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Chegou-se a quase meio ano de 76 sem reservas em divisas e tudo era considerado no caos e na desgraça no final de 1975 pelos Senhores Ministros do PPD e do PS, com relevo para Salgado Zenha, até que, um mês depois e por razões que nada têm com a situação financeira, esses personagens voltaram a manifestar grande oportunismo na situação.
Mas a verdade é que efectivamente as reservas em divisas acabaram e que o Governo começou a negociar o ouro. A verdade é que o desemprego, o aumento do custo de vida e a ameaça dum agravamento depois das eleições (quando os partidos já não precisam de ganhar votos) são realidades que nos acompanham todos os dias.
Diante desta crise, os sociais-democratas de vários matizes desde o PS ao PPD fazem coro dizendo que a culpa é da esquerda, a que eles não chamam esquerda, mas sim «vanguardistas», «pseudo-revolucionários», «aventureiristas», etc. Esta atitude dos sociais-democratas é o cúmulo da falta de vergonha! Mas quem é que esteve no Governo durante estes dois anos? Fomos nós ou foram eles? Quem é que pôs e dispôs da economia? Foi a esquerda ou foi a social-democracia? Quem é que foram os ministros da Economia e das Finanças? Foram os revolucionários a quem eles chamam de «aventureiros» ou foram personagens sociais-democratas, ligados de uma maneira ou de outra aos grandes ex-financeiros?
Foram os sucessivos Governos os responsáveis pela condução da política económica, os responsáveis pela situação actual. Governos onde a esquerda nunca teve assento, governos constituídos sempre pela social-democracia e pelo reformismo. E são essas forças, são esses partidos que hoje têm de responder perante os trabalhadores, quando se fala da situação económica. E são eles que deviam responder perante os trabalhadores, que têm o descaramento de vir deitar as culpas para cima da esquerda, para cima daqueles que nunca tiveram qualquer possibilidade de alterar o curso da situação económica. O projecto dos revolucionários nunca foi executado, nunca teve ocasião de ser posto à prova. O projecto de trabalho dos oficiais do COPCON, apoiado pela mais larga unidade de militares e civis revolucionários nunca foi posto em prática; é preciso descaramento para dizerem que não deu resultado. Ainda se está para ver se dá ou não! Ao passo que uma coisa é certa: O Governo do PPD, do PS e do PC não resolveu os problemas da situação económica, antes os agravou extraordinariamente. É, pois, pura aldrabice quando os senhores sociais-democratas andam por esse país fora a mistificar populações ignorantes, dizendo-lhes que são os revolucionários os responsáveis pelos males que hoje afligem as classes oprimidas e exploradas. Desse modo procuram ganhar base de apoio para o novo poder estabelecido a seguir ao 25 de Novembro e procuram também clientela eleitoral. E tentam justificar as actuais medidas económicas que, fazendo recair sobre os preços as consequências da crise, agravaram extraordinariamente a situação dos trabalhadores.
Ao fim e ao cabo a economia dos vários Governos Provisórios norteou-se sempre por um modelo reformista, que foi desde uma forma claramente capitalista em que se procurava mascarar um pouco a face do capitalismo pela introdução de algumas (poucas) reformas e que procuravam enganar os trabalhadores (caso Palma Carlos) até aos Governos de Vasco Gonçalves, nos quais predominou o espírito que tinha como táctica a obtenção do socialismo através de sucessivas reformas. Com objectivos estratégicos diferentes, os vários governos mais à esquerda e mais à direita caracterizaram-se sempre pela táctica das reformas e pela adaptação de uma economia de meias tintas que, se não era francamente capitalista, nunca foi uma política revolucionária para uma economia socialista.
