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A 25 de Novembro houve um golpe da direita, com um compromisso de não interferência por parte das forças reformistas, que simultaneamente forneceram um pretexto à direta para actuar. Como resultado desejado por ambas as partes dá-se o desmantelamento da esquerda revolucionária militar. Daí em diante a direita galga terreno, lidera todo o processo e caminha rapidamente para formas fascizantes.
O golpe da direita vinha a ser preparado de longa data e existia há meses o comando militar que dirigiu as operações. Insere-se aliás num plano mais global das forças que concertadamente procuram impedir a tomada do poder pelos trabalhadores. Nesse aspecto, o episódio de Tancos e as tomadas de posição nas assembleias de armas são a primeira parte de uma caminhada rápida da reacção de maneira a congregar todas as forças militares conservadoras ou claramente de direita. Podemos dizer que em Maio era possível congregar os militares chamados «operacionais» à volta de ideias programáticas revolucionárias e que em Agosto isso já não era possível, mercê de um trabalho da direita extremamente eficaz e mercê da política governamental reformista, baseada na conciliação de classes do ponto de vista económico e no autoritarismo e no sectarismo do ponto de vista de informação e organização social.
As forças conspiradores da direita levaram a cabo um trabalho de sapa no seio das F.A. de modo a mobilizar para a direita o máximo de oficiais, na base de motivos fáceis de explorar: a antipatia em relação ao PC, as rivalidades pessoais, os privilégios de casta e até as rivalidades de armas. Feito este trabalho de sapa, o «Documento dos Nove» foi o termómetro para avaliar os resultados.
É paralelamente a este trabalho político dentro das F.A. que começa a haver um outro trabalho de conspiração, tendente a organizar um golpe de direita.
Mas este golpe nunca teria sido vitorioso (dado o estado das unidades militares) se não tivesse havido um compromisso prévio do reformismo, garantindo a neutralidade de certas unidades.
É natural que os soldados dos Comandos da Amadora, ou mesmo o Comando, pensem que foram eles que ganharam esta batalha... mas não foram. Esta batalha foi ganha anteriormente e num lugar diferente dos quartéis à mesa das conversações. A ninguém pode passar pela cabeça que uma só unidade, mesmo bem treinada pode conquistar uma cidade, para não dizer um país. Seria louco pela parte da direita fazê-lo, se não tivesse garantias prévias. A neutralidade dos Fuzileiros e da restante Marinha, a rendição do comando do Ralis, foram os dados necessários e suficientes para o triunfo do golpe da direita.
Mas houve mais: tal como no 11 de Março a direcção reformista tinha conhecimento de uma conspiração de direita e foi capaz de a despoletar e fazer antecipar para, na vitória sobre a direita, ganhar lugares e trunfos, também no 25 de Novembro, ao inverso, o aparelho policial da direita tinha conhecimento de determinadas acções que o reformismo podia desencadear e foi capaz de as desencadear, para assim ter um pretexto, de modo a apresentar o golpe como um contra-golpe.
Mas como o que interessava à direita era liquidar a esquerda revolucionária militar e as unidades com essa orientação, a versão oficial foi a de que os «aventureiros» da esquerda revolucionária tinham feito um golpe e os «democratas» se viram obrigados a «dominar essa sublevação». Idêntica é a interpretação do Secretário-Geral do PCP no seu discurso do Campo Pequeno, onde fala nos «oficiais sublevados» referindo-se aos primeiros e nos «oficiais que dominaram a sublevação» referindo-se aos segundos. E tanto na versão oficial, como na versão deste Secretário Geral chovem as designações de «aventureiristas» e «putchistas: em relação aos revolucionários.
Foi, portanto, montada um: grande provocação que nós temos comparado ao incêndio de Reichstag — assim provocaram os nazi um incêndio no Reichstag, em Berlim para depois acusarem os judeus e os comunistas e justificarem a repressão.
