Curso Básico da ORM-PO

Organização Revolucionária Marxista - Política Operária


Aula I - Sociedade e Classes


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O que marca o mundo de hoje é a sua divisão em dois sistemas sociais diferentes. Dois mundos, duas sociedades irreconciliáveis se defrontam: a decadente sociedade capitalista e a nascente sociedade socialista(NOTA1).

No mundo capitalista — onde domina a propriedade privada dos meios de produção, isto é, onde fábricas, máquinas, terras e matérias primas pertencem a uma minoria privilegiada — reina a exploração do homem pelo homem. O sistema capitalista luta hoje desesperadamente para prolongar a sua vida, usando todos os recursos de pressão, mentira e violência para reprimir o latente movimento revolucionário que abala os seus alicerces.

O mundo socialista — onde a exploração do homem pelo homem está chegando ao fim a partir da eliminação da propriedade privada dos meios de produção — está em franca expansão, desde a primeira revolução socialista, vitoriosa na Rússia em 1917, até a recente revolução Cubana. Hoje, o sistema socialista abrange um terço da humanidade. Um entre três habitantes da terra, já vive em países que fizeram a sua revolução socialista.

O mundo capitalista abrange países muito diferentes um dos outros, como os Estados Unidos, altamente industrializados, ou como o Congo, simples fornecedor de matérias primas, e o Brasil, pais que tem uma posição intermediária na escala do desenvolvimento capitalista. Mas, apesar das diferenças que os distinguem, o que faz com que esses países pertençam à mesma sociedade capitalista?

A mesma pergunta pode ser feita em relação à Tchecoslováquia, à China e à Cuba: apesar desses países estarem em diferentes graus de desenvolvimento e apresentarem diferenças quanto ao modo de vida, por que podemos afirmar que eles pertencem a um outro sistema social, a nascente sociedade socialista?

Que é afinal, um sistema social, uma sociedade?

Uma SOCIEDADE é constituída pelo conjunto de RELAÇÕES — tanto econômicas, quanto sociais, políticas, etc. — que os homens mantém entre si, que os homens são obrigados a manter entre si. Os homens não vivem separados uns dos outros, não trabalham isolados, nem como indivíduos nem como famílias e nem mesmo, hoje em dia, como povos. Desde que a humanidade atingiu o chamado estágio de civilização formou-se no seu meio uma DIVISÃO DE TRABALHO e, consequentemente, uma crescente dependência mútua entre os homens. Havia antes uma divisão de trabalho entre aqueles que cultivavam a terra e os que se especializavam na produção de ferramentas fornecidas ao trabalhador rural. Do artesanato até a moderna indústria, essa divisão de trabalho cresceu e se tornou mais complexa, acentuando a especialização e, com isso, a dependência mútua entre as pessoas.

Não foi essa, todavia, a única divisão que se deu entre os homens. A história da civilização, isto é, a história escrita da humanidade, está estreitamente ligada ao problema da LUTA PELA PROPRIEDADE DOS MEIOS DE PRODUÇÃO. Essa luta se deu sempre entre aqueles que haviam acumulado muitas propriedades e os que não as tinham, ou não as tinham em quantidade suficiente para sua própria subsistência. De maneira geral, os senhores dos meios de produção estavam em condições de EXPLORAR OS OUTROS. Explorar significa apropriar-se do fruto do trabalho alheio. Os modos de exploração sofreram variações no decorrer da história ao variarem as formas de propriedade que garantem a uns a exploração sobre os outros. Cada sociedade é assim caracterizada pela predominância de determinada forma de propriedade e de exploração.

Na sociedade ESCRAVAGISTA, por exemplo, o escravo trabalhava para o senhor. Produzia no campo, nas minas, nas oficinas. O próprio escravo era propriedade do senhor, que lhe dava o sustento, ficando com o produto de seu trabalho. Toda a sociedade vivia então às custas desse trabalho escravo, estava organizada à base desse trabalho e possuía toda uma série de leis que sancionavam e regulavam essa forma particular de exploração.

Na sociedade FEUDAL, o principal objeto de exploração era o camponês. Chamado de servo da gleba, esse camponês estava preso a um pedaço de terra, sendo obrigado a dar uma parte de sua colheita ao senhor feudal e, sem retribuição, trabalhar determinado número de dias nos campos do senhor. As terras não eram propriedades definitivas desses senhores. Pertenciam aos reis ou à Igreja, que as "doavam" aos nobres em troca de serviços prestados, tomando-as de volta quando tinham força para isso. Mas toda a organização e legislação eram adaptadas às necessidades da exploração do camponês cujo trabalho sustentava toda a complicada hierarquia da sociedade feudal, da mais baixa nobreza e dos padres até os reis e papas.

