Sobre as Correntes Filosóficas dentro do Movimento Feminista

Anuradha Gandhi


2. Feminismo Radical


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No feminismo burguês, na primeira fase do movimento de mulheres no século XIX e no começo do século XX, o liberalismo era a ideologia dominante; na etapa contemporânea deste, o feminismo radical teve um forte impacto e, em muitas maneiras, embora difusas, muitas ideias e posições podem ser traçados no argumento feminista radical. Em contraste com a abordagem pragmática tomada pelo feminismo liberal, o feminismo radical visa remodelar a sociedade e reestruturar as suas instituições, que enxergam como inerentemente patriarcais. Fornecendo o que será núcleo teórico do feminismo moderno, as radicais argumentaram que o papel subserviente da mulher na sociedade estava demasiado intimamente entrelaçado no tecido da sociedade para poder se desvencilhar dele sem uma reformulação revolucionária da própria sociedade. Elas lutaram para substituir as relações hierárquicas e tradicionais de poder, que consideravam refletir o viés masculino da sociedade, com abordagens não-hierárquicas e antiautoritárias de política e organização.

Na segunda fase do feminismo, nos Estados Unidos, as feministas radicais surgiram dos movimentos sociais dos anos 60 — o movimento por direitos civis, a nova esquerda, e o movimento por paz contra a Guerra do Vietnã. Eram mulheres que estavam insatisfeitas com o papel dado às elas nestes movimentos e a forma com que a nova esquerda abordava a questão da mulher em seus escritos, teóricos e de agitação de massas. Ao mesmo tempo, nenhuma delas queria preservar o sistema atual. Por conseguinte, em sua fase inicial dos escritos havia um debate com o marxismo, uma tentativa de modificar ou reescrever o marxismo. Mais tarde, à medida em que o feminismo radical ganhou força, o materialismo histórico foi posto de lado e toda sua ênfase deslocou-se para uma análise do sistema de sexos/gêneros e do patriarcado desvinculado do sistema capitalista explorador.

Nesta fase do feminismo contemporâneo, a atenção estava voltada para as origens da opressão das mulheres, e muitos trabalhos teóricos foram escritos tentando analisar as formas de opressão das mulheres e traçar as raízes dessa opressão. No entanto, uma coisa que precisa se ter em mente é que em toda a sua escrita se considerou apenas a sua própria sociedade. Daí toda a sua crítica, descrição e análise lidava com sociedades capitalistas avançadas, principalmente os EUA. Em 1970, Kate Millett publicou o livro Política Sexual no qual desafiava a noção formal de política e apresentava uma visão mais ampla das relações de poder, incluindo a relação entre homens e mulheres na sociedade. Kate via as relações entre homens e mulheres como relações de poder; a dominação dos homens sobre as mulheres era uma forma de poder da sociedade. Daí que ter dado como título ao livro "política sexual". Aqui afirma que o pessoal era político, que se tornou uma palavra de ordem popular do movimento feminista. Ao afirmar que o pessoal é político, o que quis dizer era que o descontentamento que mulheres individualmente sentiam em suas vidas não era devido às falhas individuais, mas devido ao sistema social, que mantinha as mulheres em subordinação e as oprimia em diversas formas. Portanto, seus sentimentos pessoais são políticos. De fato, ela inverteu a compreensão do materialismo histórico ao afirmar que a relação homem-mulher era o quadro para todas as relações de poder na sociedade. De acordo com ela, esta "casta social" (homens dominantes e mulheres subordinadas) prevalece sobre todas as outras formas de desigualdade, seja racial, política ou econômica. É esta a primordial situação humana. Estes outros sistemas de opressão continuarão porque ganham legitimidade lógica e emocional da opressão nesta situação primordial. O patriarcado, segundo ela, era o controle do homem sobre a esfera pública e privada.

Segundo ela, para eliminar o patriarcado, os homens e mulheres devem eliminar o gênero, isto é, a condição sexual, funções na sociedade e maneira de ser, já que foram construídos sob o patriarcado. A ideologia patriarcal exagera as diferenças biológicas entre homens e mulheres e subordinam as mulheres. Millett defendeu uma nova sociedade, que não seria baseado no sistema de sexo/gênero, onde homens e mulheres seriam iguais. Ao mesmo tempo, argumentou que devemos proceder gradualmente, eliminando os traços indesejáveis como a obediência (entre mulheres) e a arrogância (entre homens). O livro da Kate Millett foi muito influente por muito tempo. Ainda é considerado um clássico para o pensamento das feministas radicais modernas.

