Curso Básico da ORM-PO

Organização Revolucionária Marxista - Política Operária


Aula IX - O Desenvolvimento Econômico e Político do Capitalismo Brasileiro


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As lutas políticas que tem constituído a história brasileira nos últimos cem anos são determinadas, em última instância, pelas leis de desenvolvimento do modo de produção capitalista, como este se estruturou no país. Isso quer dizer que precisamos compreender as bases em que se organizou a economia brasileira para percebermos o significado real dos choques políticos, das revoluções, das lutas de classe, dos golpes militares.

O modo de produção em que se assenta a sociedade brasileira é hoje capitalista industrial, isto é, baseia-se na exploração do trabalho dos operários, na acumulação da mais-valia obtida dessa exploração. Mas dizer isso é muito pouco: é preciso acompanhar a forma particular de surgimento e evolução do capitalismo industrial no Brasil. Só assim compreenderemos os problemas concretos que ele hoje enfrenta, suas relações com os resíduos do passado colonial, o peso e o papel da exploração agrária.

Origens do capitalismo brasileiro

O processo de industrialização do país começou de fato no século XX, depois da libertação dos escravos, na última década do século XIX e a formação de pequenas oficinas e artesanatos independentes, em centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre.

O que caracteriza o surgimento desse capitalismo é que não teve de se impor contra uma sociedade feudal, ou os remanescentes desse feudalismo, como foi o caso de Europa. No Brasil as tentativas de transplantar as instituições feudais da Metrópole falharam desde o início, pois não correspondiam às relações sociais que estavam se criando na Colônia. O Brasil, do mesmo modo como o Sul dos Estados Unidos, foi criado pelo braço escravo e cresceu como fornecedor de matérias primas, primeiro para a Metrópole e depois diretamente para o mercado mundial.

A indústria surgiu assim no bojo de uma sociedade agrária e semicolonial. O que caracterizava a economia brasileira era a produção de mercadorias agrícolas — açúcar, algodão, café — para a venda no exterior. Não havia um mercado interno digno de nota. O que caracterizava a exploração do braço escravo é a pouca importância das cidades na vida econômica (a não ser como pontos de escoamento de bens produzidos no campo), a falta de uma classe média com um peso próprio e praticamente a não existência de um proletariado. Os artigos de luxo para a classe dominante e os artigos de consumo necessários à população eram em geral importados e o resto produzido pelos próprios latifundiários.

Com a abolição da escravatura, os capitais antes destinados à compra de escravos puderam circular em diversos negócios no próprio país, inclusive em atividades comerciais e industriais. Os grandes contingentes europeus que chegam a partir da abolição irão manter no país uma força de trabalho disponível para o surgimento de uma pequena indústria. Mas a pequena indústria era ainda apenas um ramo de uma economia basicamente agrário-exportadora. Boa parte das vezes as indústrias eram de propriedade dos mesmos homens que se dedicavam prioritariamente à agricultura — principalmente ao café: os capitais se dirigiam em maior quantidade para as indústrias nos anos em que as exportações agrícolas entravam em crise e voltavam a se concentrar na agricultura assim que mudava o mercado externo.

Quando caíam as exportações agrícolas a produção industrial interna podia progredir não só porque mais capitais eram investidos no setor, mas ainda porque diminuía a capacidade de importação do país. Desse modo ampliava-se um pouco o mercado para a indústria nacional. Com a guerra de 1914/18 e a posterior crise do capitalismo mundial, intensifica-se o processo de industrialização, justamente porque as grandes potências diminuem enormemente suas compras e vendas externas. Aumenta grandemente o número de indústrias de produtos acabados que substituem os produtos importados anteriormente. A indústria que assim se desenvolve mantém uma dupla dependência: do dinheiro acumulado na agricultura e das máquinas importadas dos países capitalistas avançados.