Na sociedade CAPITALISTA — ou sociedade burguesa — como também é chamada — a maior parte das riquezas é produzida nas fábricas, resultado do desenvolvimento da ciência e da técnica, bem como da crescente divisão do trabalho. O operário que trabalha nesses centros de produção já não é, legalmente, nem servo nem escravo. Juridicamente o operário é livre, pode trabalhar ou deixar de trabalhar e pode empregar-se em lugar que ele próprio escolha. Mas é "livre" também de qualquer meio de produção, isto é, não tem um pedaço de terra de onde possa arrancar seu sustento, como no caso do camponês medieval, e nem possui aqueles instrumentos próprios de trabalho que permitiram ao artesão produzir independentemente. As fábricas, as máquinas, na maioria das vezes, até a própria casa em que mora, são propriedades de uma minoria, são propriedades dos capitalistas, ou seja, da burguesia. E como o operário não tem outros meios de subsistência, trabalha para o capitalista que se apodera do fruto de seu trabalho, entregando-lhe apenas o necessário para viver e continuar a trabalhar. Toda a estrutura social, política e jurídica da sociedade em que vivemos é adaptada ao funcionamento dessa forma de exploração capitalista.

Acontece, porém, que em toda a história — e muito mais hoje em dia — explorados e exploradores, ricos e pobres, e mesmo pequenos e grandes proprietários, nunca mantiveram boas relações entre si. "Toda história é uma história de lutas de classes", disse Marx. Realmente, quando olhamos para trás vemos também que a história é uma sequência de revoluções ou de tentativas de revoluções.

Mas, o que é uma classe? O que é uma revolução?

As CLASSES resultam justamente da divisão da sociedade causada pela propriedade privada, o que determina a posição dos homens em relação aos meios de produção, em relação à produção social. O proprietário de um latifúndio ocupa certa posição no processo de trabalho social. Essa posição difere da do diarista assalariado. O dono da fábrica, por sua vez, tem posição e interesses diferentes dos do operário.

Conforme define Lênin:

Chamam-se classes os grandes grupos de homens que se distinguem pelo lugar que ocupam num sistema historicamente definido de produção social, por sua relação (na maioria das vezes fixada e consagrada por lei) com os meios de produção, por seu papel na organização do trabalho e, consequentemente, pelos meios que tem para obter riqueza social de que dispõem e o tamanho desta. As classes são grupos de homens, dos quais um pode se apropriar do trabalho do outro, em virtude da posição diferente que ocupam num regime determinado de economia social.

Para entendermos melhor essa definição, podemos perguntar, por exemplo, se os estudantes são uma classe social. Não, certamente, pois, antes de tudo, uma classe se define pela sua situação nas relações de produção social. Ora, os estudantes, enquanto estudantes, não têm papel na produção social. Eles são originários de determinadas classes que tem acesso ao ensino. Em geral, derivam da pequena burguesia ou de classe mais alta.

Por outro lado, os militares constituem uma classe? Tampouco são uma classe, embora a sua ocupação não seja passageira como é a vivência estudantil, pois o militarismo é uma profissão na nossa sociedade. Os militares também se originam de diversas classes. Em sua maioria, derivam da pequena burguesia. À medida que atingem os comandos mais altos, a hierarquia militar ainda oferece a eles a possibilidade de se integrarem na classe dominante, pois as Forças Armadas como instituição da sociedade capitalista, são um instrumento da burguesia.

Os metalúrgicos, por sua vez, também não podem ser tomados como uma classe social. Eles são os componentes de uma profissão que se enquadra na classe operária, pois compartilham da mesma situação social dos demais setores do operariado industrial e tem as mesmas contradições irreconciliáveis com os patrões. Participam do mesmo lado no choque de interesses que opõe proletariado e burguesia, na grande luta de classes da sociedade capitalista.

Chama-se REVOLUÇÃO o movimento culminante atingido pela luta de classes, a etapa em que uma delas se levanta, toma o poder, arrebatando-o das mãos da outra classe. Quando a burguesia francesa, há quase dois séculos, liderou o levante do povo vitorioso contra o absolutismo feudal, preparou o caminho para que o poder fosse manobrado por suas mãos, tornando-se assim a classe dominante da França. Tratava-se de uma revolução burguesa. Em nosso século, o proletariado russo realizou a sua revolução vitoriosa em 1917, tirando o poder das antigas classes dominantes e iniciando a construção da sociedade soviética. Esta foi uma Revolução Proletária, ou Revolução Socialista, como é também chamada em função dos objetivos que se propôs.

Independentemente das diferenças de conteúdo dessas duas revoluções, realizadas em condições historicamente distintas, elas tem uma coisa fundamental em comum: a subida de uma nova classe ao poder, fato que alterou toda a estrutura social, a começar pelas relações de propriedade, até as cúpulas políticas, jurídicas e ideológicas da sociedade. Cada uma delas deu início ao desenvolvimento de um novo sistema social.