A esquerda revolucionária não tem portanto nada a ver com toda esta engrenagem que tem muito mais de policial do que militar, mas que proporcionou uma vitória militar de direita. Não pode haver nenhuma prova, nenhum documento de que a esquerda revolucionária militar ou civil, estivesse envolvida nestas várias conspirações! É de resto ridículo falar em golpe de esquerda, quando é claro e evidente que não havia comando militar de esquerda. E também é claro e evidente que havia um comando de direita, solidamente constituído e que operou com a maturidade de uma organização constituída há muito. O golpe de direita do 25 assenta aliás como uma luva no «plano dos coronéis» de há muito conhecido. A hipocrisia e a desvergonha com que depois se fala de golpe de esquerda lembra bem as «desculpas» salazaristas e caetanisas quando as «forças da ordem» se «viam obrigadas» a reprimir. Quanto ao papel que a esquerda revolucionária teve nos acontecimentos, é o papel que diz respeito a uma resposta a um golpe de direita. Pelo nosso lado estivemos sempre em cima dos acontecimentos e procurámos dar-lhe uma resposta de massas. Já na madrugada de 24 para 25 e em consequência das várias acções da direita — barragens na região de Rio Maior, explosão do Emissor Regional de Chaves, ameaça do corte de abastecimento de luz a Lisboa — prenunciadores de uma acção concertada da direita — fizemos um comunicado conjunto com outra organização da FUR, apelando à concentração nos locais de trabalho e apelando à resposta das massas aos actos da direita. Nos dias que se seguiram podemos dizer que fizemos efectivamente um esforço no sentido de mobilizar os trabalhadores e dos resultados disso houve demonstrações evidentes por todo o país, desde Viana do Castelo a Faro, passando por Marinha Grande, Setúbal, etc., onde realmente os trabalhadores sabem que estivemos na vanguarda da mobilização. É verdade que por quase todo o país esta mobilização foi contrariada, combatida ou mesmo denunciada pelas direcções locais do PC, que em todo o lado mandava os militantes para casa. — Mas é obrigatório analisar o porquê deste comportamento do PC durante os acontecimentos do 25 de Novembro. Há que compreender Quais as implicações da direcção reformista nesse gravíssimo momento. E há que, friamente, perceber quais as razões daquilo a que se passou a chamar «traição reformista».
É curioso que a social-democracia tem interpretado publicamente aquilo a que se chama «traição reformista», dizendo que a esquerda revolucionária acusa o toque do recuo do PC, como se esse partido e a esquerda revolucionária andassem metidos juntos nalgum «complot» e que ele «traísse» a combinata. Não é isto. Nem tão pouco quando se fala em traição nos referimos a essa coisa vergonhosa que é a desmobilização geral a que o PC tentou levar os seus militantes e os trabalhadores em geral durante os dias que rodearam os acontecimentos do 25 de Novembro. Isso é reformista, não é revolucionário, mas ainda não é aquilo a que chamamos «traição»! A traição consiste em qualquer coisa anterior ao golpe de direita e com ele coincidente e que permite que este seja vitorioso. Claro que poderá parecer extremamente simplista e fantasmagórico dizer que o reformismo estava feito com a direita e que andaram os dois de braço dado a liquidar a esquerda revolucionária... O problema é mais complexo e teremos que ver porque é que isso acontece. Há que pensar também que o PC português não tem, não pode ter, uma táctica isolada e independente da política internacional dos PC's tradicionais e dos países do Pacto de Varsóvia. Portugal constituía, na situação em que estava, um problema grave e difícil de digerir tanto para o imperialismo americano, como para o bloco soviético. Abriam-se aqui largas perspectivas de levar a cabo uma revolução socialista que, pelas características de Portugal e pela sua situação geográfica, significaria um grande salto em frente no movimento operário à escala mundial e, decerto, uma profunda alteração na relação de forças na Europa e no mundo. A ligação privilegiada deste país a alguns países do Terceiro Mundo seria uma das características da política revolucionária aqui. É também claro que a presença na Europa dum país socialista revolucionário seria uma faísca que iria contagiar constantemente os restantes países capitalistas europeus. E é evidente que sendo a Revolução Socialista feita pela via insurreccional (e não havia outra possível nos últimos meses), o poder de transição seria um poder revolucionário e os trabalhadores (com os seus órgãos de poder eleitos) teriam largo acesso ao mando administrativo e militar. Enfim, os trabalhadores teriam armas... Todo este conjunto de características, muito desejáveis para um partido revolucionário, são matéria totalmente a rejeitar por qualquer partido reformista, neste caso o PC. A direcção deste partido tinha a certeza que em caso de insurreição perderia totalmente o controlo dos trabalhadores e do poder. Que correria a breve trecho para o seu desaparecimento como partido, para o seu suicídio.