O movimento operário

Com o desenvolvimento da indústria, nasceu o movimento operário no Brasil. Sob a influência de imigrantes europeus e encontrando condições propícias surgiu um sindicalismo de orientação anarquista. O que caracterizava esse movimento era a luta direta contra o poder burguês, fundada na espontaneidade da classe operária a partir da luta econômica e da propaganda de um socialismo utópico, opondo-se à organização partidária e a toda luta política. O caráter semi-artesanal e a dispersão das pequenas indústrias dificultavam uma organização mais rígida da classe operária e favorecia as concepções anarquistas. A fraqueza da classe operária, que ainda não tinha conseguido fazer vingar suas reivindicações em forma de lei, facilitou a penetração das concepções antipolíticas e anti-partidárias dos anarquistas, que confiavam na ação espontânea das massas exploradas contra o Estado opressor. Quando o crescimento e as experiências acumuladas na luta de classe permitiram maior organização do proletariado brasileiro, as deficiências do espontaneísmo vieram à tona e a classe operária ensaiou os seus primeiros passos numa luta política mais consequente. Mas, entre a realização do primeiro Congresso Operário em 1906, que criou uma Central Sindical, e a greve geral de 1917, que paralisou a cidade de São Paulo, a burguesia brasileira enfrentou um movimento operário combativo. Esse período representa uma fase heróica das lutas do proletariado brasileiro. A greve de 1917 marca o auge e o início do declínio do anarquismo que chegou a um beco sem saída. Um novo caminho é tentado em 1922 com a fundação do Partido Comunista.

A revolução de 1930

Depois do impulso sofrido com a Primeira Guerra Mundial, o ritmo de industrialização diminuiu novamente e o processo de acumulação primitiva do capitalismo brasileiro encontrava novos obstáculos. Depois de se refazerem da guerra, as grandes potências industriais recomeçaram a colocar os seus produtos manufaturados no mercado brasileiro. O poder político — nas mãos exclusivamente do latifundiário exportador — se mostra completamente desinteressado em tomar medidas de fomento industrial. Não demora, porém, para que apareçam os sintomas que os dias do domínio das oligarquias latifundiárias estavam no fim. As suas bases econômicas começam a ruir. Vivendo em função do mercado mundial, a economia brasileira, predominantemente agrária, começa a sentir os primeiros efeitos de uma crise de superprodução agrícola em escala mundial e que atinge primeiro os chamados produtos de sobremesa. Começa e esboçar-se o problema da superprodução do café. Defendendo os interesses da sua classe, o governo compra toda saca de café que os fazendeiros não conseguem vender no exterior. Essas compras, para simples estocagem, uma subvenção aos latifundiários pela nação inteira, baixa o nível de vida. Pode-se dizer que todos os trabalhadores do país pagavam para que o governo comprasse sacas invendáveis de café. A partir de 1922 os estoques vão crescendo e, com isso, a crise econômica interna.

As consequências políticas não demoram a surgir em forma de movimentos de revolta. A pequena-burguesia urbana que cresceu junto com a concentração da população nas cidades depois da guerra, manifesta a sua oposição ao poder latifundiário que não lhe abre possibilidades de ascensão. Ela é representada principalmente pelos "tenentes". Em 1922 temos a revolta do Forte de Copacabana, em 24 a insurreição de Isidoro Dias Lopes, em São Paulo e no mesmo ano inicia-se a Coluna Prestes. São todos movimentos que exprimem um vago sentimento democratizante e antioligárquico da pequena-burguesia urbana. Na medida em que a crise vai se aguçando, a oposição vai se alargando com a participação da burguesia urbana e mesmo de facções do latifúndio. Em 1929 chega ao ponto culminante, pois o deflagrar da crise cíclica do capitalismo mundial fecha definitivamente todas as possibilidades de venda dos estoques que se acumulavam nos portos do país. A política econômica das oligarquias latifundiárias chega à bancarrota e mesmo parte da velha classe dominante se convence de que a economia latifundiária por si só não garante mais uma taxa de lucro capaz de sustentá-las. À testa de um movimento revolucionário, a Aliança Liberal chega ao poder em 1930.

A Revolução de 30 abre as portas ao domínio da burguesia industrial. Ela não desalojou de vez a velha oligarquia, nem destruiu suas bases econômicas; apenas forçara a participação da burguesia industrial no poder, compartilhando-o com o latifúndio. Neste sentido a Revolução de 30 foi uma REVOLUÇÃO BURGUESA e, ao mesmo tempo, uma revolução burguesa traída pela própria burguesia, temerária de levar o processo revolucionário longe demais, pois nas suas costas já se manifestara um proletariado com reivindicações próprias. Para levar essa revolução a um fim consequente a burguesia teria de se colocar à testa do movimento nas cidades, apelar para as massas exploradas do campo e destruir o domínio latifundiário pela raiz. Mas uma década após a primeira revolução proletária vitoriosa, a burguesia brasileira já não se arriscava mais a tanto. Ela preferiu entender-se com os poderes do passado. O novo poder, como saiu de revolução de 30, busca dar condições de desenvolvimento à indústria DENTRO DA COLIGAÇÃO COM O LATIFÚNDIO EXPLORADOR.

