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O 25 de Abril apanhou-me na clandestinidade, em Loures. Eu militava nos CCR e, para não ser preso, havia quase dois anos que andava com nome falso, a saltar de casa em casa. Por azar, nessa altura tinha perdido os contactos. Apesar das notícias na rádio, achei mais prudente não aparecer de imediato. O golpe militar era há muito esperado, mas nada nos garantia que não redundasse a breve prazo num novo fôlego da ditadura. Só quando soube da manifestação do 1º de Maio é que não tive mais dúvida que se estava a dar uma grande reviravolta.
Entrei logo nos contactos entre os grupos marxistas-leninistas, com vista à formação dum novo partido comunista, revolucionário, porque sabíamos que aí estava a grande desvantagem da esquerda. Não tínhamos dúvida de que o PCP iria fazer malograr as potencialidades da queda do fascismo. A unificação dos grupos não foi fácil; as desconfianças eram grandes e foi só a força do movimento de massas que a tornou inevitável. Sobretudo a seguir ao 28 de Setembro, as ocupações de casas, a formação dos Grupos de Vigilância Antifascista e a criação da Voz do Povo contribuíram muito para derrubar as barreiras e pôr os militantes a trabalhar juntos. Em fins de 74, formou-se a UDP e a minha actividade passou a centrar-se aí, primeiro em Lisboa, mais tarde no Porto e, já depois do 25 de Novembro, em Trás-os-Montes.
Valerá a pena analisar um dia as ambiguidades dessa frente que tinha o emblema da foice e do martelo, acabando por criar uma grande confusão entre partido comunista e frente popular. Por outro lado, a implantação inicial dos marxistas-leninistas, muito mais nos bairros do que nas empresas, e a “vocação” que daí lhes veio para chefiarem o movimento de ocupações de casas deixou marcas em toda a sua actividade posterior, uma certa marginalidade em relação à corrente principal. As ocupações de terras, os saneamentos, as comissões e plenários de trabalhadores — esses é que foram sem dúvida os pontos mais avançados do movimento operário, com tal peso que caíam governos por se lhes tentarem opor. Ora, aí, a hegemonia coube sempre ao PCP.
Não esqueço que os grupos foram adquirindo posições fortes em algumas das maiores empresas. Com a grande manifestação da Lisnave, em Agosto de 74 e com a manifestação de 7 de Fevereiro [de 75], da comissão Inter-empresas, denunciada pelo PCP como “manobra da CIA”, os marxistas-leninistas começaram mesmo a minar a influência do PC em certos sectores operários e a marcar pontos na luta para arrancar a vanguarda operária à influência reformista. Do mesmo modo, no Alentejo começava a dar-se uma lenta penetração das nossas palavras de ordem. Mas os grupos nunca ganharam raízes no movimento sindical; a pouca intervenção que fizeram era muito sectária e, devido a isso, a sua influência ficou sempre muito fragilizada. Isso explica o esboroar tão rápido da corrente marxista-leninista depois do 25 de Novembro, quando a contra-revolução começou a ganhar terreno. Foi, claro, consequência da crise internacional desta corrente (o afundamento da China e da Albânia) mas foi também, e muito, devido à debilidade das suas raízes na classe operária e em particular nos sindicatos.
De qualquer modo, é altura de sublinhar que, com as manifestações conduzidas pelos revolucionários, pela primeira vez se exprimiram em Portugal, com amplitude de massa, posições frontalmente anti-imperialistas, anti-NATO, anti-americanas. Neste aspecto, a corrente marxista-leninista fez uma ruptura histórica com a prática vacilante, ambígua e conciliatória do PCP. O assalto à embaixada de Espanha, ainda hoje condenado por todas as forças políticas como acto de “aventureirismo” e “provocatório”, foi uma grande acção de solidariedade internacional.
Mas nesta como noutras acções avançadas, não podemos esquecer que a polícia não interveio porque o COPCON não o permitia. Grande parte da audácia do movimento popular vinha de as pessoas saberem que tinham um “guarda-chuva” que as protegia da repressão e nunca terem que encarar a necessidade de se preparar para uma luta frontal, violenta. Se o inimigo, em vez de ser quase invisível, tivesse aparecido e se tivessem travado combates parcelares, etapa a etapa, talvez os trabalhadores não tivessem ficado paralisados, como ficaram, perante o golpe de 25 de Novembro. Isto quer dizer que o COPCON, apoiando as acções populares, retirou-lhes sempre o protagonismo, pôs os fascistas e pides ao abrigo do castigo dos trabalhadores e evitou que estes atingissem a maioridade política.
Para se legitimar o 25 de Novembro, invoca-se habitualmente a necessidade de atalhar um “golpe de esquerda” que estaria em marcha. Pura mentira. No que respeita ao PCP, a revolução estava inteiramente fora da sua estratégia, embora não pudesse dizê-lo na cara dos trabalhadores; pretendia somente estabilizar uma democracia burguesa que lhe garantisse um lugar confortável nas instituições. A chamada “esquerda militar” não sabia o que fazer. E a extrema-esquerda estava muito longe de poder constituir-se num autêntico partido operário e revolucionário.
Só o prolongamento da crise de poder teria permitido que o movimento de massas viesse a produzir um pólo revolucionário. As forças burguesas compreenderam-no. Direita, PS, “moderados” e salazaristas viram que havia um perigo iminente de o poder “cair na rua” e não hesitaram em aliar-se. A figura de proa foi o Ramalho Eanes, mas o golpe foi do Jaime Neves e dos bombistas, com o beneplácito do Mário Soares.
★★★
“O PCP não organizou, não participou e não apoiou as manifestações contra o congresso do CDS”.
(Organização Regional do Norte do PCP)
“O boicote ao comício do CDS foi obra de grupos radicais desligados do processo da luta de classes (...). Esses manifestantes substituíram a análise da situação de classes e da relação de forças pela heroicidade aventureirista”.
(Comunicado do MES)
Inclusão | 23/11/2018 |