela grande mecanização e pela sua ligação a circuitos de distribuição e consumo, poderão sobreviver.
E o pequeno e médio agricultor? Esse continuará a ver permanentemente agravada a sua situação. Porquê? Porque não tem dinheiro para máquinas, nem terras onde as meter; e, se não tem máquinas, o preço de produção é cada vez menos competitivo em relação à produção mecanizada. Os produtos para trabalhar a terra continuarão a encarecer em flecha, enquanto a subida do preço dos produtos agrícolas é absorvida pelos intermediários. Metidos neste beco sem saída, os camponeses continuarão a ter que optar entre a procura dum emprego numa fábrica, num hotel ou numa oficina e a miséria. Uns atrás dos outros, continuarão a ter que se desfazer dos seus nacos de terra de que os grandes se apoderarão, tornando-se cada vez maiores.
O processo é por demais conhecido: em capitalismo, a propriedade concentra-se num cada vez mais reduzido número de proprietários, à custa da morte dos pequenos e da falência dos médios. Mas então não poderão o CDS, o PPD, o PS e a CAP evitar este quadro negro? Em primeiro lugar, o que todos estes senhores prometem é, efectivamente, CAPITALISMO; ainda que mais envergonhado nuns casos e descarado noutros. Acontece que, se o capitalismo sobreviver, só o poderá fazer por uma forma: o FASCISMO. E, se for o fascismo, será a repetição daquilo a que se assistiu durante 48 anos. Só com uma diferença do ponto de vista económico: a exploração vai ser mais desenfreada, os grandes procurarão tirar todo o proveito do trabalho dos pequenos, levá-los o mais rapidamente possível à ruína, no sentido de os engolir. Nessa altura, o pequeno agricultor ver-se-ia incapaz de manter as suas próprias terras e obrigado a desfazer-se delas. Entretanto, procuraria emprego, um emprego cada vez mais difícil de arranjar porque postos de trabalho é coisa que rareia em TODOS os países capitalistas. As Franças e as Alemanhas já não têm onde empregar, têm sim a desempregar, tal como aqui. E é por estas razões que dizemos que aquilo que espera os trabalhadores, camponeses incluídos, no caso de o fascismo voltar a vigorar, será a mais terrível das misérias, será a fome, o desemprego, a repressão brutal, a opressão e o roubo generalizado.
A par da constituição de cooperativas agrícolas no Centro e Norte do país, um poder revolucionário terá de nacionalizar as grandes herdades do Sul e transformá-las em propriedade do Estado e não em cooperativas, como actualmente. O estabelecimento de cooperativas onde havia latifúndios tal como aconteceu no Alentejo pode transformar um colectivo de trabalhadores rurais que possuíam nada num colectivo de proprietários (embora colectivos) com todas as consequências que isto pode ter, visto que entram na concorrência no mercado capitalista.
Mas é curioso notar que logo que o processo iniciado em Abril de 1974 transbordou, por pressão do amplo movimento das massas trabalhadoras, as limitações do seu projecto capitalista inicial, logo que a incerteza se instalou nos meios economicamente dominantes, estes começaram a jogar com as alavancas que detinham no sentido do máximo aproveitamento político da situação. Sabotagem fria e consciente, pânico e falência foram factores que determinaram atitudes anti-económicas por parte da burguesia, dos seus aparelhos e dos seus servidores.
Importa-nos aqui reter a sabotagem conduzida fria e conscientemente como trunfo económico de que a reacção tentou tirar todos os benefícios políticos. Esta sabotagem, que se estendeu a todos os ramos, começou por ser mais visível na indústria e, por razões por demais evidentes: foi na indústria que «nasceu» o movimento de massas pós-25 de Abril e, sobretudo, era a indústria a chave duma economia com pretensões a uma integração na Europa industrializada. Mas, desde que o movimento de recuperação de terras pelos trabalhadores mais começou a atingir os latifundiários, algo se iria processar que muita gente não esperava: o problema da agricultura veio a ocupar um papel de primeira importância na luta de classes em Portugal.