Outra escritora influente era a Shulamith Firestone que argumentou em seu livro Dialética do Sexo (1970) que as origens da subordinação da mulher e da dominação do homem residiam nos papéis reprodutivos do homem e da mulher. Neste livro, ela reescreve Marx e Engels. Enquanto Engels escrevera sobre o materialismo histórico desta forma: "aquela visão do campo da história que procura a causa última e a grande força motora de todos os eventos históricos no desenvolvimento econômico da sociedade, nas mudanças dos modos de produção e de troca, na consequente divisão da sociedade em classes distintas, e nas lutas destas classes contra umas às outras", Firestone reescreve isto da seguinte maneira: "O materialismo histórico é aquela visão do campo da história que procura a causa última e a grande força motora de todos os eventos históricos na dialética do sexo: a divisão da sociedade em duas classes biológicas distintas para a reprodução de procriação, e as lutas destas classes contra umas às outras; nas mudanças no modo de casamento, reprodução e guarda de crianças criado a partir destas lutas; no desenvolvimento conexo de outras classes fisicamente diferentes (castas); e na primeira divisão sexual do trabalho que se desenvolveu no sistema de classes (econômico-cultural).". Firestone focou na reprodução ao invés da produção como a força motora da história. Posteriormente, ao invés de identificar as causas sociais para a condição da mulher, endereçou motivações biológicas para sua condição e fez delas a força motora da história.

Sentia que o fato biológico da mulher engravidar, era a base material para a submissão da mulher na sociedade e que era necessária uma revolução social e biológica para concretizar a libertação humana. Também tinha a opinião que as diferenças de sexo/gênero precisavam ser eliminadas e nós deveríamos ser andróginos. Mas ela foi além da Kate Millett na solução que defendeu para acabar com a opressão da mulher. Defendia a posição de que a não ser que as mulheres desistissem de seus papéis reprodutivos e renunciassem à maternidade, e que a base da família existente fosse modificada, não seria possível emancipar completamente as mulheres. Daí, segundo ela, a não ser que a reprodução natural fosse substituída e a família biológica tradicional substituída pela família intencional, as divisões biológicas entre os sexos não poderiam ser eliminadas. A família biológica é aquela onde os membros são geneticamente ligados (pais e filhos) enquanto a família intencional, para ela, significa uma família escolhida a partir da amizade ou conveniência. Acreditava que se caso ocorresse essa mudança, os vários complexos de personalidade que se desenvolveram na sociedade atual deixariam de existir. Outras escreveram sobre como historicamente o primeiro conflito social era entre homens e mulheres. O homem, caçador, era propenso à violência e subjugava a mulher pelo estupro. (Susan Brownmiller).

Estes escritos deram o tom para o movimento de mulheres, seu segmento mais radical, que não estava satisfeito com as tentativas das feministas liberais em mudarem as leis e militarem em questões deste tipo. Deram o empurrão para mudar as abordagens até então tradicionais que aceitavam os papéis reprodutivos, em diferenças de sexo/gênero e questionar a própria estrutura da sociedade como sendo patriarcal, hierárquica e opressora. Elas chamaram pela total transformação da sociedade. Daí as feministas radicais enxergar-se mais como revolucionárias do que reformistas. Suas afirmações fundamentais eram que o sistema de gêneros era a principal causa da opressão da mulher.

Consideraram as relações entre homens e mulheres de forma isolada do resto do sistema social, como a contradição fundamental. Decorrente disso, toda sua orientação e direcionamento de análise e prática trabalha em primeiro lugar com esta contradição e isto as levou para o separatismo. Já que elas focavam no papel reprodutivo da mulher, faziam das relações sexuais e familiares os alvos centrais de suas ações para transformar a sociedade.

O sistema sexo-gênero e o Patriarcado

O ponto central do entendimento radical é o sistema sexo/gênero. De acordo com uma definição popular oferecida por Gayle Rubin, o sistema sexo/gênero é um "conjunto de arranjos pelo qual a sociedade transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade humana". Isso quer dizer que a sociedade patriarcal se utiliza de certos fatos sobre as psicologias masculina e feminina (sexo) como base para construir um conjunto de identidades e comportamentos masculinos e femininos (gênero) que servem para dar poder aos homens e tirá-lo das mulheres, ou seja, ditar como um homem deve ser e como uma mulher deve ser. Isto, de acordo com as feministas radicais, é a base ideológica da subordinação feminina. A sociedade está, de algum modo, convencida de que esses traços de comportamento culturalmente determinados são "naturais". Portanto, elas dizem que o comportamento "normal" depende da habilidade de cada um para exibir identidades e comportamentos que a sociedade liga ao seu sexo biológico.

