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Para fazer face ao desenvolvimento da sua actividade, os bancos tinham que recorrer à captação de recursos alheios, como é normal, na medida em que os próprios eram manifestamente insuficientes para a prossecussão dos objectivos que se propunham realizar.
Nesse sentido, e através fundamentalmente da captação e recolha das pequenas poupanças, canalizadas por meio dos depósitos remunerados a taxas baixas, se conseguia a mobilização de grandes somas que garantiam suficiente estabilidade, devido não só à sua grande pulverização mas sobretudo a um ritmo de crescimento dos depósitos que até ao 25 de Abril se vinha acentuando.
Como, porém, a pequena e média poupança ainda era insuficiente viam-se obrigados a cativar os detentores de avultadas quantias que só mobilizavam com o aliciante pagamento de taxas superiores às legais, pagas por fora e através dos famosos «sacos azuis».
A cobertura do País, não só através da distribuição de balcões estrategicamente colocados como ainda, para colmatar as brechas existentes, através dos serviços móveis e dos chamados serviços de prospecção — que mais não eram em muitos casos que simples serviços de recolha de depósitos — outra coisa não visava senão a integral captação dos recursos que eram desviados para aplicar nas localidades que melhor servissem os desígnios dos senhores da Banca. Era assim que classificavam as praças, segundo os seus interesses exclusivos, em praças de angariação e praças de aplicação.
As remessas dos emigrantes — que a grande burguesia com a sua política económica antinacional forçou a sair do País em busca de melhores condições de vida — constituíram, a partir de determinada altura (década de 60), uma fonte privilegiada, que não só lhes permitiu aumentar substancialmente os depósitos como fazer crescer extraordinariamente as suas existências de divisas, divisas estas que em muitos casos não chegavam sequer a entrar em Portugal.
O recurso ao redesconto do banco emissor constituía, também, uma forma de aumentar as possibilidades de aplicação, conseguindo deste modo a banca comercial uma multiplicação das suas capacidades de concessão de crédito.
Os recursos próprios e alheios eram canalizados pela Banca no sentido da obtenção do maior lucro, finalidade última do capitalismo.
Como cabeça de grupo económico, cada banco orientava o crédito prioritariamente para as empresas que dele dependiam, ou a que pertencia, sem qualquer espécie de consideração pelas reais necessidades da economia nacional.
Por outro lado, e em face dos recíprocos favores que entre si se deviam, os banqueiros estavam sempre dispostos a financiar- -se uns aos outros e a alguns amigos comuns, com taxas de juro que a maioria das vezes eram simplesmente ridículas.
Os pequenos e médios empresários, que mais dificuldades encontravam na obtenção do crédito, acabavam por constituir a clientela lucrativa por excelência, na medida em que, uma vez em situação difícil, não podiam regatear o preço da «mercadoria» que «compravam», acabando por sujeitar-se não só a taxas superiores às legais como a aceitar pagar prémios de transferência para letras que muitas vezes nem chegavam a sair do balcão em que eram descontadas.
A competição desenfreada entre os «tubarões» da Banca fazia com que sofregamente escondessem uns dos outros informações referentes ao crédito concedido a clientes comuns, acabando algumas vezes por ficar espantados com a enormidade dos créditos que tinham a reembolsar, quando um ou outro cliente falia. Terminavam por disputar «restos mortais» dos falidos nas famosas reuniões de credores, tal como os abutres em face de cadáver mal morto.
Não havia um mínimo de pejo em infringir toda a gama de legislação que lhes era destinada, assim se cometendo todas as ilegalidades tais como: abonos de taxas de juro superiores às legais, utilização indevida do prémio de transferência; ultrapassagem dos plafonds máximos impostos por lei; desrespeito pelas margens mínimas de liquidez, etc. E isto na medida em que estavam seguros da sua impunidade, dada a inoperância com que sabiam poder contar da parte dos organismos que deviam velar pelo cumprimento da lei: Inspecção-Geral de Crédito e Seguros e Banco de Portugal.