De facto, os trabalhadores não se limitaram a recuperar as terras. O problema foi outro, bem mais importante: às recuperações (vulgo ocupações) seguiu-se o cultivo das terras, o melhoramento de instalações, a aquisição de máquinas, o emprego de muitos braços, etc., etc. E foi aqui que a reacção despertou, logo que viu o perigo de uma Reforma Agrária que abria as portas para a Revolução Agrária. O movimento que atingiu o Alentejo e algumas zonas ribatejanas ameaçava colocar o camponês do Centro e do Norte fora do domínio económico e político da reacção. Daí que não surpreendessem os esforços desde então produzidos por todas as forças contra-revolucionárias no sentido de sabotarem o processo da Reforma Agrária. Aquilo que, da máquina estatal, se conservou nas mãos dos reaccionários, as cadeias de intermediários, a burocracia, a imprensa burguesa, tudo, tudo foi utilizado contra a Reforma Agrária.
Não é aqui o lugar de esmiuçar em detalhe tal campanha. Mas é a altura de lembrar dois dos grandes (senão os maiores) males porque se exterioriza a crise económica capitalista: a baixa de produção e o desemprego. Pois bem, as cooperativas fizeram da agricultura o único dos ramos de actividade onde a produção aumentou e se criaram muitos novos postos de trabalho. E isto apesar da sabotagem enorme de que foram e são vítimas...
Um dos pontos mais importantes num programa revolucionário é a política externa. Essa política vai definir a dependência ou independência do país e vai ser determinante em relação à estrutura interna da economia.
Para se traçar um programa económico, para se planear o que se vai produzir, é necessário sabermos a quem vamos comprar e o que vamos comprar, a quem vamos vender e o que vamos vender. É necessário também saber qual é o custo político das compras e vendas.
Para Portugal abrem-se felizmente perspectivas que são bem diferentes das que tiveram outros países que no passado fizeram a Revolução Socialista. Existem no Mundo muitos países anti-imperialistas que estão dispostos a abrir as portas a Portugal se este definir claramente uma política anti-imperialista. A indefinição seguida até aqui tem dado como resultado que, quando o governo português estende a mão à caridade do imperialismo, este brinca ao gato e ao rato e acaba por dar, como única coisa palpável, o empréstimo da C.E.E. envolvido de todos os condicionalismos. E quando calcorreia os países árabes consegue apenas o «negócio» de venda de caixas para tâmaras ao Iraque.
Ao contrário do que aconteceu por exemplo a Cuba, na sua revolução, Portugal teria já um largo leque de países no Mundo com os quais podia ter imediatamente (no caso de regime se definir anti-imperialista) relações económicas e políticas num pé de igualdade e de fraternidade. À cabeça estão as ex-colónias portuguesas. Relações fraternas, por exemplo com Angola (para quem as relações preferenciais com um país europeu com a mesma língua podem também ser importantes) serão decerto um factor considerável para a economia portuguesa em matéria de intercâmbios.
Igualmente países como Cuba ou como a Argélia, e outros países árabes com uma posição consequente anti-imperialista, terão com Portugal um intercâmbio económico, que neste momento está vedado, visto a política externa portuguesa nunca se ter definido anti-imperialista, nem tão pouco durante os governos de Vasco Gonçalves, e hoje inclinar-se vertiginosamente no sentido pró-imperialista.
Esses países citados, alguns num apreciável estado de desenvolvimento, seriam no seu conjunto poderosos auxiliares da revolução socialista em Portugal. E em relação a todos eles sabemos que não se tratam de potências político-militares que arrastassem Portugal para uma situação de dependência política. Poderemos dizer mesmo que todos eles necessitam também de ganhar cada vez mais força no sentido da sua própria independência e que têm todo o interesse em reforçar o bloco dos realmente «não alinhados».
Citamos assim apenas alguns dos países considerados naquilo a que se chama Terceiro Mundo, visto que esta designação engloba terras de variadíssimas orientações políticas. No entanto, para além destes países, muitos outros do chamado Terceiro Mundo estariam dispostos e mesmo interessados em entrar em relações económicas com Portugal.
Para além dos países englobados no Terceiro Mundo, Portugal poderia também encetar relações mais proveitosas com os países do Pacto de Varsóvia e iniciar relações com a China.