Foi esta indefinição que agravou muitíssimo a crise da situação económica portuguesa, que era aliás anterior ao 25 de Abril. Esta ambiguidade do ponto de vista de qual era o sistema em que vivíamos e de qual a classe no poder, fez chegar a situação económica ao estado em que nos encontramos actualmente e deteriorou a situação político-social. A tese seguida do ponto de vista económico foi ao fim e ao cabo a do PEST (Plano Económico Social de Transição ou Documento Melo Antunes) surgido em Dezembro-Janeiro de 1975 e que defendia um sistema híbrido, meio socialismo meio capitalismo, ou melhor, propunha a nacionalização e estatização duma parte da economia e a manutenção em sistema capitalista de uma outra parte, mostrando-se em tudo isso uma ausência total de planificação. Era também ausente desse plano qualquer espécie de estrutura de gestão colectiva, como era flagrante a indefinição em relação à política externa. Porque não bastava falar de Terceiro Mundo, era necessário dar a este as garantias de que o que se estava a formar aqui era um país anti-imperialista. E essas garantias dão-se na prática, no concreto. Esta posição definida (indefinida) pelo PEST, e que não está longe da estrutura igualmente apontada pelos Programas de Emergência do PS e do PC surgidos pouco antes, simboliza toda a política económica seguida até aí e daí em diante e vem assumir expressão política correspondente no PAP (Plano de Acção Política) do C. R. e no Documento dos «Nove». São os autores dessas propostas que estiveram e estão no poder. É a eles que há que pedir responsabilidades. Mesmo quando, após o 11 de Março, o Governo tomou medidas que foram mais além — as nacionalizações da Banca e dos Seguros e o aval dado às ocupações de latifúndios — essas medidas foram desenquadradas de um plano global. Foram medidas que ficaram a flutuar numa economia deixada ao deus-dará, sujeita à iniciativa dispersa dos trabalhadores e das boas vontades. Não nos podemos esquecer que todas essas medidas foram tomadas com Governos e Conselhos de Revolução de conciliação de classes, onde existiam reais representantes da grande burguesia. Não seriam eles que poderiam constituir o poder central que planificasse uma economia e uma política externa que salvasse o país pela via claramente definida da Revolução Socialista! Também nunca se enquadrou na actuação do poder a instauração duma verdadeira gestão colectiva nas unidades de produção, única possibilidade de poder interessar os trabalhadores no desenvolvimento económico, única possibilidade ainda agora de escapar à miséria e à fome generalizada se se recomeçar tudo de novo.
Já na tese «Análise da Situação Económica Portuguesa» apresentadas no II Congresso do PRP (publicada no número especial de «Revolução» de Agosto de 1974), prevíamos um grande agravamento da crise económica no caso da estrutura económica portuguesa se manter dentro dos quadros do capitalismo e dependente do imperialismo. Baseávamos nisso a posição que sustentávamos da impossibilidade de estabilização em democracia burguesa, no que nos opúnhamos ao grupo de 18 pessoas que então abandonaram o PRP e no que nos opúnhamos também praticamente a todos os partidos da esquerda.
Efectivamente foi a manutenção da estrutura capitalista e a indefinição das relações com o estrangeiro, que foram determinantes no agravamento da crise. As medidas radicais de corte com o Imperialismo e as suas chantagens, de gestão colectiva e de planificação, enveredando claramente por um programa revolucionário com um poder revolucionário, defendidas pelo PRP, pelos Conselhos Revolucionários, pelo Documento dos oficiais do COPCON e pela FUR, nunca foram seguidas, porque nunca estiveram no poder representantes desta linha. Cabe aos defensores desta orientação a responsabilidade de não terem até aqui tomado o poder para a porem em execução. Mas cabe às forças que detiveram o poder até este momento, a responsabilidade da actual situação económica. Quando governantes e outros responsáveis vêm mostrar à "Televisão as mazelas económicas do país, é o resultado do seu próprio trabalho que estão a mostrar. Há no entanto uma entidade a que esse trabalho serve — o Imperialismo. A indefinição, a ambiguidade têm acarretado força para o Imperialismo, e têm permitido um clima de deterioração, favorável à sua actuação.
