MIA> Biblioteca> Temática > Novidades
<<< Índice
Textos Históricos da Revolução
Organização e introdução de Orlando Neves
PROGRAMA DO VI GOVERNO (14/9/1975) — PINHEIRO DE AZEVEDO AO PAÍS
A Nação tem seguido o desenvolvimento dos últimos acontecimentos político-militares com apreensão, plenamente justificada pela difícil conjuntura política, social e económica em que nos encontramos.
Movimentamo-nos dentro deste processo revolucionário complexo, semeado de dificuldades, e há largos meses que não temos conseguido encontrar as soluções mais adequadas para a resolução de todos os graves problemas com que nos deparamos.
Nomeado pelo Presidente da República, por decisão do Movimento das Forças Armadas, para o cargo de Primeiro-Ministro, de imediato iniciei contacto com as forças políticas mais representativas dos interesses do povo português.
As conversações efectuadas entre mim, na qualidade de Primeiro Ministro indigitado, e os partidos políticos e a ajuda sempre presente do Presidente da República, general Costa Gomes, foram, naturalmente, demoradas e árduas, e é com satisfação que posso, hoje, anunciar ao País que se conseguiu o acordo do Partido Socialista, Partido Comunista e Partido Popular Democrático sobre o programa político do VI Governo Provisório. É esse programa político que passo a apresentar.
Em momento grave da vida nacional, o VI Governo Provisório considera prioritário resolver a crise que a sociedade portuguesa atravessa, indo ao encontro das aspirações mais profundas do povo. Para tanto importa resolver os problemas concretos do plano político, económico e social.
O apoio dos principais partidos políticos e do M.F.A. ao VI Governo permitirá o êxito da sua política, êxito este que contribuirá para a consolidação da aliança entre o povo e o Movimento das Forças Armadas, necessário ao sucesso da Revolução Portuguesa.
O VI Governo Provisório pautará a sua acção pelos princípios seguintes:
- Independência nacional;
- Socialismo e pluralismo democrático;
- Defesa intransigente dos interesses das classes trabalhadoras e do povo em geral, com particular atenção para situação das camadas mais desfavorecidas;
- Defesa e respeito das liberdades democráticas;
- Defesa da Revolução e das suas conquistas;
- Reforço da democracia local e regional;
- Defesa da paz internacional e da cooperação com todos os povos;
- Prosseguimento consequente da descolonização;
- Respeito pela plataforma de acordo constitucional;
- Exercício de uma autoridade revolucionária firme.
Cada um dos princípios atrás enunciados deve ser interpretado à luz dos documentos programáticos do Movimento das Forças Armadas: programa, plataforma de acordo constitucional e plano de acção política.
No momento presente, alguns destes princípios levantam na sua prática problemas mais agudos ou exigem atenção mais cuidada. Tais são os que se prendem com as conquistas democráticas com a defesa da Revolução, quando as forças contra-revolucionárias se propõem, com o recurso à violência e ao terrorismo, o regresso ao fascismo. A neutralização deste perigo e o combate estas forças passam hoje, mais que nunca, pelo exercício de uma autoridade democrática firme e forte, capaz de garantir em toda a extensão do território nacional a paz, a ordem pública, as liberdades democráticas e o respeito pela vida e bens dos cidadãos.
É preciso que exista e seja respeitada uma ordem democrática sinónimo de esperança e justiça, garantia de que se é escutado, não se tolerando a demissão das autoridades. São condições para tanto não tolerar a demissão da autoridade revolucionária democrática e dos seus agentes, bem como garantir os meios para o eficaz exercício das suas funções. Em termos de Governo, isto significa que o Primeiro-Ministro disporá de instrumentos eficazes para o exercício do Poder, tendo à sua disposição forças capazes de cumprir com disciplina e sacrifício, comprometendo-se as forças políticas progressistas a apoiar o exercício da autoridade e a combater a sua contestação.
O prosseguimento da descolonização total e completa de Angola e Timor tem levantado, na sua última fase, agudíssimos problemas de reintegração na vida colectiva e de apoio aos retornados, que deverão ter pronta resposta por parte do Governo.
O objectivo geral do VI Governo Provisório é avançar, realisticamente, no caminho da construção da democracia e do socialismo. São objectivos a curto prazo que decorrem da conjuntura política, económica e social. Estabelecimento da paz, tranquilidade e ordem públicas e respeito pela legalidade; consolidação das conquistas da Revolução; consolidação das instituições democráticas, com pleno reconhecimento das liberdades fundamentais; resolução dos problemas mais agudos levantados pelo desemprego, pelas injustiças económicas e sociais, pelo retorno maciço dos portugueses das ex-colónias e pela necessidade de vencer a crise económica e financeira e a batalha da economia.
O respeito pelos princípios e prossecução dos objectivos geral e a curto prazo, que atrás ficaram indicados, passam pelo cumprimento das seguintes tarefas:
- Reforçar a autoridade do Governo, que pretende ser intérprete da vontade maioritária do povo português pela eficiência e disciplina das forças necessárias ao seu exercício.