Foi essa a última vez que a burguesia brasileira apelou para medidas revolucionárias. Daí em diante, ela não se apoia em métodos revolucionários, ela se impõe na coligação de forças com o latifúndio somente na medida em que cresce o seu peso específico na economia do país; na medida da industrialização e da penetração do capitalismo no campo. Mas, embora a Revolução de 30 lhe tenha aberto as portas do governo, ela se mostra ainda incapaz para exercê-lo, em virtude das contradições existentes na aliança das classes dominantes. Esta iria ainda recorrer à ditadura bonapartista.

O Estado Novo

Os conflitos e contradições entre as velhas oligarquias, a nova burguesia, a pequena-burguesia (os tenentes) e o proletariado, estão na base das lutas políticas dos anos 30. Em 32 é derrotada a contrarrevolução do latifúndio paulista. Em 35 é esmagada a pequena-burguesia radical que se alia ao proletariado e se inicia a destruição sistemática das organizações deste.

Por outro lado, as consequências da crise mundial propiciam novas condições para a industrialização. Mais uma vez, diante da baixa dos preços dos produtos agrícolas, muitos latifundiários transferem seus investimentos para a indústria. Além disso, como resultado da própria crise capitalista, ficou mais fácil importar máquinas, já que muitas empresas estrangeiras faliam e se desfaziam do seu material a preços baixos. A burguesia deseja a paz interna, que lhe possibilite aproveitar a nova situação social e econômica criada em 30. Sua solução é um "governo forte".

Com o golpe do Estado Novo, em 1937, instala-se a ditadura bonapartista que corta a ameaça de um novo aprofundamento das lutas sociais iniciadas com a Revolução de 30. Enfrentando essa "ameaça comunista", a ditadura Vargas elimina todas as garantias constitucionais, instituições democrático-burguesas, partidos, etc., que são os próprios instrumentos do governo burguês. Mas a burguesia se satisfaz com uma DITADURA INDIRETA, já que esta é exercida ABERTAMENTE contra o proletariado. O Estado Novo reprime não só totalmente o sindicalismo livre, como persegue brutalmente qualquer oposição política do proletariado e da esquerda em geral. Impõe uma estrutura sindical em moldes fascistas, enquadrada no Estado (partes importantes dessa estrutura sobrevivem até hoje), ao mesmo tempo em que reconhece uma série de reivindicações do movimento operário (8 horas de trabalho, direito de férias, aposentadorias, etc.). Essa legislação trabalhista visa neutralizar as tradições de lutas revolucionárias do proletariado brasileiro e evitar que a nova geração dos operários, recém chegada do campo e sem experiência política, continue sustentando a bandeira de luta de classe. O ditador, cuja polícia política estabelecia um reino de terror inédito no país, que torturava e matava operários em greve, foi apresentado pelos seus escribas e pelegos como "pai dos pobres", como figura paternalista para a massa dos explorados do país. Com a autoridade assim adquirida, Getúlio Vargas cria as condições favoráveis para a acumulação capitalista; pacificado o proletariado (pela repressão e pela mistificação), os salários se congelam por muito tampo. Ao mesmo tempo inicia um processo inflacionário, ainda controlado, mas latente, e que será um dos recursos da acumulação primitiva capitalista.

No interior das classes dominantes o Estado Novo, ao mesmo tempo em que mantém os subsídios e proteções ao latifúndio, cria instrumentos de crédito e proteção para a indústria. Entre a antiga estrutura semicolonial de exportação e a produção industrial capitalista estabelece-se uma relação de COMPLEMENTARIDADE. Ao mesmo tempo em que o Estado garante a exploração sobre os trabalhadores do campo o subsidia os latifundiários, desvia parte da renda obtida na agricultura para favorecer o processo de industrialização.

A redemocratização

Em 1945, com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, a burguesia brasileira já tinha ganhado bastante confiança para se livrar de tutelas do Estado Novo.