O grande capital financeiro jogou no 25 de Abril e nele meteu homens seus, como Spínola. Assim esperavam libertar-se das estruturas económicas existentes, subordinadas ainda em grande parte ao modelo salazarista; o capital financeiro, dinâmico e europeu, jogava no estabelecimento de um país «democrático», duma democracia parlamentar. Mas qualquer hipótese desenvolvimentista teria de assentar num aumento de investimentos, facultado por uma maior acumulação de capitais. E neste aspecto tudo andou para trás na perspectiva capitalista. A estrutura económica portuguesa baseou sempre uma grande rentabilidade do capital mais na grande exploração da mão de obra barata e muito menos no aperfeiçoamento em máquinas e na qualidade dos produtos. O grande surto de reivindicações que logo em Maio de 1974 atingiu pelo menos 158 empresas, abrangendo cerca de 100.000 trabalhadores, e que se espalhou a todo o país e a todos os sectores de assalariados, diminuiu francamente a rentabilidade do capital. Por outro lado, iniciando o processo de descolonização e afastadas as hipóteses neo-colonialistas, passaram a desaparecer como mercado obrigatório as ex-colónias portuguesas; e os mercados estrangeiros, se não fossem as razões políticas que a isso os levariam, seriam as razões da baixa qualidade dos produtos que dificilmente os transformariam em compradores. Acrescente-se ainda que deixaram de se escoar para Portugal, tal como antes as matérias-primas das colónias. Enfim, o capitalismo português atrasado e pouco desenvolvido, deixou de ter a «mama» das colónias que alimentava esse mesmo atraso.
As empresas estrangeiras estabelecidas em Portugal, uma vez diminuídas claramente as possibilidades de exploração da mão de obra dos trabalhadores portugueses, abandonaram o país com armas e bagagens e sobretudo nunca mais houve investimentos.
Tal como dizíamos em Agosto de 1974, reuniram-se portanto todas as condições para a inviabilidade do projecto de desenvolvimento capitalista. Pelo final do IV Governo já o capitalismo português e o imperialismo tinham perdido as ilusões da via «democrática» e o 28 de Setembro de 1974 foi o início de um emprego de outros métodos. A partir daí o imperialismo jogou na manutenção da ambiguidade para fazer arrastar e agravar a crise e criar a deterioração da situação que lhes convinha para ir dando sucessivos golpes políticos, administrativos e militares. Afastada a «hipótese democrática», o Imperialismo passou a usar uma táctica que permitia o regresso a uma situação de força, logo de «manutenção da ordem»»> para que o país se conserve, custe o que custar, na esfera imperialista.
A política dos vários Governos Provisórios e dos vários Conselhos de Revolução serviu esta táctica, fossem quais fossem as intenções e os objectivos das várias forças neles presentes.
Paralelamente a esta caminhada para a deterioração, assistiu-se à «política anti-monopolista» do reformismo, que falava em acabar com os monopólios e procurava protecção às pequenas e médias empresas, passando estupidamente por cima de todo o inevitável processo de concentração de capitais que, dada a evolução da maquinaria e técnicas em geral, acaba por liquidar fatalmente todas as pequenas e médias empresas, impossibilitadas de concorrer com as técnicas de produção das grandes empresas.. Ao contrário de Lenine, que em situação equivalente dizia: «Aqui não há meio termo. Tal como a marcha objectiva do desenvolvimento se verifica, não se poderá avançar a partir dos monopólios (cujo número, papel e importância a guerra duplicou) sem se caminhar para o socialismo. Ou bem que se é realmente democrata revolucionário e então não se pode ter medo de caminhar para o socialismo»... «A guerra imperialista marca a véspera da revolução socialista. Não só porque os horrores engendram a revolução proletária — nenhuma insurreição criará o socialismo se não estiver económicamente amadurecida — mas também porque o capitalismo monopolista de Estado é a mais completa preparação material para o socialismo, a antecâmara do socialismo, a etapa da história que nenhuma outra etapa intermediária separa do socialismo», os reformistas aqui defendiam a passagem a uma fase de revolução democrática e nacional, rejeitaram sempre a revolução socialista e atacaram como «esquerdistas» e «radicais» os que a defendiam. Procurando aliança na pequena e média burguesia, o reformismo pôs de lado a própria análise marxista da economia e os interesses de classe que diz representar — o proletariado. Procurando eleitores entre essa pequena e média burguesia, afinal nem isso conseguiu, visto que esses extractos sociais se sentiram mais seguros votando no PS e no PPD.