Enunciando este rol de países, queremos nós dizer que Portugal não deverá ter relações económicas e políticas com os países do Imperialismo? De certo que não dizemos isso, pois Portugal tem necessidade de as ter. Mas tem de o fazer numa posição de independência. Para tal terá que acabar progressivamente com a forma de exploração que constituem as indústrias estrangeiras instaladas aqui. Terá que deixar de aceitar a chantagem dos empréstimos, que põem condições políticas para se realizarem.
E sobretudo tem que expulsar do seu território as bases militares estrangeiras aqui instaladas (Beja e Açores); e tem que sair da Nato, instrumento militar do Imperialismo.
Essa nova definição económica, militar e política em relação ao estrangeiro alteraria profundamente as relações de Portugal com as ex-colónias, porque seriam abandonadas todas as tentativas de neo-colonialismo e o nosso país seria solidário com a construção desses novos países. Igualmente teria que ser solidário com as lutas de libertação no Mundo, invertendo a sua política em relação à Palestina, negando a Israel o auxílio que lhe dá actualmente e auxiliando os movimentos de libertação nacional e as lutas pela Revolução Socialista.
Evidentemente que esta política acarretaria bloqueios e sabotagens dos países do Imperialismo. Mas não existem já neste momento esses bloqueios e essas sabotagens? Para os vencer, Portugal terá que alterar toda a sua estrutura económica, procurando fazer um grande esforço na produção de bens essenciais fundamentais, mas também alterando profundamente as suas necessidades, isto é criando novos hábitos de consumo em relação a tudo o que é supérfluo. Este aspecto de alteração dos hábitos de consumo está intimamente relacionado com o corte com a chantagem imperialista e tem de fazer parte importante da Revolução Cultural.
A organização de estruturas de saúde, de ensino e de habitação que criam muito melhores condições de vida para os trabalhadores e que dependem sobretudo da planificação e muito pouco do estrangeiro; a reconversão económica no sentido da criação duma agricultura que torne o país cada vez mais auto-suficiente em bens alimentares; a profunda alteração dos hábitos de consumo criados pela sociedade capitalista; a gestão colectiva no sentido de encontrar novas soluções; essas condições são os alicerces para que os trabalhadores suportem a situação criada pelo bloqueio imperialista.
Para além da tomada do poder pelos trabalhadores e depois de acabar com a propriedade privada dos grandes meios de produção outros problemas sociais subsistem, novas contradições sobressaem, em relação aos quais se tem de encontrar soluções revolucionárias. Na sociedade de transição e tanto mais quanto ela se passe num país com sérias dificuldades económicas como o nosso, os novos problemas sociais que surgem não são fáceis de resolver e podem ser habilmente explorados pelo inimigo. A situação que existiu em Portugal durante alguns meses, embora não se tratasse de uma sociedade de transição, mostrou-nos no entanto algumas características que coincidem com problemas desta ordem.
Um dos problemas a vencer é o abismo que se cria entre a cidade e o campo. O proletariado industrial consegue, pela sua capacidade de organização, obter um nível de salários que o distanciam do trabalhador rural e sobretudo do pequeno camponês. Por outro lado, e pelos mesmos motivos ele é o obreiro da revolução. O proletariado industrial é a grande força à volta da qual se aglutinam outras forças. Sem dúvida que é ele que toma o poder, mesmo fisicamente. A memória destes dois anos de movimentação social demonstra-nos quem é que veio para a rua, quem se moveu, quem sitiou S. Bento. Também sabemos onde é que há organização autónoma dos trabalhadores e onde é que não há; quando num poder de transição se forem buscar delegados do Poder Popular, eles só poderão vir donde este existir. Não há pois dúvidas que quem tomará as rédeas do poder será o proletariado industrial. Essa circunstância irá determinar uma tendência acentuada para privilegiar este extrato social em detrimento doutros sectores da mesma classe ou em detrimento doutras classes exploradas. É em relação a isto que os revolucionários têm de ter a firmeza necessária para não deixar que as coisas sigam aqui o curso que tiveram noutros países, com tão más consequências. E há que travar uma luta ideológica com a classe operária no sentido de fazer compreender que, se quiser comer, tem de fazer na prática a aliança com os camponeses pobres. Para tal, há que tomar medidas concretas. Há que descentralizar o poder central, criando centros de poder e de decisão, com recursos financeiros, nas zonas rurais. Mas esse poder tem de assentar em estruturas de base dos pequenos camponeses — conselhos de aldeia, comissões de cooperativa — que sejam não apenas elos de ligação com o poder central mas também uma estrutura que resolva os problemas locais, com capacidade administrativa, com poder de resolução.
