Textos Históricos da Revolução

Organização e introdução de Orlando Neves


VASCO GONÇALVES NA MANIFESTAÇÃO DA F. U. R.
(27-8-1975)


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«Portugueses, companheiros de luta vivemos um dos momentos mais graves da nossa revolução. A nossa revolução corre graves perigos.

É preciso que todos nós tenhamos consciência do momento que estamos vivendo e que sejamos capazes de estar à altura desse momento. O nosso país, o nosso processo de construção de uma democracia a caminho do socialismo, está seriamente ameaçado pelas forças reaccionárias quer internas quer externas.

As forças democráticas e patrióticas têm, neste momento, o dever de honra de se unirem acima de todas as questões. A unidade é a nossa defesa.

Todas as revoluções, todos os processos revolucionários passam por momentos destes. Não há nenhuma revolução que tenha sido construída com êxito ao fim de longos anos, que não tenha passado por momentos destes.

Este momento é crucial. As forças de certos extratos sociais conjugam-se para travar o passo à nossa revolução. O problema central é o problema do Poder. E quais serão as forças que deverão conduzir este país para a democracia e para o socialismo?

É esta a questão: quais serão as forças que poderão conduzir o País em paz e em liberdade, no caminho da construção de uma democracia e, depois, na construção do socialismo? Quais são as forças capazes de conduzir este processo sem o trair?.

Estamos assistindo a uma luta aguda pelo Poder, centrada em qualquer coisa de mais profundo que é a luta de classes.

São as forças populares, as forças verdadeiramente interessadas na transformação da sociedade: são os extratos sociais mais desfavorecidos, os que estão mais interessados nesta transformação da sociedade.

A condução do processo revolucionário deve ser feita por uma vanguarda bem apertada do Movimento das Forças Armadas com as forças trabalhadoras. Isto não significa que nós vamos pôr de parte uma pequena burguesia (os pequenos industriais, comerciantes, os donos das mercearias, os sapateiros, os ferreiros, os donos das pequenas lojas, os agricultores... os pequenos agricultores — tantos deles que sendo proprietários das suas terras, ganham menos do que o salário mínimo nacional). Nós não vamos pôr essa gente de parte (...) Mas simplesmente o poder é que há-de ser um poder de vanguarda. Não podemos entregar a condução de uma revolução democrática a caminho do socialismo aos elementos da pequena burguesia.

Isto não significa — acrescentou, no entanto — que estamos a minimizar a pequena burguesia. Não quererá ser nossa aliada na resposta para o futuro, mas como nossa aliada deve ter a construção em moldes firmes e fortes. Verdadeiramente revolucionários. Não somos extremistas. Não queremos fazer a política da terra queimada. Nós já mostrámos, todos os que aqui estamos, que não o queremos fazer.

Toda a evolução, toda a transformação é baseada nas conquistas anteriores do homem. Nós temos o dever de aproveitar tudo aquilo que é o esforço do nosso povo, tudo aquilo que ele construiu em oito séculos de história e, baseados nisso, construir um mundo melhor para os portugueses. É isso que nós pretendemos.

Nós temos de estar atentos à defesa das conquistas que alcançamos. Estamos ou não estamos dispostos a defender, com unhas e dentes, uma reforma agrária, as nacionalizações, os direitos sindicais, as liberdades individuais?

Tudo isso está neste momento, ameaçado pela onda de violência que grassa no País. Temos de ter a consciência disso. Isso não é uma visão pessimista.

Neste momento em que estamos em paz e em que temos consciência dos perigos que estamos vivendo mais do que nunca

nos devemos unir. Por isso, saúdo, veementemente e com grande alegria, a constituição desta frente de unidade popular.

Esta frente deve ser aberta a todas as forças democráticas e patrióticas (...) Estais aqui ligados uns aos outros, diferentes partidos, mas unidos, porque a nossa revolução está em perigo, porque é preciso defendermos as conquistas, porque é preciso criarmos um Portugal novo. Esta frente deve estar aberta a todos os verdadeiros socialistas, a todos os homens que estão interessados em construir uma verdadeira democracia em Portugal. Essa democracia tem que ser forçosamente baseada nas forças populares. Só as forças populares avançam para a democracia.

Nesta unidade, nesta frente ampla cabem todos os verdadeiros portugueses, aqueles que estão interessados, de facto, em caminhar para a democracia e para o socialismo. Não deve haver sectarismos. Devem chamar acima de tudo o que vos une, o que nos une, e não o que nos divida. Neste momento, não pode haver sectarismos; tem de haver unidade.

Todos os verdadeiros socialistas devem entrar para esta frente. Ela está aberta a todos os portugueses. É neste sentido, que nós4 saudamos com alegria a constituição desta frente.

Esta frente é a que deve levar Portugal para os caminhos do futuro.

Nós temos, neste momento em que se fala tanto em programas, documentos que nos bastam para traçarmos o caminho ‘ do nosso futuro. Um deles é o documento elaborado pelo Copcon. Outro documento é o que se intitula «Defender a Revolução», elaborado pelo V Governo Provisório.

Esses dois documentos poderão amplamente servir de base ao caminho que deveremos traçar para o futuro. Eles apontam uma via socialista, mas são documentos realistas. Lá se vê bem o problema das vanguardas revolucionárias, o problema dos seus aliados, o problema dos blocos sociais de apoio. Lá se vê bem que nós desejamos ir ao encontro dos interesses de todos os portugueses, não só das classes trabalhadoras como dos nossos agricultores, como dos nossos comerciantes, como dos nossos intelectuais e dos quadros.

Esses documentos, basta lê-los, lê-los bem, para se ver que são profundamente realistas, honestos que honram as pessoas que os elaboram. Não são documentos demagógicos, não são documentos que deitem poeira para os olhos dos portugueses.