Os vários tipos de ambiguidade existentes no poder somaram-se assim ou multiplicaram-se para criar a situação actual. Esta situação afecta particularmente certos sectores da população, o que foi permitido além do mais pelas deformações provocadas. Os trabalhadores das grandes áreas industriais e todos aqueles que pelo país tiveram capacidade para se organizar para a conquista de melhores salários, beneficiaram economicamente da situação criada pelo 25 de Abril, porque melhoraram realmente as suas condições de vida. Mas todos aqueles que não tiveram capacidade para se organizar, que foram marginalizados pelo processo, ou esmagados por este nas suas deformações, são os grandes sacrificados da crise económica. A existência de mais de 300 000 desempregados (sem contar com os retornados), coincidindo com o aumento do custo de vida, dá origens a situações desesperadas que atingem milhares e milhares de famílias.
A grande quantidade de desempregados, aumentando extraordinariamente o exército de reserva, não faz reflectir imediatamente a sua existência ao nível de salários, porque simultaneamente estes são aumentados pelo movimento reivindicativo e pela força organizada que os trabalhadores têm adquirido. Mas reflecte-se no subemprego e no emprego não declarado, que foge ao salário mínimo. A prática do «biscate», a contratação oral, absorvem muita gente que se sujeita a essas condições para não morrer à fome. E o patrão fá-lo com o à-vontade de quem sabe que «se este não aceitar outro aceita». O alastramento do desemprego vai também aprofundar todas as falsas saídas do lumpen: a vadiagem, a prostituição masculina e feminina, que aumentaram a olhos vistos depois do 25 de Abril.
Grandes sacrificados pela ausência de planificação da economia foram também os pequenos camponeses: nas zonas de pequena propriedade do centro e norte do país, vive uma população de pequenos camponeses, secularmente sujeita à miséria e à opressão. Possuem pequenas parcelas de terra que dão (muito mal) para subsistir. Muitos são obrigados a trabalhar em terra de outrem para conseguirem viver; trabalham assim o dobro do tempo na sua terra e na dos outros. É dessa população que sai a grande maioria dos emigrantes; muitos deles empregam o dinheiro que conseguem do trabalho no estrangeiro (onde são sujeitos aos trabalhos que os trabalhadores desse país rejeitam) comprando um pedaço de terra, ou construindo uma casa, tão improdutivos como os que já tinham. Longe dos benefícios da cidade, sem recursos em serviços de saúde, sem escolas, sem divertimentos, assim têm passado os pequenos camponeses de geração em geração. Têm um apego à pequena terra que possuem como tem qualquer homem faminto ao pedaço de pão que lhe resta. Esse apego à terra passa de geração em geração. É esta característica, que em última análise se poderá chamar conservadora, juntamente com a desconfiança defensiva que o homem do campo tem do homem da cidade, que são habilmente exploradas pela reacção e que os revolucionários têm de considerar no seu trabalho entre as populações do campo.
Acontece que estes sectores foram vítimas do processo que se desenvolveu desde o 25 de Abril. Não se organizaram nem se podiam organizar para reivindicações. Mas ficaram sujeitos ao aumento geral do custo de vida, que se veio a reflectir sobre os produtos da vida de todos os dias e sobre as próprias matérias necessárias à agricultura. Por outro lado, com a desorganização e a distorção da economia, os produtos agrícolas não foram escoados como era necessário, e, como sempre, os intermediários beneficiaram da situação.
À medida que os meses passaram, os camponeses foram estando em pior situação. E como nunca houve um poder revolucionário, não foram tomadas medidas radicais que procurassem solucionar o problema. Só por alturas do aparecimento do V Governo, quando já tudo estava perdido para uma actuação desse tipo, é que se programaram medidas em relação aos camponeses, que não chegaram sequer a ser aplicadas.
Neste processo de constante agravamento da crise económica, o pequeno comércio e a pequena indústria ficaram também esmagados. Sujeitos à lei de concentração de capitais, que vai esmagando as pequenas empresas, pela impossibilidade que estas têm de concorrer com o grande capital financeiro, estão de qualquer modo condenados à progressiva falência. Mas no Portugal após 25 de Abril, esta situação é agravada pela crise económica. O aumento do custo de vida, o aumento do preço das matérias-primas, o aumento dos salários (que em muitos casos de pequenas empresas duplicou e triplicou), a diminuição da venda ao público em alguns sectores, colocou as pequenas empresas e muitas das médias empresas em situação dificílima. Nalguns casos, quando a empresa acabou por ser ocupada pelos trabalhadores e passou à autogestão, estes encontraram-na num estado tal, que mais foi um alívio para o patrão do que outra coisa. E claro que daí a uns tempos é atirada sobre a responsabilidade da «má gestão» dos trabalhadores a progressiva e inevitável falência da empresa. Grande parte dos patrões das pequenas empresas não consegue tirar ao fim do mês sequer o correspondente ao ordenado mínimo e vive a contrair dívidas para pagar despesas obrigatórias. Esta massa de pequenos empresários comerciais e industriais, esmagada pelo processo, tem no entanto características ideológicas duma pequena burguesia que é mais facilmente arrastada para a reacção e não para a revolução. Também estes só teriam sido absorvidos para a revolução se um poder: revolucionário, com um programa revolucionário, os tivesse integrado e às suas empresas numa planificação socialista, que garantisse um mínimo de segurança social.