Inicialmente, as feministas radicais (como por exemplo, o grupo de Boston ou o grupo radical de Nova York) acolheram as visões de Kate Millet e de Firestone e focaram nos meios pelos quais o conceito de feminilidade e os papéis e responsabilidades reprodutivas e sexuais (criação infantil, etc.) servem para limitar o desenvolvimento das mulheres enquanto pessoas plenas. Então, reivindicaram a androginia, que significa ser ambos, masculino e feminino, possuir ambos os traços, para que os papéis definidos de forma rígida para cada sexo não permaneçam. Isto significa que mulheres deveriam adotar alguns traços masculinos (e, da mesma forma, homens alguns traços femininos). No entanto, posteriormente, no fim da década de 70, um setor entre as radicais rejeitou o objetivo da androginia e acreditou que isto significaria que as mulheres apreenderem algumas das piores características da masculinidade. Ao contrário, propuseram que as mulheres deveriam afirmar sua "feminilidade". Mulheres deveriam tentar ser mais como mulheres, isto é, enfatizar virtudes femininas como interdependência, comunidade, conexão, compartilhamento, emoções, corpo, imanência, natureza, confiança, falta de hierarquia, processo, diversão, paz e vida. Daqui para a frente, todo o seu foco se tornou separatista, mulheres deveriam se relacionar somente com mulheres, deveriam criar uma cultura e instituições femininas. Desta forma, mesmo sua visão sobre sexualidade mudou e passaram a acreditar que as mulheres deveriam se tornar lésbicas; e assim passaram a apoiar relações lésbicas monogâmicas como as melhores para as mulheres. Politicamente, tornaram-se pacifistas. Violência e agressão são traços masculinos, segundo elas, que deveriam ser rejeitados. Elas dizem que as mulheres são naturalmente amantes da paz e que proporcionam a vida. Ao construir instituições alternativas, acreditaram efetuar uma mudança revolucionária. Elas começaram a construir clubes de mulheres, fazer filmes de mulheres e outras formas de uma cultura feminina em separado. Em seu entendimento, a transformação revolucionária da sociedade se dará de forma gradual. Essa corrente é chamada de feminismo culturalista porque se concentra completamente na cultura societária. Elas não relacionam a cultura à estrutura político-econômica da sociedade. Mas esta se tornou a principal tendência do feminismo radical e está entrelaçada com o ecofeminismo e o pós- modernismo. Entre as feministas culturalistas mais conhecidas estão Marilyn French e Mary Daly.

Sexualidade: heterossexualidade e lesbianismo

Uma vez que a relação homem-mulher constitui a contradição fundamental para as feministas radicais, estas têm prestado muita atenção às relações sexuais entre homens e mulheres. A sexualidade se converteu na arena onde a maior parte das discussões e debates do feminismo radical se concentraram. A posição das Igrejas Cristãs no Ocidente é extremamente conservadora em relação a várias questões, incluindo sexo e aborto. Isso é mais característico em países como os EUA, a França e a Itália. A moralidade cristã tem defendido o sexo somente após o casamento e se oposto ao aborto. As teóricas radicais se confrontaram com isso de cabeça erguida. Ao mesmo tempo, expuseram como dentro de uma sociedade patriarcal, nas relações sexuais (mesmo dentro do casamento) as mulheres frequentemente têm a sensação de estarem sendo dominadas. Nesse cenário, questões como repressão sexual, heterossexualidade compulsória e homossexualidade, ou escolha e orientação sexuais se tornaram objetos de discussão e de debate.

As feministas radicais acreditam que em uma sociedade patriarcal, mesmo nas relações e práticas sexuais, a dominação masculina prevalece. Isso foi nomeado de "repressão" pela primeira tendência e de "ideologia da objetificação sexual" pelas feministas culturalistas. De acordo com elas, o sexo é visto como ruim, perigoso e negativo. O único sexo permitido e considerado aceitável é a prática marital heterossexual (heterossexualidade significa relações sexuais entre pessoas de diferentes sexos, isto é, entre homens e mulheres). Existe uma pressão da sociedade patriarcal para que as pessoas sejam heterossexuais e, as minorias sexuais, isto é, lésbicas, travestis, transexuais, etc., são consideradas intoleráveis. O prazer sexual, uma poderosa força natural, é controlada pela sociedade patriarcal que separa a assim a chamada prática sexual boa, normal e saudável da prática sexual ruim, não-saudável e ilegítima.

