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No dia 25 de Abril, estava em casa, veio uma moça amiga a dizer «há para aí uma grande confusão, está tudo cheio de tropa...» Ligámos o rádio, estava a dar o comunicado do Movimento das Forças Armadas, depois música do Zeca Afonso. Eu disse: «Eh pá, mas isto são mesmo forças rebeldes! Vamos já para Peniche, para se soltar aqueles gajos.» Ao menos que se aproveitasse isso...
Estivemos em Peniche dois dias. A mobilizar os pescadores e o povo da vila, que se mantiveram ali a pé firme, a gritar “os presos cá p’ra fora, os guardas lá p’ra dentro”. A malta fez para lá uma confusão bestial... Os soldados a apontarem as espingardas aos GNR lá para cima, e os GNR lixados, mas não se rendiam. Acabámos por conseguir sacar os últimos camaradas já na madrugada de dia 27.
Quando foi o 1º de Maio, juntámo-nos ao cortejo dos m-l que apareceram lá... A Voz do Povo começa logo a seguir, mas eu só entrei mais tarde para a redacção. Primeiro, puseram-me a fazer contactos. Andava de mala aviada para Santarém, para Évora, para a Margem Sul, para o Carregado. A espalhar comunicados dos VAF e a tratar da unificação dos grupos.
No 28 de Setembro, fomos todos juntos, com o carro cheio de tubos de borracha e coisas de ferro, para o caso de haver porrada, e estive nas brigadas da Ponte 25 de Abril.
No 11 de Março tínhamos ido a Setúbal acompanhar o funeral de um camarada morto pela polícia. Era um rapaz algarvio e o corpo ia para o Sul... No regresso a Lisboa, um taxista diz-nos: «Há uma grande confusão no Ralis, anda para lá tudo aos tiros.» Fomos a correr fazer um comunicado. Depois fomos em manifestação até ao Ralis. Houve um soldado que fez um discurso empolgante, mesmo de esquerda: «Nos quartéis têm de ser os soldados a mandar!» Estava muita gente, tudo de grupos m-1, no fim acabou por se misturar tudo. Dali, fomos espatifar a casa do Spínola. Apareceu lá um gajo a dizer que estávamos a cometer uma ilegalidade, que ia chamar a polícia. «Então chama a polícia!», dizíamos nós.
Mais tarde, no “Verão quente”, é que já estava na Voz do Povo. Na redacção era um corrupio, com gente sempre a ir buscar jornais, o jornal tinha mesmo influência. A primeira sede foi numa ruazinha ali para a Graça. Eu era chefe de redacção, a tempo inteiro, não havia tempo para mais nada. O meu trabalho era principalmente escrever os editoriais, os artigos da política, mas colaborei em algumas reportagens, como da greve da Mocar. Lembro-me também de irmos a uma cooperativa do Torrão. Um camarada nosso, do secretariado da cooperativa, tinha sido preso pela GNR — não me lembro da causa, mas a GNR andava ansiosa por criar conflito. O jornal foi lá para dar apoio e organizámos logo uma concentração junto ao posto da GNR. Os gajos não ousaram dispersar: era muita muita gente, umas 200 pessoas, especialmente mulheres. No dia seguinte o homem foi libertado.
No 20 de Agosto, no caminho para S. Bento, apareceram os chaimites do Dinis de Almeida. Primeiro houve um certo burburinho — “e se vêm para nos metralhar?” —, depois a malta trepou para os chaimites e andámos pela cidade, numa demonstração de força. O propósito era defender o Documento do Copcon, como alternativa ao Documento dos Nove e ao da Quinta Divisão.
O poder parecia tão próximo... mas faltava-nos tudo. Já nas vésperas do 25 de Novembro, quando das barricadas dos fachos, em Rio Maior, andámos por aí à noite, pelos quartéis todos, a tentar contactos. Mas a dificuldade que era para conseguir chegar à fala com o soldado tal... E não se conseguiu arma nenhuma.
Na noite do 25 de Novembro decidimos ir para o Ralis, porque se dizia que era a unidade que ainda não se tinha rendido. íamos ver qual era a situação, oferecer-lhes os nossos préstimos. Logo ao sair da sede da UDP, a tropa da Academia Militar manda-nos parar. Eu e outro estávamos indocumentados. Fomos dentro, passámos a noite no Governo Civil. No dia seguinte de manhã foi lá o deputado da UDP levar-nos os bilhetes de identidade para nos porem na rua.
Começámos então A Voz do Nosso Povo, o jornal clandestino para furar o bloqueio informativo durante o estado de sítio. Tinha o mesmo cabeçalho e era uma folhinha, quatro páginas, às vezes só duas, para denunciar o golpe que tinha havido, a alertar que não podíamos deixar calar a voz do povo. Fazíamos uns milhares largos, a stencil, que oferecíamos ou vendíamos por cinco tostões. Houve camaradas que foram presos a vendê-la.
★★★
“É através do ouro trabalhado e falsamente contrastado, muitas vezes com conivência da própria Casa da Moeda, cujo administrador é Almeida Ricardo, saneado pelos trabalhadores da Messa, que se realizam hoje as maiores especulações financeiras e fugas de divisas. O sindicato tem fornecido aos diversos organismos de Estado dados concretos para que se actue contra os especuladores, porém esses esforços de nada têm servido”.
(Declaração em conferência de imprensa do Sindicato dos Ourives, Setembro de 1975)
Inclusão | 23/11/2018 |