O Futuro Era Agora
O movimento popular do 25 de Abril
Os 580 dias - Depoimentos orais e citações

Edições Dinossauro


Fazer frente aos pcs não era pêra doce
José Paiva, assistente social, 42 anos


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Um dia, chego à fábrica, estava toda a gente a discutir — era o 25 de Abril. A organização a que eu estava ligado, a UCML, manteve-se ainda durante algum tempo na clandestinidade. Um pouco à revelia da minha organização, comecei a contactar o pessoal que conhecia: uns operários de uma fábrica na Avenida de França, outros de Ermesinde, e decidimos integrar-nos numa manifestação dos metalúrgicos, organizada pelo sindicato do Porto, cuja direcção era dominada pelo PCP desde 71. O objectivo da manifestação era tomar a delegação do Ministério do Trabalho e transformá-la na sede da secção do Porto do Sindicato dos Metalúrgicos. Levávamos umas faixas a dizer “Viva a classe operária, abaixo o capitalismo” mas fomos logo cercados por gajos do PC que me diziam “aqui não tens oportunidade, estás isolado, esquerdista!”.

Apesar de o Álvaro Cunhal ter entrado para o primeiro governo, não tínhamos segurança nenhuma, tanto mais que víamos os pcs a reprimir os maoístas e a dizerem que quem fazia greve era reaccionário. Num plenário do Sindicato dos Metalúrgicos, eles perguntaram a uma assembleia de cerca de 15 mil operários se queriam os 6 contos de salário mínimo e as quarenta horas semanais reivindicadas pelos maoístas, ou os 4.500$ e a liberdade. Gerou-se uma grande confusão, com os grupos de ordem do PC a isolarem o pessoal ligado ao Grito do Povo, à Sepsa, Efacec e Mabor. Na Baixa, gritava cada um para seu lado. Nós, “contra o imperialismo e o social-imperialismo”. Os do Avante, “abaixo os agentes da CIA, os maoístas” e por aí fora. As relações com os do PC não eram pêra doce.

Aqui, no Porto, tivemos durante os primeiros meses um tipo de intervenção social criativo que depois se perdeu. Como éramos estudantes, vimos que o mais indicado seria fazer trabalho cultural com a juventude operária. Ensinávamos jovens operários a fazer contas, fazíamos exposições sobre as ocupações de casas, etc.

Havia um grande sectarismo entre os grupos esquerdistas, mas desaparecia sempre que se envolviam em grandes acções de massas. Nessas alturas ultrapassavam-se os limites dos grupos e criava-se uma relação de confiança entre pessoas de grupos diversos. Recordo a manifestação de 25 de Janeiro, que foi carregada pela polícia e pela GNR a cavalo, em que obrigámos os gajos do CDS a estarem fechados todo o dia dentro do Palácio de Cristal. Eu fui à pressa a Ermesinde fazer um comunicado conjunto da minha organização com o Grito do Povo. Também no 11 de Março houve grande colaboração entre os grupos.

Recentemente, uns jovens autónomos e estudantes da Soares dos Reis ocuparam uma casa aqui no Porto, para fazerem actividades sociais. Ficaram surpreendidos quando lhes disse que há 20 anos bairros inteiros tinham sido ocupados. Julgavam-se pioneiros deste tipo de acções no nosso país. Temos que impedir esta perda da memória.

★★★

O que falta são leis revolucionárias que obriguem os patrões a funcionar ou então a fábrica passaria para o Estado sob a direcção dos seus operários. É este objectivo por que os operários e o povo têm de lutar. Isto é que se chama lutar pelo socialismo. Mas, na ausência destas leis, os operários vão cruzar os braços? A experiência de um ano e pico de luta de todo o povo indica o caminho: vamos para a frente, a lei somos nós que a fazemos. Legalidade popular”.

(Comissão de Trabalhadores da Fábrica de Botões, Porto, Junho 1975)

continua>>>


Inclusão 23/11/2018