Mas as duas correntes possuem diferenças profundas de concepção sobre a sexualidade, o que afeta as reivindicações que apresentam como também as soluções que oferecem. De acordo com a tendência feminista radical, a repressão sexual é um dos meios mais cruéis e irracionais com o que as forças da civilização controlam o comportamento humano. A permissividade está no melhor dos interesses de mulheres e homens. Pelo contrário, as feministas culturalistas consideram que as relações sexuais heterossexuais são caracterizadas por uma ideologia de objetificação na qual os homens são mestres/sujeitos e as mulheres são escravas/objetos. "A heterossexualidade possui certas similaridades com o colonialismo particularmente em sua manutenção pela força quando o paternalismo é rejeitado e ao retratar a dominação como natural e no descapacitamento das mulheres". (Sarah Lucia Hoagland). Esta é uma forma de violência sexual masculina contra as mulheres. Portanto, as feministas deveriam se opor a qualquer prática sexual que normalize a violência sexual masculina. De acordo com elas, as mulheres deveriam recuperar o controle sobre sua sexualidade desenvolvendo uma preocupação com suas próprias prioridades sexuais, que são diferentes das dos homens. As mulheres, dizem elas, desejam intimidade e cuidado mais do que desempenho. Portanto, advogam que as mulheres rejeitem as relações sexuais com homens e se tornem lésbicas. Por outro lado, as radicais acreditavam que as mulheres devem buscar o prazer, como disse Gayle Rubin, e não fazer regras. Para feministas culturalistas, heterossexualidade é sobre dominação masculina e subordinação feminina, e assim abre caminho para pornografia, prostituição, assédio sexual e violência doméstica. Portanto, reivindicam que as mulheres deveriam desistir de relações heterossexuais e apostar em relações lésbicas nas quais há envolvimento emocional. Feministas culturalistas enfatizaram a necessidade de desenvolver a "feminidade" essencial das mulheres. O lesbianismo teve grande impulso dentro do movimento de mulheres no Ocidente no começo dos anos 80, mas retrocedeu alguns anos depois.

A solução oferecida pelas feministas culturalistas para pôr um fim à subordinação de mulheres é quebrar a relação sexual entre homens e mulheres, com estas formando uma classe separada. A primeira tendência defende relações sexuais livres, desligadas de qualquer envolvimento emocional seja com homens ou mulheres. Na verdade, as soluções que promovem fazem de uma relação humana íntima um tipo de mercadoria de relacionamento impessoal. Daqui é apenas um passo para apoiar a pornografia e a prostituição. Enquanto as feministas culturalistas se opuseram fortemente à prostituição, as radicais não concordaram que a pornografia tivesse qualquer impacto adverso na forma com a qual os homens viam as mulheres. Ao invés disso, acreditavam que a pornografia poderia ser usada para pôr fim à repressão sexual. Mesmo na questão de tecnologia reprodutiva, os dois lados divergiam. Enquanto as radicais apoiavam repro-tech, as culturalistas eram opostas a isto. As feministas culturalistas eram da opinião de que mulheres não deveriam desistir da maternidade, uma vez que esse é o único poder que elas possuem. Elas têm sido ativas nos debates éticos levantados pela repro-tech, como direitos da mãe de aluguel ou da biológica.

Crítica

Da análise feita acima é evidente que as feministas radicais viraram o marxismo de cabeça pra baixo, assim por dizer. Ainda que trabalhemos com os argumentos no campo do feminismo socialista, alguns pontos precisam ser mencionados. Em sua compreensão das condições materiais levaram em conta o fator físico da reprodução e do papel biológico da mulher como o ponto central de suas análises e concluíram que era este o motivo principal da opressão da mulher. Marx escreveu que a produção e reprodução da vida são as duas condições básicas para a existência humana. Reprodução significa tanto a reprodução dos indivíduos no cotidiano e a reprodução da espécie humana. Mas, de fato, a reprodução das espécies é algo que os humanos compartilham com o reino animal. Não poderia ser esta a base da opressão da mulher. Em todos os milhares de anos em que as pessoas viveram nos primeiros estágios da existência humana, as mulheres não eram subordinadas aos homens. Na verdade, seu papel reprodutivo era celebrado e envolto em grande importância porque a sobrevivência das espécies e seus grupos dependiam da reprodução. A importância dada à fertilidade e rituais de fertilidade existentes na maior parte das sociedades tribais são testemunhas deste fato.