A estrutura de comércio interno tem que garantir preços em relação aos produtos agrícolas que permitam rentabilidade às pequenas e grandes empresas e que tornem possível um poder de compra em relação aos pequenos camponeses, que os aproxime dos operários. Isso permitirá que os camponeses não se sintam marginalizados no processo e explorados pela cidade. Há, também que possibilitar aos habitantes das áreas rurais o acesso aos meios de Saúde e Ensino, que existem na cidade; e esta medida depende da planificação socialista. Por outro lado a integração do Ensino Secundário na produção local, permitirá que entre a escola e as empresas agrícolas se estabeleça uma interpenetração que permita que não haja a divisão dos jovens entre a casta que se destina às escolas e a casta que se destina a assegurar o trabalho no campo. Isto é, na nossa concepção, todo o jovem habitante das zonas rurais deve ter acesso à escola secundária, dando, a partir de certa idade um certo número de horas de trabalho ao trabalho agrícola. Por sua vez a escola estudará teórica e praticamente os problemas da região. Este é o único caminho para evitar a divisão entre «os que estudam» e os que ficam escravizados à terra, entre os burocratas e as bestas de carga.
Finalmente há que permitir que as zonas rurais tenham acesso aos espectáculos e «divertimentos» existentes nas cidades, abandonando a concepção da intelectualidade pequeno-burguesa e progressista que quer preservar a «pureza» do campo, consumindo o folclore e fornecendo a «cultura» a conta-gotas, de acordo com pretensas conclusões das necessidades das populações rurais. Isto não quer dizer que não se faça um amplo debate sobre o problema da cultura do campo e da cultura da cidade e que não se faça uma programação. Mas não podem ser os «cérebros» da cidade a decidir quais são as necessidades do campo; essa é uma forma mais ou menos airosa de aumentar uma dominação cultural.
Há que reflectir também sobre aquilo que noutros países se tornou na burocracia agrícola. Isto é, o nascimento dum grupo social que são os burocratas das empresas agrícolas. Com a criação de empresas agrícolas do estado e de cooperativas, essas empresas têm com certeza necessidade duma máquina burocrática, com contabilidade, escrita, etc. Nalguns países em transição para o socialismo essa máquina burocrática criou uma casta de empregados que se transformaram nos reizinhos locais, dominando os outros trabalhadores das herdades pelo facto de terem um trabalho mais limpo, pelo facto de serem os intermediários com a cidade e o poder central. Tornaram-se quase sempre em polícias dos outros trabalhadores. Este grupo social tornou-se na URSS uma forte base de apoio para o stalinismo. Se em Portugal a organização das herdades colectivas permitir este tipo de gente, criar-se-ão relações da mesma espécie seja quem for que estiver no poder.
Evidentemente que o problema não não é fácil de resolver porque não se pode pôr, por exemplo, um analfabeto a escrever; mas a solução tem de passar pela acumulação de vários tipos de trabalho pela mesma pessoa, desde os mais rudes até aqueles que conferem poder, revezando-se os trabalhadores nas várias tarefas burocráticas e de campo.
Problemas diversos virão também da situação da pequena burguesia na sociedade de transição. Neste aspecto há que distinguir entre os vários extratos que se podem englobar dentro da pequena burguesia.
A pequena burguesia é por definição aquela que possui pequenos meios de produção — pequenas propriedades agrícolas, pequeno comércio, pequena indústria. Mas englobam-se também na pequena burguesia os trabalhadores dos serviços, que, não possuindo coisa nenhuma, têm no entanto um nível de salários e um tipo de trabalho que os coloca ideologicamente do lado da pequena burguesia.