Abandonou a ditadura aberta, preferiu a VELADA, da democracia burguesa, que em troca permitia-lhe exercê-la de maneira mais DIRETA, por intermédio do Congresso. Após a primeira euforia da vitória da "democracia" tornou-se evidente, todavia, que esta só se limitava a classe dominante. A nova Constituição (de 1946) deixou a situação dos sindicatos no mesmo pé em que Getúlio a tinha posto e um ano depois o Partido Comunista foi decretado fora da lei e os mandatos dos seus deputados cassados. Em troca, as inversões americanas começaram a afluir ao país, que se torna mais estreitamente dependente do imperialismo ianque.

Durante o governo Dutra o imperialismo buscou impedir o desenvolvimento de uma indústria de base no país.

O segundo governo de Vargas é uma tentativa da burguesia brasileira de resistir à dependência norte-americana. Mobilizando a pequena-burguesia e o movimento sindical, Getúlio toma uma série de medidas de proteção à industrialização interna, fomentando o capitalismo de Estado, como a Petrobrás. Mas a nova experiência Vargas é arriscada demais para a classe dominante. Em primeiro lugar, ela não pretende criar um conflito frontal com o imperialismo. Em segundo, ainda não vê necessidade objetiva para aceitar novamente uma tutela de um "governo forte" que Vargas procura restabelecer.

A Instrução 113, baixada pelo governo Café Filho e utilizada em todo o governo desenvolvimentista de Juscelino, será o grande instrumento da industrialização através dos capitais estrangeiros. Diante das dificuldades para a importação de equipamentos (o país não exportava o necessário para poder pagar as máquinas em divisas) a Instrução 113 determina a liberdade para que as empresas estrangeiras estabelecidas, ou nacionais associadas a estrangeiras, tragam máquinas sem as tarifas cambiais que oneravam as importações em geral. Tratava- se de um estímulo para a associação das empresas nacionais às estrangeiras. O governo de Juscelino procurou manter todas as garantias para aplicação de capitais estrangeiros e, sob a aliança da burguesia brasileira e norte-americana, processou-se o grande surto industrial que criou a indústria de base no país.

Um recurso básico para esse novo surto de expansão industrial foi a inflação, já iniciada sistematicamente no Estado Novo, mas acelerada com o governo Juscelino. De um lado, a desvalorização sistemática do meio circulante criava uma procura maior de mercadorias, já que ninguém gostava de guardar economias líquidas por um prazo de tempo maior pelo simples fato de perder o dinheiro. Em segundo lugar favorecia todos os gêneros de especulação e negociatas, que acompanhavam inevitavelmente qualquer expansão em termos capitalistas. E em terceiro lugar — mas nem por isso menos importante — permitia a constante desvalorização dos salários dos operários, apesar dos periódicos aumentos concedidos. Permitiu uma política "populista" do governo de conceder os aumentos e esvaziá-los em seguida pelo processo sutil da inflação. Desta maneira, a política inflacionista permitiu à classe dominante empurrar para as costas dos trabalhadores os custos da industrialização do país.

Saturação e crise cíclica

Porém, toda industrialização em moldes capitalistas se dá em um movimento cíclico: depois da expansão vem a crise. O capitalista, seja ele nacional ou estrangeiro, só produz enquanto tem lucro. Restringe a produção quando o lucro começa a cair. E esse fenômeno se deu justamente no fim do governo Juscelino, quando se esboçaram claramente os sintomas de uma futura crise econômica.

O fenômeno das crises econômicas não era novo para a economia brasileira. O país sofria as consequências da quase todas as crises do mercado capitalista mundial (justamente em virtude de sua função de exportador de matérias primas para esse mercado) e a crise de 29 teve repercussões econômicas e políticas entre nós. Desta vez, todavia, a crise não veio simplesmente como consequência da situação do mercado externo, tratava-se de uma CRISE CÍCLICA DO CAPITALISMO NO BRASIL, tratava-se de uma saturação do mercado interno. Nos Estados Unidos e em diversos países europeus tinha havido uma crise e queda da produção em 1958/59 que, todavia foi superada por uma retomada da expansão das atividades econômicas. Mas, enquanto os dados estatísticos americanos atingiam níveis inéditos, o ritmo de expansão das atividades no Brasil diminuía lenta mas constantemente, até chegar a estagnação (veja anexo da Aula V, sobre as crises do capitalismo).