O marxismo compreende que algumas condições materiais tiveram que surgir para fazer a posição da mulher e subordiná-la. A significativa mudança nas condições materiais veio com uma produção excedente considerável sendo gerada. As classes surgiram no ponto de distribuição deste excedente, tendo sido apropriado por um pequeno número de pessoas de líderes na comunidade. Seu papel na reprodução, anteriormente motivo para ocupar uma posição elevada, agora tornou-se o meio para sua dominação. Passou a ter importante a qual clã pertencia o bebê que ela carregava e é aí que encontramos restrições às mulheres e o surgimento da família patriarcal, na qual a mulher era subordinada e seu principal papel na sociedade era gerar filhos para a família. As feministas radicais trataram o desenvolvimento histórico e fatos históricos de forma leviana e impuseram sua própria compreensão da contradição homem-mulher como a contradição original e principal que determinou os rumos da história.

A partir desse ponto central, as análises radicais abandonaram a história em conjunto, ignoraram a estrutura político-econômica e concentraram apenas nos aspectos sociais e culturais da sociedade capitalista desenvolvida e projetaram a situação dali como uma condição universal humana. Está é outra grande fraqueza de suas análises e abordagens. Já que tomaram as relações entre homens e mulheres (sexo/gênero) como a contradição central da sociedade, todas as suas análises procederam disto e os homens se tornaram os principais inimigos das mulheres. Já que não possuem nenhuma estratégia concreta para derrubar esta sociedade, rumaram toda sua análise a uma crítica dos aspectos superestruturais — cultura, linguagem, conceitos, éticas, sem se preocupar com o capitalismo e seu papel ao sustentar estas relações de gênero e daí a necessidade de incluir a derrubada do capitalismo em sua estratégia para a libertação da mulher. Enquanto faziam críticas extremamente fortes da estrutura patriarcal, as soluções que oferecem são, na verdade, reformistas. Suas soluções focam em modificar os papéis, atitudes e valores morais e criar uma cultura alternativa. Praticamente, significa que as pessoas podem em alguma medida desistir de certos valores, homens podem desistir de traços agressivos ao reconhecê-los como patriarcais, mulheres podem tentar ser mais fortes e menos dependentes, mas quando toda a estrutura da sociedade é patriarcal, o quão longe estas mudanças podem chegar sem uma derrubada de todo o sistema capitalista é uma questão que elas não abordam. Então, acabam formando pequenos grupos que ao tentar mudar seu estilo de vida, suas relações interpessoais, botam um foco maior na relação interpessoal do que no sistema como um todo. Ainda que elas tenham começado a analisar todo o sistema e querer transformá-lo, sua linha de análise as levou em direção às soluções reformistas. A libertação da mulher não é possível desta maneira. A culpa recai em sua própria base de análise.