Acontece assim que os grandes prejudicados neste processo ou são os pequenos camponeses, os pequenos comerciantes, os pequenos industriais, cujas características de classe — posse de propriedade, apesar de não rentável, isolamento e individualismo concorrencial — os levam a não compreender as causas e as soluções e em geral os arrastam para a reacção; ou são os desempregados, os reformados, os inválidos, os doentes, certos extractos do lumpen, que têm uma capacidade infinitamente menor de organização do que o proletariado das fábricas ou dos campos. O menos atingido é por enquanto este. Mas sectores mais mal remunerados como a construção civil e os têxteis mostram-se dispostos a ir bastante longe nas suas movimentações. E também aqueles a quem querem roubar aquilo que conquistaram durante este processo — casas e campos. É nestes sectores de explorados e oprimidos que rompem actualmente e romperão maiores conflitos com o actual poder. Só quando o aumento do custo de vida atingir seriamente o proletariado das zonas industriais é que romperão movimentações de massas brutais. Por enquanto o aumento do custo de vida toca politicamente sobretudo uma vanguarda, (embora larga) deste proletariado formado no processo de luta anterior e que compreende que em sistema capitalista os custos da crise recairão sempre sobre os trabalhadores.
Na vitória sobre os reaccionários do 11 de Março o PC destacou-se pela prontidão com que respondeu e pelo quantitativo do aparelho partidário empregado nessa resposta. É já generalizada a tese de que esse partido tinha conhecimento prévio do projectado golpe e são várias as interpretações de um despoletamento que provocasse a sua antecipação. De qualquer modo foi notória a presença de quadros chaves da direcção desse partido em postos chaves do controlo do aparelho de estado, meia hora depois do início do bombardeamento do Ralis. A partir daí e do uso e abuso das barricadas, o aparelho partidário do PC procurou criar raízes e confundir-se com o aparelho de Estado. Desde o 11 de Março até à grande derrota eleitoral do PC em 25 de Abril de 1975 viveu-se o auge do controlismo deste partido, o qual veio a condicionar fortemente tanto as eleições como a crise permanente que lhes sucedeu. Teve, no entanto, a vantagem de ter sido uma pequena amostra de stalinismo no poder, que convenceu muita gente a rejeitar esta fórmula.
Este período representa assim a expressão máxima da tendência que muitos meses antes tomava aspecto crescente; logo a seguir ao 25 de Abril o PC tomou grandes disposições para ocupar lugares chaves na informação e nas autarquias locais, lugares que usou com todo o autoritarismo e arbitrariedade que caracteriza o reformismo. A seguir ao 11 de Março os novos lugares conquistados e a capacidade que demonstraram para usar o Primeiro Ministro, criaram uma situação insustentável. Só o Copcon lhes escapou nesta investida, coisa que nunca perdoaram e que os fez travar grandes batalhas contra aquele organismo.
A política do PC caracterizou-se pelo reformismo económico simultaneamente com o autoritarismo no aparelho de Estado e o sectarismo na informação. Simbolizou bem o stalinismo ,ao mesmo tempo desvio de direita e ultra-sectarismo. Esta política sectária consegue, no entanto, pelo aspecto de dureza, confundir gente que toma por posições de esquerda aquilo que é uma máscara das posições de direita, que simultaneamente assume no que se refere à política de aliança de classes.