Para os nossos "desenvolvimentistas", isebianos e reformistas, o problema da continuidade da expansão industrial se resumia em uma política econômica apropriada. Como ideólogos da pequena-burguesia, eles ignoravam, consciente ou inconscientemente, os fatores e características gerais do desenvolvimento capitalista, vendo o fenômeno da crise meramente sob o ângulo de uma "boa" ou "má" política econômica — ou "popular" ou "antipopular", como diziam. Partindo do um raciocínio idealista, responsabilizaram as falhas de estrutura do capitalismo no Brasil — o mercado restrito em virtude da virtual não existência de uma capacidade aquisitiva no campo e a dependência do imperialismo — como causas da crise cíclica. Carecendo do um método marxista, queriam suprimir os lados negativos do capitalismo, para desenvolver os positivos e garantir, desse modo, uma continuidade ininterrupta da sua expansão. No fundo eles lidavam com um capitalismo ideal e abstrato (um capitalismo como não existe em nenhum lugar) e não com o capitalismo brasileiro tal como existia concretamente e como se desenvolveu na época da associação imperialista.

O mesmo não pode ser dito da própria burguesia, para a qual o problema da crise não era mais meramente ideológico. Ela tinha bastante experiência, pragmática e teórica, para saber que o desenvolvimento não era ininterrupto. Embora ela tivesse um interesse material numa contínua expansão das atividades econômicas, pois isso lhe garantia a continuidade da taxa de lucro, ela sabia que na sociedade capitalista não é a expansão econômica que assegura a taxa de lucro e sim esta que regula a expansão. Portanto, sabia também que as reformas não podiam evitar a crise cíclica; seu efeito seria a prazo maior. No momento ela queria medidas econômicas e políticas imediatas para enfrentar a crise — medidas que fizessem os trabalhadores pagar os custos da crise, como antes tinham pago os custos de industrialização.

A experiência do governo Jânio visou essa finalidade; foi eleito por uma coligação da burguesia nacional, pró-imperialista, latifundiária, e que tinha a seu reboque a maioria da pequena-burguesia e mesmo partes do proletariado decepcionado com o reformismo. Como qualquer governo burguês, daí em diante Jânio tinha como programa fundamental uma política de estabilização da moeda (a inflação tinha ultrapassado o ponto critico, onde favorecia a burguesia) e isso implicava em medidas de congelamento de salários. Em segundo lugar, procurava descobrir desesperadamente novos mercados para a exportação de produtos brasileiros, incrementando relações comerciais com a África e os países socialistas: a base material da sua chamada "política externa independente". Mas quão pouco independente era essa política se mostrou logo no início, quando abriu novamente as portas do país ao FMI, fechadas por Juscelino devido à oposição do organismo internacional de finanças à sua política inflacionista. Em terceiro lugar, procurou modernizar e racionalizar o capitalismo brasileiro e adaptar o aparelho estatal às suas necessidades, pelas "reformas de base".

A experiência de Jânio falhou fundamentalmente porque não era mais possível semelhante programa com métodos da democracia burguesa. Ele enfrentou não só a resistência do proletariado contra a tentativa da baixa abrupta do seu nível de vida, como igualmente diversos graus de oposição dentro da classe dominante contra medidas que afetavam interesses imediatos dos seus diversos setores. Jânio, preso às regras do jogo do Congresso e dos partidos, tentou o golpe e fracassou. A classe dominante ainda não estava convencida da necessidade da ditadura aberta e não estava disposta a entregá-la a Jânio, que na sua rápida ascensão tinha feito concessões populistas, a fim de conquistar a simpatia das massas.

A subida do vice Jango à presidência foi um compromisso, conhecido como a EXPERIÊNCIA PARLAMENTARISTA. De um lado foi uma concessão a um vasto movimento popular, dentro do qual se distingue a força crescente do proletariado, contra as aspirações imediatas das Forças Armadas; de outro, foi resultado das concessões do próprio Jango, que concordou com as limitações do Poder Executivo. Mediante o parlamentarismo, isto é, o aumento dos poderes do Congresso, a burguesia tentou se assegurar de maior controle direto do governo. A experiência falhou quando se revelou a impossibilidade da classe dominante querer governar mediante seus representantes parlamentares. A experiência só deixou mais claras as contradições existentes dentro da coligação das classes dominantes e o próprio Jango não demorou em aproveitar a situação para restabelecer o tradicional sistema presidencialista.

