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Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril — http://www1.ci.uc.pt/cd25a/wikka.php?wakka=RV1
Transcrição: Ana Barradas
Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Este ano Portugal comemora o 30º aniversário de seu último e mais conhecido golpe de Estado, rapidamente transformado em uma revolução. No dia 25 de abril de 1974, a sociedade portuguesa dava adeus a uma ditadura de 48 anos, sob o comando de Antônio de Oliveira Salazar. Na altura do golpe, desencadeado por militares, o apoio popular foi tamanho que os comandantes da operação não puderam conter a euforia que invadiu as ruas de Lisboa. As pessoas tomavam as praças, vaiavam as reduzidas forças militares governistas, ofereciam apoio e alimentos aos revoltosos, e festejavam a perspectiva de liberdade, empunhando cravos ao invés de armas.
A manifestação ficou assim conhecida como a “Revolução dos Cravos”. Sua mais célebre imagem retrata uma criança colocando uma dessas flores, muito comuns na primavera portuguesa, no cano de um fuzil.
Passados esses anos todos, a despeito de seus sucessíveis aniversários, a questão colocada às novas gerações (portuguesas ou não) está mais ligada a compreensão dos acontecimentos da época e o que os teria justificado. Também diz respeito à importância histórica da data e suas conseqüências para o país, a Europa e todo o restante do mundo, atual e globalizado.
O historiador e professor da Universidade de Lisboa, Borges Coelho, aponta como a principal conseqüência imediata do 25 de abril uma
“explosão popular que reivindica transformações sociais tais como a reforma agrária, que começava enfim a avançar no país”.
“É claro que, ao longo desses vinte e nove anos, as contradições sociais e políticas foram muito intensas, o que nos leva a assistir a uma espécie de ‘recuo do processo revolucionário’. Como exemplo disso, podemos perceber aqui em Portugal, que a reforma agrária foi contido e praticamente aniquilada”.
Coelho afirma também que, muito além do fato de derrubar uma ditadura de inspiração fascista e instaurar um regime democrático no país, a “Revolução dos Cravos” tem como importância histórica o mérito de encerrar um período de cinco séculos em Portugal, com o fim da política colonial.
“O ciclo que se inicia em 1415, com a conquista de Ceuta pelo Infante Dom Henriques, termina com a independências das colônias africanas e asiáticas portuguesas, o que se dá somente após o 25 de abril”.
A conquista da liberdade política, de imprensa e a liberdade de expressão, segundo ele, foram outras conseqüências da Revolução. “Até o 25 de abril, as eleições em Portugal eram uma grande fraude”, lembra Coelho, agora mais como cidadão do que historiador.
“O 25 de abril não é um acontecimento exclusivamente nacional, pois há um eco dele em todo o mundo, desde a Espanha, que um pouco depois vê a queda do regime de Francisco Franco, até o Brasil, que vê na “Revolução dos Cravos” um incentivo para a continuidade de sua oposição à ditadura militar”, contemporiza o também historiador Sérgio Campos Matos.
Para ele, que na altura dos acontecimentos tinha apenas 17 anos e fazia parte do movimento estudantil contra a ditadura, a razão imediata para a queda do regime é a junção de fatores que vão desde as críticas das Nações Unidas (a ONU pressionava Portugal para que se descolonizasse, a exemplo da França, Inglaterra e Holanda) até os protestos internos da sociedade portuguesa. Mais uma vez, a guerra colonial é apontada como sendo a responsável direta.
“Quase quarenta porcento do orçamento do Estado Português era gasto na guerra e mais de oito mil portugueses já haviam morrido nela”, diz o jovem historiador.
Na história das revoluções, as questões financeiras e sociais sempre figuraram entre seus pontos mais determinantes. A maneira como os golpes de Estado exploram o descontentamento nacional frente à esses aspectos, pode representar a diferença entre um maior ou menor grau de apoio popular às suas ambições.
Do ano de 1910, quando é proclamada a república em Portugal, até 1926, o país sofreu dezesseis golpes. Durante esse período a situação financeira portuguesa se agravou: a dívida externa atingiu 53, 5% do orçamento estatal em 1920, houve fuga de capitais e a inflação aumentou em onze vezes de 1916 à 1924.
Segundo Matos, o que diferencia a “Revolução dos Cravos” dos golpes anteriores, além do fato de aquela ter sido comandada essencialmente por capitães, é a “atmosfera de isolamento que se respirava em Portugal”.
“Um pouco antes do 25 de abril viajei para Londres e pude constatar o quanto nosso conhecimento de mundo era pequeno. Para se ter uma idéia, enquanto que o mundo vivia o auge dos movimentos feministas, em Portugal, sob os regimes salazarista e marcelista, as enfermeiras ainda eram proibidas de se casar”.
Ao conversar com ex-capitães, implicados na ação, as palavras golpe e revolução aparecem e se misturam constantemente. Como resposta, talvez fosse possível evocar o fato de que, entre a conspiração e o golpe, não se passaram efetivamente mais do que oito meses. Mas uma outra explicação também é possível na opinião do historiador e também professor Fernando Rosas.
“Uma questão interessante, do ponto de vista histórico, é procurar entender como um golpe de Estado se transforma numa revolução”, reflete, concluindo a seguir:
“A sociedade portuguesa, no fim do marcelismo, vivia uma situação de tensão, acumulada pela repressão e pela guerra colonial. Aquilo era uma ‘panela de pressão’ pronta para explodir. Então a partir do momento em que a população percebe que o Exército que estava nas ruas, no dia 25 de abril, não estava lá para a reprimir mas sim para ‘dar cabo’ do Estado que a oprimia, o golpe transformou-se num processo revolucionário”.