Esses documentos têm também em atenção essa importantíssima decisão da Assembleia do M.F.A. que foi a aprovação na generalidade do «documento-guia» das relações entre o povo e o M.F.A.

Esse «documento-guia» aponta os caminhos do futuro; aponta os caminhos do acesso progressivo das massas trabalhadoras ao Poder. Esse caminho é o nosso guia para o futuro. E ele tem de ser tomado profundamente a sério, com toda a gravidade do passo que representa. Não foi uma leviandade do M.F.A. ao apoiá-lo. Nada disso.

Esse documento é tão grave que, a partir dele, se desencadearam forças, reacções que põem hoje em perigo a nossa Revolução.

Pois bem, há matéria suficiente para sobre ela nos debruçarmos e elaborarmos as nossas ideias. Mas hoje mais do que nunca — e como sempre — a construção do futuro faz-se com o trabalho. É o trabalho humano que constrói o futuro. E vós sois os lídimos representantes, vós sois os trabalhadores. Sois vós que deveis construir o nosso futuro.

Com base na unidade que esta manifestação representa; com base nesta documentação que foi elaborada no sentido de construirmos uma pátria verdadeiramente democrática que conduza ao socialismo; com base na vossa unidade; com base na vigilância popular, que é, neste momento, mais importante do que antes; com base na consciência dos deveres que tendes para com a vossa pátria (...); com base nestes elementos todos, tendes de ter consciência de que está nas vossas mãos a defesa da Revolução Portuguesa. Sois vós que a deveis defender.

Ainda mais uma palavra: Nós preservamos, acima de tudo a unidade, em todos os campos e em todos os domínios da nossa sociedade, mas a unidade não se pode fazer contra os interesses do povo português. A unidade tem que se fazer à volta das conquistas, e na defesa dos caminhos do futuro que garantam, de facto, uma via para o socialismo.

Nós estamos vendo, com as demonstrações práticas do que se passa hoje na sociedade portuguesa, que não era uma mentira quando se dizia que, dado o nosso passado, dado que vivemos 50 anos de fascismo, nós só temos duas alternativas: ou uma via para o socialismo ou uma via para o fascismo.

Nós verificamos hoje na nossa sociedade que as actividades contra-revolucionárias conduzem a essa via para o fascismo. Essas actividades foram desenvolvidas em oposição ao Governo, e conduziram, imediatamente, à reacção e ao pré-fascismo, às actividades pré-fascistas como houve na Alemanha no tempo do semitismo (...). isso mostra bem os perigos que corremos.

Nós somos partidários da crítica, da autocrítica, da liberdade, mas não somos partidários da obscenidade e da libertinagem da Informação. A liberdade de imprensa serve para instruir o povo e não para o enganar. Deveis ter isso em presença. A liberdade deve ser para construir um novo homem e não para destruir o homem.

Por isso eu digo que é muito importante que tenhais presente que vivemos um momento muito grave da nossa Revolução. Está em jogo o futuro da nossa pátria. E se nós não queremos voltar aos caminhos sombrios do passado, teremos de lutar vigorosamente, quotidianamente, com o nosso trabalho, com a nossa palavra, com a nossa vigilância, pela defesa, pela consolidação das conquistas da nossa Revolução. Só assim conseguiremos vencer a gravíssima crise que atravessamos.»

Costa Gomes na mesma manifestação

«Confesso o meu reconhecimento por todas as manifestações que aqui se dirigem. É sempre uma prova de militância e de espírito de sacrifício ter connosco portugueses que passam horas de pé e palmilham quilómetros para demonstrarem a sua participação, individual e colectiva, no processo socializante em curso.

Por razões que conhecemos, o fenómeno do conservadorismo reaccionário vai-se avolumando no País. A minha interpretação sobre as causas profundas do fenómeno são já públicas.

Para todos quantos, com honesta e democrática intenção, se] opõem à reacção, vai a minha palavra amiga. Nesse sentido vos dirijo os meus agradecimentos.

Temos problemas muito graves a resolver, dos quais sublinho três: terminar a descolonização; vencer a batalha da produção; criar um clima de serenidade e de tolerância entre todos os portugueses.

Na descolonização, muitas coisas correram bem, mas algumas correram, infelizmente, mal. Teremos de amparar centenas de milhares de irmãos trabalhadores. Dos retornados, muito poucos foram exploradores (...) A quase totalidade são homens e mulheres de trabalho, tão explorados como todos os ultramarinos. Estes mereceram o nosso respeito, ajuda e apoio moral.

Outro aspecto em que o nosso processo socializante continua em grandes dificuldades é o da batalha da produção. Tem havido mais imaginação (...) do que na reorganização de um sistema produtivo de transição para o socialismo. Teremos de trabalhar mais e produzir melhor, ser mais eficazes a construir e a produzir.

Antes de terminar quero uma vez mais sublinhar que todos os portugueses se devem sentir irmãos tolerantes. Não se constrói nenhuma sociedade baseada no ódio e na vingança. Todas as ' sociedades, para serem perduráveis, têm de se basear na humanidade e no amor ao próximo.»

Costa Gomes prosseguiu apelando para a unidade «em torno dos responsáveis, uma unidade «voluntarista».

Referindo-se, por fim, à Frente Unida da Revolução, afirmou que ela «é um primeiro passo importante, mas só tomara dimensão nacional numa plataforma em que se incluam todas as outras forças políticas».

Esta foi talvez a afirmação que recebeu da multidão mais assobios. Os manifestantes gritavam então «Vasco, Vasco» e «socialismo», «Abaixo a social-democracia» e outras palavras de ordem, pelo que o Presidente terminou dizendo que «ninguém quer sociais-democracias, mas o socialismo».

continua>>>
Inclusão 19/05/2019