As feministas culturalistas foram um pouco mais além ao enfatizarem as diferenças essenciais entre machos e fêmeas e que traços de fêmeas (e não femininos) são desejáveis. Este argumento fez com que a base biológica para as diferenças entre machos e fêmeas fossem mais importantes do que as construções sociais. Na verdade, é um argumento contraproducente porque as forças sociais conservadoras sempre usaram estes argumentos (determinismo biológico) para justificar a dominação sobre um segmento do povo. Os escravos eram escravos porque tinham determinados traços e precisavam ser dominados, não conseguiam cuidar de si mesmos. Mulheres são mulheres e homens são homens, e são simplesmente diferentes, então os papéis sociais para cada um também são diferentes. É o argumento usado pelas forças conservadoras reacionárias que se opõem à libertação da mulher. Daí o argumento utilizado por estas ter implicações perigosas, que pode e irá repercutir na luta das mulheres por mudanças. Masculinidade e feminilidade são construções da sociedade patriarcal e temos que lutar para mudar estas severas construções. Mas isto está ligado a derrubada de toda a sociedade exploradora. Em uma sociedade onde a dominação patriarcal deixa de existir, como serão os homens e mulheres, que tipo de características irão adotar, é impossível que nós afirmemos. As características que os seres humanos adotarão terão consonância com o tipo de sociedade que irá existir, já que não pode existir uma personalidade humana externa a algum panorama social. Buscar esta feminilidade é como caçar uma miragem e leva a auto decepção. Ao colocar a heterossexualidade como ponto fundamental de sua crítica do atual sistema, encorajaram o separatismo lésbico, assim levando o movimento de mulheres a um beco sem saída. Nada além de formar pequenas comunidades de lésbicas e construir uma cultura alternativa que não poderia e não têm sido capazes de dar um passo à frente para libertar a massa de mulheres da exploração e opressão que sofrem. É impraticável e artificial pensar que as mulheres podem ter uma existência completamente separada da dos homens. Elas desistiram completamente de construir uma sociedade humana melhor. Esta estratégia não trabalha a partir da realidade da grande massa de mulheres. Objetivamente, se tornou um desvio da construção de um movimento amplo pela libertação da mulher. A corrente radical, ao apoiar pornografia com o argumento abstrato de livre escolha deu um giro reacionário fornecendo a justificativa e apoio à indústria do turismo sexual promovido pelos imperialistas, que submete milhões de mulheres de comunidades étnicas oprimidas e dos países do terceiro mundo à exploração sexual e indescritível sofrimento. Ao passo que criticava a hipócrita e repressora moral sexual da burguesia reacionária e da Igreja, a corrente radical promoveu uma alternativa que apenas aliena ainda mais os seres humanos uns dos outros e degrada a mais íntima das relações humanas. Ao separar o sexo do amor e intimidade, as relações humanas se tornam mecânicas e desumanas. Ademais, seus argumentos estão em isolamento absoluto das verdadeiras condições das vidas das mulheres e suas dolorosas experiências.

Maria Mies fez uma crítica de toda essa corrente que resume a fraqueza da abordagem: "a crença na educação, ações culturais ou mesmo uma revolução cultural como agentes de transformação é crença típica das classes médias urbanas. No que diz respeito à questão da mulher, se baseia no pressuposto de que a opressão da mulher não tem nada a ver com as relações de produção... este pressuposto é mais comum entre as feministas ocidentais, particularmente dos Estados Unidos, que normalmente não falam de capitalismo. Para muitas feministas ocidentais, a opressão da mulher encontra suas raízes na cultura da civilização patriarcal. Para elas, portanto, o feminismo é em grande parte um movimento cultural, uma nova ideologia, ou nova consciência". (1986)

Este feminismo cultural dominou o feminismo ocidental e também influenciou o pensamento feminista nos países do Terceiro Mundo. Conecta-se bem com a corrente pós-moderna e desviou toda a orientação do movimento das mulheres, de ser uma luta para mudar as condições materiais de vida das mulheres para ser uma análise de "representações" e símbolos. Foram contra a ideia das mulheres se tornarem uma força militante porque enfatizaram a natureza não-violenta da fêmea. Assim, desrespeitam o papel que as mulheres desempenharam em guerras contra a tirania através da história. As mulheres irão e deverão continuar a ser parte ativa nas guerras justas contra a opressão e a exploração. Deste modo, serão participantes ativas na luta por transformações.

Em suma, podemos ver que a corrente radical do feminismo levou a luta das mulheres a um beco sem saída por defender o separatismo feminino. As principais fraquezas da teoria e de sua análise são: Tomar uma posição filosoficamente idealista ao colocar como central, traços da personalidade e valores culturais em detrimento das condições materiais. Ignoraram completamente a situação material no mundo e focaram apenas nos aspectos culturais.

Colocar a contradição entre homens e mulheres como a contradição principal e, portanto, justificando o separatismo. Colocar um fato natural como a reprodução, como o motivo da subordinação da mulher e rejeitar as razões socioeconômicas para a condição social da opressão e, assim, fortalecer o argumento conservador de que homens e mulheres são naturalmente diferentes. Colocar homens e mulheres como imutáveis. Ignorar as diferenças de classe entre mulheres e as necessidades e problemas das mulheres pobres. Ao propagar a natureza da mulher como não-violenta, desencorajaram as mulheres a se tornar combativas na luta por sua própria libertação e da humanidade. Apesar de se afirmar radicais, ter soluções completamente reformistas, que não podem levar adiante a libertação da mulher.


Inclusão 30/09/2019