Segundo ele, o MFA é “uma evolução da consciência de que é preciso acabar com a guerra no ultramar” e de que, para isso, era necessário convencer o governo a faze-lo. “Quando percebem que ‘esse governo’ não acaba com a guerra, passam a defender sua queda para que o conflito tivesse fim”.
Os militares do Movimento das Forças Armadas, após o golpe vitoriosos, puseram em prática o seu Programa, cujo objetivo era restabelecer as liberdades fundamentais e, como conseqüência, permitir a realização de eleições livres para a Assembléia Constituinte (esta posteriormente viria a elaborar uma nova Constituição da República para o país).
O processo revolucionário vai de 1974 à 1975. Nesse meio tempo, ocorrem duas tentativas de contragolpe, que evidenciariam os momentos de maior tensão da Revolução. A primeira tentativa acontece no dia 11 de março de 75, quando os militares da direita tentam neutralizar a crescente influência que os movimentos de esquerda vinham gerando dentro do Conselho Revolucionário (órgão criado para acompanhar a transição entre o Governo Provisório — a Junta de Salvação Nacional — e o governo que seria escolhido pela população, quando houvessem eleições livres).
“Quanto ao segundo levante, o do dia 25 de novembro de 75, alguns historiadores defendem o acontecimento como sendo exatamente o contrário do 11 de março, ou seja, uma tentativa de contragolpe dos militares de esquerda. No entanto, há uma outra corrente que defende a idéia de que o ‘verão quente’, como foi chamado, não passou de uma provocação da direita. A verdade é que, por fazer parte de um passado muito recente, ainda há muito a se analisar sobre a história da Revolução”, afirma Campos Matos.
Fernando Rosas também expõe suas impressões sobre o período:
“Entre setembro e novembro de 75, o risco de uma guerra civil é real, com a disputa dos grupos militares de esquerda e direita pela condução do processo revolucionário. E essa guerra só não aconteceu, ao meu ver, porque os operacionais militares que dirigiriam esse conflito eram todos conhecidos uns dos outros, estiveram juntos na guerra colonial, haviam estudado nas mesmas academias militares e estavam casados uns com as primas e irmãs dos outros”.
“O 25 de abril não pode ser reduzido à ‘festa da liberdade democrática de Portugal’. Isso porque, além deste fato, ele é também o detonador do aparecimento de cinco países no continente africano. A partir do momento em que as colônias conquistam a independência, são alteradas as zonas de influência geopolítica de países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra e a África do Sul”.
Está é a opinião de João Manoel da Costa Feijão, militante e responsável pelo arquivo histórico do Partido Comunista Português (PCP).
“Para destacar a importância da correlação de forças no quadro geopolítico global”, continua, “basta lembrar que na época o mundo vivia a Guerra Fria e estava dividido entre duas potências (EUA e URSS)”.
Costa Feijão, autor de diversos trabalhos sobre o colonialismo em Angola, também é defensor de uma visão mais ampla sobre os efeitos do 25 de abril no mundo.
“Limitar o 25 de abril às fronteiras de Portugal é reduzi-lo a mais um golpe de Estado, entre tantos outros que ocorreram no século XX”, garante.
Depois de uma breve reflexão, o arquivista conclui com o que, na sua opinião, seria a única conquista realmente efetiva da Revolução:
“Eram três as palavras de ordem dos ‘capitães de abril’: descolonizar, democratizar e desenvolver. Dessas três palavras de ordem, só uma seria irreversível: descolonizar. Pois a democracia podia acabar, o desenvolvimento podia parar, mas não há como se ‘recolonizar’ um território. Portanto, se houve uma mudança irreversível no projeto político da sociedade portuguesa, essa mudança foi a descolonização”.
Em fevereiro de 1926, os autores de um golpe de Estado chefiado pelo general Gomes da Costa (1863-1929) reafirmam a necessidade de estabelecer um regime forte, transformado em uma ditadura a partir de 1933. Nesse ano, Antônio de Oliveira Salazar, já então presidente do Conselho de Ministros, aprova uma nova constituição, suprimindo as liberdades individuais e eliminando toda a oposição. Nascia assim o “Estado Novo Corporativo”.
Desde então, apoiando-se nas forças militares e policiais, o governo passou a adotar uma postura de isolamento quanto ao restante do mundo (essa posição recrudesce a partir da década de 1960, quando o mundo vive uma verdadeira ebulição cultural). Incapaz de se renovar, o regime iniciado por Salazar não alterou, durante os 48 anos em que vigorou, seu modelo antidemocrático e colonialista.
Em 1970 o ditador morre, mas a ditadura permanece e perdura por mais quatro anos, sob o comando do também professor Marcelo Caetano.
Já “orgulhosamente só”, e apesar da condenação generalizada da comunidade internacional, o regime mantém nos últimos treze anos de sua existência (de 1961 à 1974) um combate direto nas colônias africanas que lutavam pela independência. Para resolver tal problema, diziam os “marcelistas”, era necessário reforçar constantemente os esforços de guerra (uma solução política, segundo eles, era impossível ou inviável). Essa política determinaria o fim do governo que a criara.