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Perante a autêntica explosão popular que veio a seguir ao 25 de Abril, vários grupos da extrema-esquerda continuaram de pé atrás, receosos de uma reviravolta de direita. O grupo a que eu pertencia, o CMLP, publicou, no dia imediato ao 25 de Abril, um comunicado dizendo que estávamos perante um golpe de Estado burguês, que os militantes deviam permanecer na clandestinidade, que a nossa luta era pela ditadura do proletariado, etc. Esse grupo, em particular, foi de um irrealismo indescritível: até princípios de 1975 manteve-se numa espécie de clandestinidade absurda, até que se deu uma rebelião interna dos activistas e se iniciou a aproximação aos outros grupos.
Eu trabalhava então na Capital e tinha acompanhado o processo de constituição da Intersindical, assisti a diversas reuniões, tinha uma noção do que se passava. Fui de imediato eleito para a comissão de trabalhadores do jornal, depois reunimos as CTs da imprensa. Acompanhava o movimento por dentro e, praticamente desde a primeira grande reunião que houve no jornal para o saneamento de elementos implicados com o fascismo, começou a surgir, ainda antes do 28 de Setembro, a palavra de ordem da nacionalização, que veio a efectivar-se meses mais tarde.
À medida que a crise de poder se foi aprofundando, verificou-se que os grupos marxistas-leninistas estavam todos atrasados em termos de conhecimento da nova realidade. Nesta finisterra da Europa, a dualidade de poderes que se estava a desenhar não se poderia aguentar muito tempo. Mas os grupos reagiam au ralenti, não conseguiam acompanhar a passada nem dar respostas. Já nesse tempo, parecia-me evidente que, se a esquerda não encontrasse maneira de se adiantar ao ritmo dos acontecimentos, sobretudo a partir das manifestações de Agosto, deixava o campo aberto para a direita lançar o seu golpe.
Mas a extrema-esquerda nunca se desenvencilhou do obstáculo que representava o PC. O Medeiros Ferreira disse, num artigo, que a perspectiva terceiro-mundista da esquerda revolucionária no Verão de 75 tinha funcionado como um travão à tendência pró-Leste de alguns dirigentes portugueses da altura. O problema com o PC não era simples: por um lado, tinha profundas raízes populares e os seus militantes apareciam com ardor impulsivo, proveniente da resistência à ditadura, o que favorecia a sua aceitação junto das massas; mas, por outro lado, o PC era um defensor faccioso de uma cultura política de “campo socialista”, que se materializava num projecto de mudança social controlado através dum golpe de “esquerda”.
Depois, houve outro erro desastroso, em minha opinião: tanto a corrente do chamado “poder popular”, como a corrente hegemonizada pelo PC, que jogava na conquista dos sindicatos, autarquias, governo, etc., deixaram perder a ideia de que as medidas necessárias contra o grande capital deveriam seguir uma orientação graduada que evitasse rupturas súbitas de alianças com os sectores intermédios. Esqueceram-no e esse erro causou enormes prejuízos, provocou a suspeição e o retraimento dessas pessoas e facilitou a ofensiva reaccionária que culminou no 25 de Novembro.
Por essa altura, havia na esquerda revolucionária quem estivesse a trabalhar pela organização dos soldados. O movimento de soldados estava a irromper por todos os lados, formavam-se comissões, sentia-se que eles procuravam uma orientação independente. E essa poderia ser a única força dissuasora capaz de atalhar os golpes de Estado que se preparavam, tanto da direita como da “esquerda”. Quinze dias antes do 25 de Novembro, começou a trabalhar-se para formar uma coordenadora das comissões de soldados, visando subtraí-los à manipulação de toda a espécie de grupos, mas entretanto deu-se o golpe e tudo morreu.
O desenlace da crise poderia ter sido bem diferente se existisse uma direcção política coerente com uma alternativa global capaz de dirigir o país. Mas isso não foi possível, os grupos ainda andavam em conversações para se unir e foram apanhados com as calças na mão.
O 25 de Abril teve algumas deficiências, que na altura eram muito difíceis de corrigir. Os ataques que agora por aí se lançam à “vergonhosa descolonização” não passam de demagogia para desculpabilizar a política colonial. Para a esquerda, que andou dez anos a lutar sozinha contra as guerras coloniais, esse é um ponto de honra em que não tem que ceder. Enfim foi um grande movimento popular, o mais avançado da história de Portugal.
★★★
“Um bando armado libertou dois fascistas: Nuno Barbieri, filho do inspector da PIDE e um dos sabotadores das antenas de rádio de Porto Alto em 11 de Março, e Abílio Novo, ex-agente e soldado da GNR. Um grupo de cerca de uma dezena de civis atacou os sete polícias que escoltavam os fascistas desde Caxias até ao Hospital da Marinha, onde iam receber consulta médica. Apoiados por dois carros, sacaram de pistolas, encostaram os guardas a uma parede, desarmaram-nos e libertaram os presos”.
(República, 21/8/75)
“Vem à manifestação do PPD. O trânsito nas estradas é livre. Se os comunistas te impedirem de passar, passa por cima deles. Vem cedo para a cidade”.
(De um comunicado do PPD da Madeira, Agosto de 1975)
Inclusão | 23/11/2018 |