Para além da pequena burguesia rural de que já falámos, a pequena burguesia comerciante e industrial tem que merecer a atenção dum programa revolucionário de transição para o socialismo. Muitos pequenos comerciantes e industriais estão em falência, completamente arruinados pela crise. A solução não pode ser criar-lhes a ilusão, como fazem os reformistas, de que podem subsistir em livre concorrência com as grandes empresas nacionalizadas; isso não é possível. Mas os pequenos comerciantes e industriais e os seus empregados não podem ser deixados ao abandono, ao sabor dum ritmo certo de falência A pequena empresa e a média empresa não nacionalizada têm de ser envolvidas pela planificação, contribuindo para determinado plano de produção; não produzirão portanto de forma anárquica, para anarquicamente se meterem no mercado capitalista. Por outro lado têm de ser dadas garantias sociais a patrões e empregados. Isso permitirá que os pequenos comerciantes e industriais, pela segurança que lhes é oferecida e que lhes tira grande número de problemas (de doença, de invalidez, de velhice, de dívidas) não se coloquem ao lado dos inimigos da revolução. Para muitos a Revolução Socialista será mesmo uma solução.
O mesmo não se passará com certo tipo de pequena burguesia dos serviços e das profissões liberais, para quem a revolução socialista será decerto um forte abalo nos seus privilégios. Esta fará coro com a média e grande burguesia.
Nela se englobam os quadros das empresas, de empregados de escritório a partir de certa categoria, os bancários, os médicos, os engenheiros, os advogados. Todos eles sabem que os seus rendimentos mensais, embora não provindo da posse de qualquer propriedade (todos eles dizem: «nós somos trabalhadores, não possuímos nada!»), serão fortemente abalados numa sociedade onde se pretende acabar com os privilégios. O seu nível de poder de compra terá de aproximar-se do operário e do trabalhador rural. E muitos serão deslocados do trabalho actual para outros tipos de trabalho, mais rudes e menos sossegados; a sociedade não pode continuar a suportar o peso duma população dos serviços, que é neste momento mais dum terço da população trabalhadora.
Por outro lado, pelo boicote do imperialismo, pelas nossas dificuldades em divisas e pelas nossas dificuldades de produção, desaparecerão do mercado muitos bens de consumo que hoje são largamente comprados por essa pequena burguesia com poder de compra. A maior parte são bens de consumo supérfluos, mas que a pequena burguesia lamentará, não querendo saber se a ausência do aparelho doméstico de último modelo, do produto de cosmética estrangeiro, dos fatos de última moda, do «whisky», nesta fase é necessária para que outras classes não vivam na miséria. Essa pequena burguesia acompanhará a média e grande burguesia nos seus protestos diários contra a nova situação; encherá os supermercados, os cafés e a imprensa estrangeira de todos os lamentos anti-comunistas, apelando à «liberdade». E será um veículo para as manobras policiais imperialistas.
Mas mais uma vez não será com a repressão que se encontrará uma solução. É pela reorganização social, pela reconversão económica, pela revolução cultural, que este mal se combaterá.
Os grandes meios de comunicação — jornais, Rádio, Televisão — usados por um poder revolucionário, que não seja repressivo e dê liberdade de expressão, mas que entre no debate e esclarecimento públicos, podem ser instrumentos importantíssimos, para o combate a certos vícios sociais.
A análise da situação actual da economia portuguesa mostra uma profunda ruptura e estrangulamento dos mecanismos da acumulação com incidências directas sobre o emprego, a produção e o consumo. Está em aberto uma questão cuja resposta é decisiva. A inviabilidade da social-democracia, consequência das condições sócio-económicas e políticas prevalecentes na sociedade portuguesa, que vias deixa em aberto, para além da repressão e do fascismo, como sustentáculos políticos de novas e mais violentas formas de exploração do proletariado e demais trabalhadores portugueses? A resposta encontra-se na «via» de uma profunda reconversão económica, só possível no quadro de uma planificação socialista da produção e do consumo. O «plano», ao definir as grandes metas económicas a atingir durante a sua vigência, terá de equacionar as soluções à luz dos desequilíbrios e pontos de estrangulamento que actualmente ferem o capitalismo português. Tais objectivos terão de ser definidos a nível global (Indústria e Agricultura) articulados com os objectivos parciais a atingir em cada um dos sectores.