A fase presidencialista de Jango representa a tentativa de um governo eleito dentro dos padrões da democracia burguesa de resolver os problemas da classe dominante. Prosseguiu ele no programa de solução da crise do capitalismo através de reformas de base. Ao mesmo tempo apresenta um programa de emergência, conhecido como Plano Trienal, que visava enfrentar a crise cíclica. Os objetivos do Plano são fundamentalmente idênticos às metas de Jânio: estabilização do capitalismo brasileiro. O que diferencia o Plano Trienal do seu antecessor é o ritmo das medidas propostas. Jango depende em maior medida do apoio popular para sua sobrevivência. A prática mostrou que estava muito menos credenciado para realizar o seu programa com medidas democráticas de governo.

Sustentando-se no movimento sindical e no apoio de setores reformistas de burguesia, oscila entre os dois polos, descontenta ambos a vai se esvaziando lentamente. Também ele sabe que a solução é o "governo forte" e começa a preparar o golpe bonapartista. Mas para convencer a classe dominante a lhe entregar o poder, ele tem de se apresentar como líder de um movimento popular, capaz de controlá-lo. Mas esse fator apresenta-se como um risco para as classes dominantes. O proletariado brasileiro não é mais o mesmo do tempo do Estado Novo e há indícios de que ele começa a escapar do controle a de tutela da política burguesa. A classe dominante não está mais disposta a novas experiências populistas. Suas facções se unem e apelam às forças conservadoras da ordem existente. Veio o golpe de abril.

A solução burguesa da crise

A solução burguesa da crise foi posta em prática sob a proteção dos tanques de guerra. O golpe militar selou definitivamente a adesão da burguesia brasileira à política de dominação imperialista. Usando a repressão aberta o governo de Castelo Branco criou novas bases para a exploração capitalista: permitiu o incremento da exploração salarial, sufocou os movimentos camponeses, anulou a lei de remessa de lucros de 62, atraiu novas inversões capitalistas, pressionou a concentração de capitais. No campo econômico pôs em prática a essência dos programas dos seus antecessores sem as concessões populistas, que paralisaram os governos burgueses anteriores.

É nessa perspectiva que se entende o programa econômico elaborado por Roberto Campos e mantido quase integralmente pelo governo Costa e Silva. Imposto pela força o "arrocho salarial" e a "paz social", o programa de racionalização e modernização do capitalismo brasileiro estimula a associação do capital nacional ao estrangeiro, já que a burguesia nacional se sente incapaz de vencer o desnível técnico e econômico, que separam suas indústrias subdesenvolvidas dos patrões internacionais. Atrai os investimentos estrangeiros através da baixa dos custos internos de produção e de garantias políticas para o capital financeiro internacional. Essa associação sistemática do capital nacional ao capital internacional, processo que devido às relações de forças existentes equivale a uma dominação do capital nacional pelo imperialista, reflete no fundo o próprio grau de concentração do capital que acompanha a acumulação capitalista, e que gera os monopólios. O surgimento dos monopólios nos países atrasados representa o próprio domínio imperialista, devido ao caráter internacional dos monopólios, sediados nos países de capitalismo avançado.

Essas bases econômicas do domínio imperialista no país encontram expressão nas relações políticas entre o Brasil e os Estados Unidos e com os países imperialistas em geral. As doutrinas da "fronteira ideológica" e da "interdependência continental" podem tomar atualidade maior ou menor em situações diversas, mas elas não exprimem mais que a situação criada de uma COOPERAÇÃO ANTAGÔNICA(1), isto é, no fundamental uma cooperação na qual os interesses antagônicos existentes, que surgem periodicamente, estão em segundo plano. No sistema capitalista a cooperação entre sócios é uma questão de força; na cooperação entre capitalistas, os mais fortes dominam os mais fracos e estes procuram melhorar a sua situação na associação. Já no governo Costa e Silva a burguesia brasileira se aproveitou de um relativo desafogo interno e dos problemas da burguesia americana para apresentar reivindicações próprias: melhores preços para seus produtos de exportação, o direito de industrializar matérias primas no país e explorar energia nuclear. Trata-se, todavia de choques de interesses que serão resolvidos dentro da cooperação existente entre o capital nacional e o imperialista, cooperação que garante o desenvolvimento capitalista no Brasil e que deve garantir a sobrevivência do sistema contra a ameaça maior das revoluções proletárias e da expansão das forças do socialismo.