Foi nesta situação que se processou a nacionalização da Banca, e foi em virtude dela que simultaneamente o Estado passou a controlar grande parte do parque empresarial do País: além das empresas que pertenciam aos grupos que os bancos encabeçavam e aquelas em que tinham participações financeiras maioritárias, a possibilidade do controlo estatal estendeu-se àquelas em que o crédito concedido era de tal modo avultado que já estavam na dependência real dos bancos credores.
Paralelamente a este aspecto, aparentemente optimista, o Estado recebeu uma «Banca» com gravíssimos problemas de liquidez, que obrigou o Banco de Portugal a grandes injecções de dinheiro no sentido de apetrechar a Banca Comercial com os meios financeiros necessários às exigências de um regular financiamento das actividades económicas.
Toda a actividade «produtiva» da Banca tinha a suportá-la uma enorme máquina administrativa, a maioria das vezes apoiada nas técnicas mais sofisticadas, bem como em pessoal altamente qualificado e a quem se pagava os melhores vencimentos, comparativamente com a grande maioria dos empregados, aos quais se exigiam ritmos de trabalho elevadíssimos. Podemos considerar como principais os seguintes serviços:
À Contabilidade era reservada, para além da tarefa normal do registo das operações, a importante missão de camuflar as irregularidades e cozinhar os números de maneira a enganar o fisco, pequenos accionistas e clientes.
Os Serviços de Organização e Métodos eram os responsáveis pela racionalização e normalização dos circuitos que interessavam, no sentido de tirar o maior aproveitamento possível de máquinas e pessoal.
Aos Gabinetes de Estudos de macroeconomia cabia, primordialmente, fazer a apologia do sistema capitalista, que veiculavam através dos seus boletins de conjuntura, e, alguns deles, dar contributos técnicos para a gestão das empresas do grupo.
O Contencioso era, em cada banco, o departamento onde se encontrava sempre alguém que, para além das tarefas do foro jurídico, se pudesse encarregar da fabricação dos estatutos das empresas, incluindo as fantasmas, bem como velar para que apresentassem aspecto legal as mais tremendas vigarices feitas pelos banqueiros.
Os Centros Mecanográficos surgem como uma necessidade do crescimento dos bancos, e do desejo que sentiam os capitalistas de por um lado controlar melhor os seus negócios e por outro poder cometer certas ilegalidades «automaticamente», ficando o seu conhecimento restrito a um pequeno número de indivíduos. Quando os bancos não tinham centros mecanográficos, os mesmos pertenciam a empresas do grupo exclusivamente constituídas para esse fim.
Os Serviços de Publicidade — que em muitos casos também se encontravam a cargo de empresas associadas — tinham por finalidade fazer a propaganda dos bancos, mas sobretudo apelar para os pequenos depositantes no sentido de confiarem aos banqueiros a administração das suas poupanças.
Às Inspecções cabia a missão de velarem pelo cumprimento das instruções dimanadas das administrações, bem como detectar as anomalias que para os banqueiros eram consideradas irregularidades. Em muitos casos acumulavam ainda funções repressivas, em verdadeiro complemento dos serviços de pessoal.
Através dos Departamentos de Compras se processavam todas as aquisições de mobiliário e material, obedecendo às regras do compadrio, orientando, sempre que possível, as compras para as empresas do grupo ou de familiares.
Nem sempre estes departamentos tinham um comportamento homogéneo. Muitos técnicos se mantiveram fora do sistema de corrupção dos banqueiros, evitando a utilização aberta dos órgãos de apoio para as trafulhices da Banca, mas quando isso acontecia havia sempre um lacaio que a troco duma «surda» mais substancial no fim do ano satisfazia os desejos dos banqueiros.
Como resultado de todo um processo de organização e luta, pressionados por condições de vida deficientes que se foram agravando com o início e alastramento da guerra nos territórios coloniais, os trabalhadores bancários, em especial a partir da Campanha Eleitoral de 1969, avançaram decididamente, reagrupando-se em torno do seu Sindicato.