Na linguagem burguesa, “revolução” é frequentemente sinônimo de qualquer golpe de oficiais descontentes ou, como ultimamente, até de movimentos reacionários destinados exatamente a evitar uma revolução, uma transformação das relações sociais. Porém, tanto neste caso, como no do abuso e confusão que os ideólogos da burguesia cometem frequentemente com termos como “classe”, não se trata de outra coisa senão de uma tentativa desesperada de confundir as mentes dos explorados. Estes, porém, começam a perceber o verdadeiro caráter da nossa sociedade, a verdadeira face da exploração capitalista.

Classes sociais no Brasil
Burguesia financeira
Burguesia
(Industrial e comercial)
  Latifundiários
(grandes proprietários rurais)
Classes médias
(da média burguesia à pequena
burguesia assalariada)
   
    Pequenos camponeses
(pequenos proprietários,
arrendatários, meeiros, parceiros)
Proletariado industrial   Trabalhadores do campo
  Lumpens  

Podemos dizer que temos hoje no Brasil duas facções principais das classes dominantes: a burguesia da cidade e a burguesia do campo (latifundiários). Os interesses dessas duas classes se encontram no capital financeiro ou bancário.

Além disso, encontramos nas cidades uma vasta classe média heterogênea, que compreende desde a incipiente burguesia média até a pequena burguesia assalariada.

No campo, a diferenciação de classes é maior ainda. Falta a classe de camponeses médios que caracterizou o desenvolvimento do capitalismo europeu, por exemplo. Em regra, o nosso pequeno camponês, ou não tem bastante propriedade para seu sustento, ou não tem propriedade definida, trabalhando então como arrendatário, meeiro, parceiro, etc.

A base da pirâmide social da sociedade capitalista brasileira é constituída pelo proletariado industrial.

A penetração do capitalismo no campo criou, por sua vez, um proletariado rural conhecido sob a forma de trabalhador assalariado.

Existe finalmente uma classe marginalizada, também conhecida como LUMPENS, que não participa ativamente do processo de produção social e cujos componentes vivem de "bicos" e de ocupações esporádicas.


Notas de rodapé:

(NOTA1) Do ponto de vista material o mundo hoje não é exatamente dividido em dois sistemas sociais distintos e irreconciliáveis como era na época em que foi escrito o Curso Básico. É evidente que os autores se referiam a uma situação de fato, iniciada com a vitória da Revolução Russa em 1917. Uma revolução vitoriosa em um dos países mais atrasados da Europa, com oitenta por cento da população vivendo no campo, alheia a política e a organização social. Uma revolução que nos seus primeiros quatro anos de vida sofreu com o cerco de 14 países capitalistas, em uma luta que deixou a economia soviética em ruínas. Uma revolução que ficou isolada, pois a revolução que os bolcheviques esperavam que ocorresse na Europa ocidental não ocorreu. E foi neste isolamento que a URSS foi obrigada a enfrentar todo o poderio da Alemanha industrializada na Segunda Guerra mundial.
No pós-guerra o socialismo expandiu-se na Europa e a revolução chega à China. Materializava-se assim um campo socialista. Em finais da década de cinquenta, quarenta anos depois da revolução, a URSS envia o primeiro satélite artificial a circular em volta da terra, obrigando o imperialismo a rever suas estratégias de destruição do campo socialista, enquanto outras revoluções ocorriam de força própria, na Ásia, África e América Latina. No entanto, ao final da década de 80 o socialismo entrou em crise na Europa e em dezembro de 1991 a União Soviética praticamente foi dissolvida sem reação. O fim do socialismo na Europa não é a última palavra da luta de classes em nível nacional e internacional. A luta hoje tem como ponto de partida um patamar muito inferior ao já alcançado no passado e a discussão do socialismo a partir da revolução de 1917 é um tema ao mesmo tempo complexo e abrangente que pode ser iniciada e aprofundada a partir da leitura dos textos abaixo:
Erich Sachs (1981) Qual a Herança da Revolução Russa?, Publicado pela Editora Práxis em 1987, Salvador, Bahia.
Victor Meyer (1991a) Determinações históricas da crise da economia soviética, Editora da UFBA, 183 p. Victor Meyer (1991b) O Bloqueio da Acumulação Socialista, Informe Conjuntural CEPAS, Centro de Estudos, Pesquisa e Assessoria Sindical, Salvador, BA.
Victor Meyer (1991c) O Enigma do Socialismo Soviético, Seminário do CEPAS, Centro de Estudos, Pesquisa e Assessoria Sindical, Salvador, BA.
Victor Meyer (1991d) A Rússia Soviética na década de vinte. O Primeiro enfrentamento do problema da transição, apresentado no seminário Marxismo e História, no tema Marxismo Enquanto Projeto Político: A Revolução Russa de 1917 e seus desdobramentos na Universidade Estadual de Feira de Santana. (retornar ao texto)

Inclusão 14/08/2019