A crise geral do sistema

O capitalismo brasileiro pode vencer a crise cíclica, mas não tem perspectivas de superar a sua crise geral. Está de fato saindo do ponto baixo do ciclo — embora isso se dê num ritmo mais lento do que o governo esperava. Uma das decepções do Sr. Roberto Campos foi o "pouco" volume dos investimentos estrangeiros, dos quais ele esperava uma participação maior para a retomada da expansão industrial. Mas o capital imperialista não investe para ajudar a vencer uma crise. Investe sim, na medida em que a crise está sendo vencida e os campos de investimentos oferecem taxas de lucro correspondentes.

Mas mesmo vencido o ciclo da crise e retomada a expansão, não há perspectivas de que, no futuro próximo ou médio, o crescimento atinja no país o ritmo da década de 50. Esta expansão se deu na crista da onda de uma conjuntura de prosperidade do capitalismo nos países imperialistas, aos quais o Brasil vendeu as suas matérias primas e os preços ainda favoráveis dessas vendas financiavam a aquisição de máquinas. A prosperidade do mercado mundial está igualmente chegando a um fim. A Inglaterra está à beira de uma crise, a Alemanha Ocidental passou o apogeu da conjuntura e nos Estados Unidos se discute o espectro do que lá se chama "recessão" Não há dúvidas que uma crise econômica nos principais países imperialistas repercuta novamente entre nós.

Em segundo lugar, há a crise geral do capitalismo brasileiro, que não consegue superar o subdesenvolvimento, diminuindo a distância que o separa dos países imperialistas. O sintoma mais evidente da decadência do capitalismo como sistema social em escala mundial é a impossibilidade dos novos países capitalistas repetirem a façanha dos seus irmãos mais velhos. Apesar de todo o "desenvolvimento" verificado eles continuam o elo mais fraco, explorados pelos mais fortes, dos quais precisam para sobreviver. Mas o sintoma mais evidente da crise geral e latente do capitalismo no Brasil é a sua incapacidade de oferecer à imensa maioria do povo brasileiro um nível de vida, que o torne apto a absorver os bens que o parque industrial já construído no país é capaz de produzir (de "criar um mercado interno", como dizem os economistas burgueses).(2)

Em todos os países capitalistas há uma facção da população que é péssimo consumidor, por falta de capacidade aquisitiva. No mais rico dos países capitalistas, os EUA, essa parte considerada pobre nos dados oficiais, varia de 15 a 25%, conforme as fontes. No caso do Brasil, os pobres, isto é, a parte da população que não tem capacidade aquisitiva para absorver o mínimo de mercadorias considerado como necessário para um nível de vida do século XXI, representa a imensa maioria da população. Esta não participa do "desenvolvimento", nem em sua fase mais acelerada. Para ela o sistema capitalista não oferece perspectiva absolutamente nenhuma de uma mudança de seu nível de vida. E essa maioria está condenada a perdurar na mesma situação social enquanto o parque industrial construído no país se movimentar conforme as leis da produção capitalista — da caça ao lucro.

A completa incapacidade deste sistema social e da classe dominante de indicar um caminho de progresso histórico para o país, coloca na ordem do dia a luta pela mudança das relações sociais, a luta pelo socialismo. A expropriação da classe dominante e dos seus sócios imperialistas torna-se a premissa para a emancipação das massas trabalhadoras da exploração interna e externa. A apropriação dos meios de produção pelos trabalhadores e a construção de uma economia em bases socialistas torna-se hoje a primeira condição para um desenvolvimento das forças produtivas, que atenda pela primeira vez às necessidades mais imediatas das massas urbanas e rurais do país. A falência das classes dominantes o do sistema que representam coloca na ordem do dia a luta pelo BRASIL SOCIALISTA.


Notas de rodapé:

(1) Vide na Nota 7 (Aula 6) considerações sobre o conceito de "cooperação antagônica". (retornar ao texto)

(2) Vide na Nota 6 ((Aula 5) considerações sobre o texto de Erico Sachs O PSB e a fase atual da luta de classes, in POLOP, Uma Trajetória de Luta Pela Organização Independente da Classe Operária no Brasil, Centro de Estudos Victor Meyer. (retornar ao texto)

Inclusão 14/08/2019