Impossibilitado de ter o poder só para si ou de sustentar qualquer espécie de poder militar como pretendeu sustentar entre o 11 de Março e as eleições (e que a prática lhe demonstrou que era insustentável), o PC teve que escolher entre dois males: ou a insurreição armada ou a negociação com a social-democracia e a direita. Rejeitada a primeira hipótese, porque ela representava a sua destruição como partido e uma alteração na geografia política europeia, que fugia aos quadros do reformismo, tinha que enveredar pela segunda. Do mal o menos... Esta segunda hipótese possibilita a sua continuação como partido, e mais do que isso, como partido do poder. À boa maneira reformista, encontra-se uma táctica em que se sabe perder alguma coisa para não perder tudo. Claro que esta política não é decidida simplesmente na cabeça de uns senhores de Lisboa, mas passou pela Conferência de Helsínquia e pelas conversações internacionais, acerca das quais os trabalhadores portugueses (verdadeiros agentes do processo e vítimas das maquinações) nada sabem. Há portanto uma política de conciliação e colaboração de classes que ultrapassa em muito a cena política portuguesa. Os trabalhadores portugueses, os revolucionários políticos e militares, foram jogados como peões, neste mundo de armas nucleares e de manobras diplomáticas, que já não tem nada a ver com o mundo que Marx ou Lenine conheceram. Mas que, apesar de tudo isso, oferece incomparavelmente mais possibilidades para a revolução socialista do que as que existiam para a Rússia de 1917, isolada no seio do mundo imperialista.
Era portanto fácil supor que à direcção do PC tentaria por todos os meios evitar a insurreição (e contámos sempre com isso), mas era difícil imaginar que a traição revestisse as formas que revestiu. A direcção do partido reformista empenhou-se na política das negociações, das «diligências», como eles dizem, e por fim quis apenas marcar uma posição de força, para negociar. Como todos os oportunistas perdeu mais do que aquilo que supunha. A direita esperava apenas um bom pretexto para galgar sobre o PC e mesmo sobre os «nove» que foram rapidamente ultrapassados.
Se formos ver militarmente em que pontos é que se situou a traição reformista, encontraremos o seu reflexo ao nível das forças por ela inteiramente influenciadas, que foram os comandos da Marinha e um ou outro caso chave do Exército. E todos sabemos que a neutralidade da Marinha (que assim desamparou os pára-quedistas a quem tinham sido feitas outras promessas) foi decidida a alto nível dos seus responsáveis, contrariando os marinheiros e fuzileiros, tanto de Vale de Zebre, como do Alfeite, como de Vila Franca e contrariando as decisões dos próprios órgãos do MFA da Marinha.
Por fim e para culminar, a direcção do PC interpreta o golpe aceitando a versão oficial e o seu secretário-geral faz o discurso do Campo Pequeno falando nos «oficiais sublevados» (os da esquerda) e nos que «dominam a sublevação» (os da direita) e chamando aos primeiros «aventureiristas», «putchistas», «impacientes», etc. e convida uns e outros à conciliação.
Enfim, consuma-se o acto. Sacrificam-se cinicamente os militares revolucionários, sacrificam-se alguns militares reformistas e depois organizaram à boa velha maneira umas comissões de solidariedade com os presos (matam e fazem o enterro). E a vida continua.