Elegem uma Direcção representativa e procuram unir e organizar os trabalhadores em torno dum problema concreto: lutar por um novo Contrato Colectivo de Trabalho.
Para além da conquista de melhores condições de Vida e Trabalho, o processo de contratação evidenciou as contradições do sistema capitalista, demonstrando o carácter de classe e dependência do Governo corporativo e o antagonismo de interesses entre os trabalhadores e capitalistas.
A actuação do patronato caracterizou-se por tentar esconder aos trabalhadores as contradições surgidas no processo (formas da luta de classes), pretendendo dar à contratação a aparência dum negócio. O Ministério das Corporações e o Governo fascista pretenderam aparecer aos olhos dos trabalhadores como mediadores «isentos» e capazes de facilitar eventuais dificuldades.
Paralelamente, o patronato tentava a divisão dos trabalhadores concedendo regalias reivindicadas na proposta sindical, enquanto negava a institucionalização dessas mesmas regalias à mesa das conversações. Neste caso notou-se um certo desacerto por parte de certos bancos, descoordenação essa motivada pela surpresa da organização e da firmeza dos Sindicatos. O patronato não estava habituado a enfrentar os trabalhadores organizados. Depressa iria aprender a lição.
Do ponto de vista de gestão do pessoal, o trabalho na Banca caracterizava-se por uma grande rendibilidade dos trabalhadores, conseguida através duma política autoritária, por estímulos materiais extracontratuais (surdas, gratificações natalícias, prémios, etc.) e por um controlo patronal das carreiras profissionais, arma utilizada para fomentar a competição e o individualismo entre os trabalhadores. O controlo das carreiras profissionais permitia exercer uma repressão orientada, procurando eliminar os opositores quer levantando-lhes processos disciplinares, quer ainda utilizando o processo das ameaças de DESPEDIMENTO.
A expansão da actividade monopolista financeira foi acompanhada por aumento espectacular do pessoal (cerca de 5 000 empregados em 1959 para 25 000 em 1974, isto só na área do Sindicato de Lisboa), assim como pela introdução na Banca de novas técnicas (mecanografia, centros electrónicos, circuitos televisivos) e de novos profissionais especializados (advogados, economistas, técnicos de informática, engenheiros, arquitectos, sociólogos, psicólogos, etc.), que encontraram na Banca altas remunerações que noutros sectores, progressivamente asfixiados, não podiam obter. Introduziram-se técnicas «modernas» de gestão de pessoal, nomeadamente no domínio da selecção, análise de postos de trabalho, avaliação de méritos e escolha de quadros. A tónica continuava a ser, evidentemente, a maximização do lucro.
Do ponto de vista sindical avançava-se para a obtenção de melhores salários e condições de trabalho, aproveitando as contradições internas do capitalismo financeiro. Os lucros dos bancos (se exceptuarmos os casos de negócios ruinosos provocados pela megalomania de alguns banqueiros) eram fabulosos e os trabalhadores bancários tinham consciência que os patrões podiam pagar. Hoje, após a nacionalização, dispõe-se de dados que apontam, em alguns bancos, para a artificialidade desses lucros. São os casos em que os bancos se dedicavam fundamentalmente a negócios especulativos e aventureiristas, verdadeiros castelos de cartas que se desmoronaram com o sopro do 25 de Abril.
O actual Contrato Colectivo de Trabalho reflecte exactamente a luta travada. Após o 25 de Abril e até 11 de Março, a nível de pessoal dá-se uma inversão do poder contratual: os trabalhadores impõem Cadernos Reivindicativos que foram aceites pelos banqueiros que, em certos casos, até ultrapassavam as reivindicações; propuseram mesmo, em alguns casos, a co-gestão e a participação nos lucros.
A nível de Relações de Trabalho dá-se, naturalmente, também a inversão de autoridade — os quadros que dum modo geral eram autoritários passam, por motivos de defesa, a não interferir no trabalho. Dum modo geral o trabalhador bancário continua a «produzir», havendo no entanto já casos de evidente decréscimo de «produtividade».
Inclusão | 19/07/2019 |