- Defender a ordem e a legalidade democrática e assegurar, de imediato, o exercício das liberdades em todo o território nacional.
- Combater as actividades contra-revolucionárias qualquer que seja a sua origem.
- Garantir o funcionamento da Assembleia Constituinte.
- Garantir a aplicação do princípio da legalidade no saneamento e impedir forças arbitrárias de saneamento ou de discriminação que tenham por base lutas interpartidárias e reparar eventuais injustiças decorrentes de não terem sido observados estes princípios.
- Descentralizar a vida político-administrativa iniciando projectos de reordenamento do território e tendo em especial atenção a urgência e as particularidades da situação dos arquipélagos dos Açores e Madeira.
- Proceder a uma revisão geral da situação existente nas autarquias locais e substituir, em prazo razoável, as comissões administrativas ilegalmente constituídas opostas à vontade democrática das populações ou de cuja acção tenham resultado inconvenientes para a vida local, de forma a assegurar uma gestão eficiente e fortalecer o apoio das populações aos órgãos da administração local.
- Assegurar a não discriminação de política ideológica, uma convivência pluralista e a isenção partidária no aparelho do Estado, nas empresas nacionalizadas e nos organismos de reforma agrária, corrigindo abusos eventualmente praticados.
- Assegurar o pluralismo nos meios de comunicação social dependentes do Estado.
- Intensificar o processo de democratização da cultura e do ensino, tanto no plano social como no das instituições.
- Velar pelo respeito da democracia na vida sindical.
- Tornar mais eficiente os serviços de investigação e prevenção criminal e criar condições para que os tribunais exerçam mais prontamente o seu poder. Assegurar o julgamento num prazo máximo a estabelecer dos processos de todos os presos políticos, civis e militares. O julgamento dos ex-pides e legionários far-se-á de acordo com a legislação já publicada pelo Conselho da Revolução.
- Publicar legislação severamente punitiva de grupos civis armados.
- Prosseguir o processo de descolonização de Angola e Timor com salvaguarda dos legítimos interesses dos portugueses radicados nesses territórios e dos retornados das ex-colónias.
- Desenvolver uma política externa de independência nacional que, respeitando os compromissos internacionais assumidos, liberte o País progressivamente de tutelas económicas ainda existentes através da diversificação equilibrada dos acordos de comércio externo.
- Concluída a nacionalização dos sectores básicos da economia, estruturar o sector público e económico nacionalizado, conferindo-lhe dinamismo e eficiência, designadamente o sector bancário, criando-se condições para o planeamento da economia e o funcionamento eficaz das actividades produtivas.
- Prosseguir na reforma agrária, reforçando o crédito e o apoio técnico às explorações e impedindo-se as situações e acções que possam dificultar a sua execução, e fomentar a produção agrícola e de outros bens alimentares.
- Delimitar os domínios de actividade dos sectores económicos público e privado, com definição de garantias e incentivos que permitam a reanimação deste último sector, apoiando-se ao mesmo tempo eficazmente às pequenas e médias empresas.
- Criar condições de confiança que permitam captar as poupanças e a sua canalização para o sistema produtivo, designadamente a poupança dos emigrantes e estabelecer garantias de indemnização para as pequenas poupanças investidas nos sectores nacionalizados.
- Controlar as actividades dos agentes económicos estrangeiros no domínio dos investimentos directos, financiamentos e transferências de tecnologia, através da elaboração de um estatuto dos investimentos estrangeiros.
- Executar uma política expansionista de investimentos públicos, em especial daqueles com maior incidência na criação de empregos e na balança de pagamentos e adoptar medidas de emergência para os sectores em crise.
- Organizar e controlar o comércio externo, reforçar as relações comerciais com todos os países e designadamente com a E. F. T. A. e o Mercado Comum e expandir as relações com os países socialistas e com os países do Terceiro Mundo, de forma a conseguir-se a redução de défices da balança de pagamentos e o financiamento dos grandes projectos de investimento público.
- Adoptar medidas de restrição dos consumos supérfluos e sumptuários e lançar uma campanha de austeridade no consumo de energia.
- Definir uma política de preços e rendimentos capaz de assegurar a reanimação da actividade económica e a defesa e a melhoria do nível de vida das classes trabalhadoras e das camadas mais desfavorecidas da população, assegurando-se ainda a protecção, no quadro da segurança social, dos pequenos empresários forçados a cessar a actividade devido às reformas económicas.
Estes os princípios e os objectivos que orientarão o VI Governo Provisório.
Acredito sinceramente que se trata de uma saída para a grave crise política que o País atravessa.
Insisto que não se trata de um Governo de coligação mas sim de um Governo de unidade de acção de determinadas forças políticas baseada numa plataforma comum.
Penso que se encontram removidos os principais obstáculos. Encontramo-nos agora na fase de estruturação do Governo, a qual contém algumas dificuldades, embora menores e de natureza diferente, e espero, no princípio da semana, apresentar ao País a composição do elenco governamental.
Termino afirmando que, por mim, tudo farei para que os portugueses encontrem os caminhos da justiça social, da liberdade, do progresso, da felicidade.
continua>>>
Início da página