Do ponto de vista do programa económico o reformismo adoptou sempre, como se disse, a «política antimonopolista» e de protecção à Pequena e média empresa, consequência do seu namoro à pequena burguesia. Nunca explicou que à fase capitalista de grandes monopólios se segue a revolução socialista, que só assim é possível, com passagem dos monopólios para o Estado; e iludiu sempre a questão do sucessivo desaparecimento das pequenas e médias empresas, por via da concentração de capitais. Na sua crítica aos monopólios, colocou-se sempre numa posição moral (no que não estava muito longe das posições escritas do PS), demitindo-se de uma posição marxista de análise económica, demitindo-se sempre da proposta de revolução socialista. Nisto o PC português não fez mais do que seguir a linha simbolizada por Stalin, Dimitrov e todos aqueles que já antes da Segunda Guerra, durante esta e depois, adoptaram posições de aliança de classes e de abandono do objectivo da Revolução Socialista, posições estas que desde então nunca mais se vieram a alterar ao nível dos P.C.'s tradicionais. Não é, pois, originalidade do PC português a política que este adoptou, nem resulta do mau feitio dos seus dirigentes, como muitas análises idealistas querem fazer crer.
Esta política de direita teve como consequência a ilusão de que se podia ir «rumo ao socialismo», andando, andando, de reforma em reforma... Como se a situação económica portuguesa suportasse sequer uma política de reformas no estado em que se encontra! A única coisa que esta situação suporta é uma grande transformação que é a revolução socialista.
Ainda por cima o reformismo achou que essa política de reformas podia ser executada por um Governo de coligação. Essa política pressupôs que o PPD se deixaria levar a bordo do governo, «rumo ao socialismo», sem dar por isso...
A par desta política programática de direita, o reformismo empregou a táctica da infiltração no aparelho de Estado, fazendo pesar uma mão autoritária sobre tudo o que podia. Nas Câmaras que ocupou pelo país fora, na maior parte dos casos não se pôs ao serviço das populações e manteve-se distante delas. Representou para essas populações, sobretudo as do Centro e Norte, a presença do poder central, que entretanto não conseguia resolver os problemas prementes. Os lugares deixados vagos pelos saneamentos foram muitas vezes ocupados por uma pequena burguesia reformista, oportunista e à espera de fazer carreira. Tornaram-se assim odiados em muitos sítios e conseguiram fazer generalizar o anticomunismo junto de populações ignorantes, que tomaram por comunismo aquilo que não é.
Durante o mês e meio em questão atingiram o máximo da sua actividade. No distrito de Setúbal militantes civis do PC efectuaram por mais de uma vez prisões de militantes doutros partidos de esquerda e levaram militares a eles afectos à fazer buscas. A vigilância às casas de militantes de esquerda e às sedes dos partidos de esquerda foi praticada tanto no distrito de Setúbal como na Marinha Grande por militantes armados daquele partido.
Na Comissão da Extinção da Pide foram feitas todas as tentativas para a criação dum Serviço de Investigação II, o qual se serviria dos antigos ficheiros para a organização de um novo serviço de polícia.
Alguns saneamentos à esquerda então feitos foram-no por iniciativa ou com a aquiescência de indivíduos afectos ao PC, como seja os saneamentos do Capitão Freire de Oliveira e dos Tenentes Guerra, Tomé e Sá Leal.
Nas empresas, os mais fanáticos elementos deste partido comportavam-se como polícias dos camaradas, vigiando a produtividade e pretendendo controlar as doenças no Posto da Caixa.
Ao nível da informação, o reformismo foi tomando direcções de jornais e havia pelo menos 3 diários que se comportavam como órgãos oficiosos daquele partido, fazendo uma informação sectária e tendenciosa.
Enfim, o stalinismo deu uma boa amostra do que seria se estivesse no poder plenamente instalado. O PC tinha poucas possibilidades, pela situação objectiva, de vir a controlar completamente o poder; no entanto, este período em que tentou fazê-lo caracterizou bem a sua táctica.
Esta política foi extremamente prejudicial para a boa evolução do processo revolucionário. Deu elementos inesgotáveis de exploração ao PS e à direita em geral. Atirou para o campo do inimigo com pessoas que podiam ter sido captadas para o campo da revolução. Criou condições excelentes para o aparecimento e o bom acolhimento do «Documento dos Nove»; permitiu que o PS e a direita em geral fizessem uma confusão propositada entre ditadura do proletariado e ditadura de um partido.