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A minha acção no 25 de Abril deu-se no seio do colectivo Combate (do jornal do mesmo nome). A experiência deste colectivo, que nunca quis ser uma organização, está hoje soterrada, tanto quanto o está a experiência do movimento autonômico dos trabalhadores, cujas realizações práticas e teóricas tiveram lugar entre Abril de 74 e Novembro de 75. Foi formado, na Primavera de 1974, por ex-militantes de organizações marxistas-leninistas que já antes haviam posto em causa o leninismo e se encontravam num processo de reflexão aberto a tudo quanto fora ocorrendo, desde meados dos anos 60, no capitalismo e nas lutas sociais que nele têm origem. As suas posições políticas aproximavam-nos dos anarquistas, sem no entanto se definirem como tais. Rejeitavam, em todo o caso, qualquer organização política centralizadora e dirigente que se substituísse aos órgãos directamente forjados na luta de classe, sustentando que o mais importante consistia em apoiar o protagonismo social proletário na ruptura que ia desfazendo as instituições normalizadoras do capitalismo e, nesse processo, criando outras, a ele antagónicas - no caso, as Comissões de Trabalhadores e de Moradores. O jornal Combate (que retomou o lema “a libertação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores”) tornou-se assim, desde o início e espontaneamente, porta-voz do movimento autonómico, não com quaisquer pretensões a “dirigir” esse movimento proletário, mas no sentido em que dava uma expressão sistemática e mais alargada aos comunicados, análises e formulações emanados das comissões de trabalhadores e de moradores.
Recusando liminarmente o papel de especialista político, de “condutor de massas”, o colectivo Combate (que abrira duas livrarias, uma no Porto e outra em Lisboa, e editava opúsculos de análise, nomeadamente sobre a situação económica) era entretanto, no contexto da época, uma iniciativa minoritária. A sua actividade, ao mesmo tempo que se mostrava popular, por se integrar na alargada tendência apartidária, era manifestamente impopular junto das organizações de esquerda e extrema-esquerda, na medida em que nelas criticava o que já eram ou o que poderiam vir a ser: meios não dinamizadores da auto-organização política da classe proletária, ou até obviamente impeditivos desse autogoverno em gestação.
O que de mais importante e decisivo ocorreu nesse curto período de menos de dois anos que designamos pelo nome de 25 de Abril foi a emergência das classes trabalhadoras no protagonismo da luta de classes e a respectiva constituição de facto de um movimento social proletário não controlável pelos partidos políticos e que pôde pôr em causa os próprios fundamentos do capitalismo; que não se limitou a uma acção antifascista, atacando as bases mesmas da exploração do trabalho, fazendo-o com frequência através duma formulação ideológica que não deixava margem para dúvidas.
Foi aquele movimento autónomo de classe que alertou as classes capitalistas internacionalmente e as mobilizou com vista ao bloqueio da “experiência portuguesa”; foi ele, também, e por razões opostas, que tão grande interesse suscitou junto dos trabalhadores de muitos outros países, em particular na Europa, incluindo a de Leste. E é este movimento que, bem entendido, hoje ficará silenciado no chorrilho interminável que há-de irromper dos aparelhos ideológicos de Estado a propósito dessa data fatídica na história social portuguesa. Porque o discurso do capitalismo em Portugal, após ter sido eliminada a irrupção das classes de baixo na direcção histórica, pôde entretanto tornar-se, sob a adequada capa democrática, claramente mais despótico, assente agora num consenso que faz da alienação do trabalho uma virtude, e podendo proclamar urbi et orbi, através do leque mediático em que se apoia e das crendices que pôde promover, este notabilíssimo axioma de guerra: a moderna democracia (heterónimo do velho capitalismo renovado) é mesmo o único sistema que.
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“Tínhamos aqui uma mestra até 15 de Maio, era carrasca para nós, má, chamava-nos muitos nomes e nós, claro, viva o 25 de Abril e pusemo-la fora. Os patrões queriam que ela ficasse. A gente não quis. De maneira que desde ai começou: nós vimos que era injusto e parámos. Dá-se o caso de no dia em que a gente parou, nós chegámos, estavam quatro polícias aqui à porta e tudo fechado. De maneira que fomos às Forças Armadas, fomos ao sindicato e estivemos a expor o nosso caso até que se resolvesse.
Durante a greve ficámos de noite aqui a dormir no chão, enquanto os patrões estavam lá em cima, que nós também não os deixávamos sair. Nós ficámos aqui a dormir nestas pedras mas eles ficaram prisioneiros três dias, sem comer. Ou nos davam as chaves, ou então morriam de fome”.
(de uma entrevista às operárias da Texmalhas, Porto, no semanário Combate, 13/9/74)
Inclusão | 23/11/2018 |