I— A nível global, os objectivos a atingir pelo plano de acordo com os actuais pontos de reputação, são:
1. A nível da produção
i. contenção, decréscimo e possível eliminação do desemprego;
ii. desaparecimento do actual «desequilíbrio estrutural» entre produção interna e consumo, como forma de manter o nível de vida dos trabalhadores;
iii. aumentos de produtividade com o objectivo de diminuir o custo dos produtos fabricados, procurando assim fazer diminuir o seu preço e aumentar o seu poder concorrencial nos mercados externos;
2. A nível do consumo
A hierarquização dos consumos, procurando manter os consumos médios dos bens essenciais e eliminar consumos supérfluos;
3. A nível do comércio externo
Criação de uma empresa de comércio externo, cuja actividade, em conexão com os objectivos do plano, permitirá um controlo eficiente das exportações e importações que, por sua vez, ficarão dependentes dos objectivos a atingir.
II — A nível sectorial, a planificação socialista da actividade económica deverá atender ao desigual desenvolvimento das forças produtivas a nível da agricultura e da indústria cujas consequências sociais e políticas são importantes. O actual abandono a que são votadas vastas zonas rurais tem como consequência, de facto, um baixo nível de vida para muitos camponeses e trabalhadores rurais que, ou é corrigido, ou originará tensões facilmente aproveitáveis pela reacção. Por outro lado, deve ter-se presente que parte do desenvolvimento das forças produtivas na indústria foi conseguido à custa da estagnação e asfixia da actividade agrícola.
Os objectivos sectoriais a atingir deverão articular-se com os objectivos globais definidos, única maneira de reconverter de forma equilibrada a economia portuguesa, passando a actividade económica a reger-se por critérios de necessidades sociais e não, como até agora, por critérios de rentabilidade capitalista.
A diminuição e eliminação do desemprego terá de ser concretizada através da aplicação dos recursos existentes em novos investimentos, pesando entre a necessidade de criação de novos postos de trabalho e o interesse em desenvolver certos sectores industriais de elevada produtividade e utilizando tecnologia avançada. Haverá, assim, que optar, dentro dos objectivos macro-económicos definidos pelo plano, entre investimentos de trabalho intensivos, capazes de oferecer um elevado número de postos de trabalho, e entre investimentos de capital intensivos capazes de elevar a produtividade global do aparelho produtivo e de aumentar a independência tecnológica do país.
Os investimentos na agricultura surgem, neste processo, como muito importantes na medida em que, por um lado, o aumento da produção interna de bens agrícolas é vital para diminuição da actual dependência comercial externa da economia portuguesa, e, por outro lado, a realização de investimentos maciços neste sector, onde a composição orgânica do capital pende para o lado da utilização intensiva da força de trabalho, permitirá absorver elevado número de desempregados.
De modo a transformar a economia portuguesa num sistema económico equilibrado onde tenham desaparecido as actuais diferenças (no que diz respeito ao desenvolvimento das forças produtivas) entre sectores de actividade e regiões, terá de se planear a actividade industrial de modo a sustentar uma rápida acumulação de capital na agricultura. Para tal, haverá que desenvolver a indústria de veículos e alfaias agrícolas, a indústria de fertilizantes e inseticidas, etc. O plano deverá ser descentralizado regionalmente de modo a encontrar respostas concretas para necessidades concretas de populações que divergem consoante o grau de desenvolvimento regional das forças produtivas e a própria organização social e política locais.
Todo o processo de reconversão económica irá, por outro lado, processar-se no seio de uma economia altamente dependente do exterior. A questão da dependência externa da economia ganha importância quando vista à luz da alternativa revolucionária que possibilita a reconversão socialista das relações de produção. A dependência económica de Portugal pode ser analisada de um ponto de vista tecnológico, de um ponto de vista das operações comerciais (exportações e importações — países de origem e de destino), de um ponto de vista de consumo (já analisado) e de um ponto de vista financeiro (empréstimos e entradas de capital externo vindas do capitalismo financeiro internacional).
A planificação socialista da economia, abordada aqui de um modo sucinto é a única via que permitirá equacionar os objectivos a atingir, a nível do bem-estar das populações e articulando-os com a questão da dependência externa e a necessidade de a controlar.