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Edição: Agosto 1976
Publicado por: editorial Fronteira
Coordenação e prefácio: Serafim Ferreira
Capa: Reúnem-se neste livro os textos mais importantes divulgados na campanha de OTELO às elecções presidenciais. Trata-se de documentos de formação ideológica, que deverão servir para uma discussão mais profunda sobre os orgãos populares de base, tendo em conta as directrizes neles apontadas para uma efectiva aliança das forças progressistas para se atingir uma verdadeira proposta de UNIDADE POPULAR. Com o seu firme exemplo político, OTELO foi realmente a força impulsionadora dessa «unidade popular». Cabe agora aos GDUP's prosseguir na lura política e organizativa que se impõe. Os GDUP's terão de ser a realidade política que os 800 000 votos em Otelo esperam e exigem.
Transcrição e HTML: Graham Seaman.
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«Se ousarmos continuar a lutar — Venceremos.» OTELO
1. Quando se tornou realidade a candidatura de Otelo às eleições presidenciais de Junho de 76, logo se pensou que o seu reaparecimento político seria incómodo para o «jogo» eleitoralista que teria de cumprir-se. As forças da direita, sobretudo o CDS e o PPD, associando-se para darem todo o apoio e cobertura política a Ramalho Eanes, candidato militar já há muito nas preferências de um PS — especialmente se se tiver em conta os resultados das eleições para a Assembleia da República favoráveis ao Partido Socialista —, pensaram que Eanes seria também o «seu» candidato, mesmo que num futuro próximo pudesse sobretudo demarcar-se (como, pensamos, deverá fazê-lo) das razões ideológicas de um CDS, mergulhado ainda no «saudosismo» político dos bons velhos tempos do fascismo salazarista; as forças mais «hesitantes» (onde se devem incluir elementos afectos ao PS e ao PPD), voltaram-se para Pinheiro de Azevedo, que apareceu nesta campanha um tanto «desprotegido», já que declaradamente não tinha, à partida, o apoio decisivo de quaisquer forças políticas, mas sabe-se que contava com a simpatia de muitos eleitores simpatizantes dos partidos já referidos (o que, aliás, não seria de espantar, se pensarmos que o PPD e o PS apoiaram com grande euforia Pinheiro de Azevedo nos começos do VI Governo Provisório — e os resultados agora por ele obtidos comprovam isso mesmo). Por sua vez, as forças de esquerda fizeram o seu próprio jogo: o PCP seguiu uma campanha ideológica, nitidamente partidária, com um candidato próprio: Octávio Pato, um verdadeiro lutador antifascista, homem com um passado político bem conhecido nas duras e heróicas lutas da clandestinidade do seu Partido; a extrema-esquerda, os partidos considerados «minoritários», como MES, FSP, PRP, UDP e outras forças apostaram claramente num candidato que é o símbolo da libertação trazida em 25 de Abril de 74. OTELO é realmente a personalidade que, longe de ser tida como «divisionista», deveria antes mobilizar e congregar as massas do povo trabalhador, as camadas mais exploradas e oprimidas, contribuindo assim para um amplo e bem necessário movimento de unidade popular.
2. E assim realmente aconteceu. A viagem ao Porto para participar no comício dos 50 anos de fascismo em Portugal, deu logo a certeza de que a campanha de Otelo (ainda a alguns dias do seu início) seria verdadeiramente triunfal ao nível da mobilização de massas e da congregação de esforços para que a unidade popular se tornasse realidade, não apenas à boca das urnas, mas sobretudo, quaisquer que fossem os resultados obtidos, num período pós-eleição do Presidente da República, no sentido de dar corpo e vida própria ao projécto que esteve na base da candidatura de Otelo: aproveitar esse largo movimento de massas para se consolidarem os Grupos Dinamizadores de Unidade Popular (GDUPS), no sentido também de que o poder popular, através dos seus órgãos de base (comissões de moradores e de trabalhadores, conselhos de aldeia e outros órgãos não-partidários), seja uma força política viva e actuante, capaz de se afirmar positivamente no plano das realidades concretas deste País a refazer-se em todos os sectores e se alcançar assim a desejada sociedade socialista.
Essa viagem ao Porto — os pequenos comícios em Azambuja, Entroncamento, Coimbra e Ovar foram a «imagem» antecipada do que seria, em termos de verdadeira adesão popular, plena de entusiasmo e de calor revolucionário, a recepção apoteótica de largos milhares de pessoas que, nessa noite memorável de 29 de Maio, pejavam as ruas da baixa portuense, desde a Estação de S. Bento até ao cimo da avenida dos Aliados, onde estava instalada a tribuna para o comício comemortivo dos 50 anos de fascismo — foi realmente para Otelo a confirmação de que a sua luta (ele que dispôs do Poder e não o aceitou, e agora pretendia alcançá-lo pelo caminho mais difícil...) nas eleições presidenciais seria uma «arrancada» política com objectivos bem concretos e não a mera «aventura» de um homem e militar do MFA que, mergulhado em diversas «aventuras» depois do 25 de Abril, todas elas sempre ao lado dos interesses das forças trabalhadoras, e até ao «golpe» do 25 de Novembro, pretende agora (e disso deu depois sobejas provas em vários comícios, entrevistas, mesas-redondas, conferências de imprensa, etc.) dar a imagem verdadeira e autêntica da sua personalidade irradiante de simpatia, de calor humano, de profunda comunicabilidade. O dicurso do Porto, directo e incisivo, politicamente bem demarcado, apontou desde logo o tom de verdade e de autenticidade que Otelo imprimiria em todos os actos ligados à sua campanha eleitoral.
3. Ora, os resultados conseguidos por Otelo exprimem, sobretudo, duas verdades: a) a sua «proposta» de luta não foi divisionista e nem sequer «fez o jogo» que mais convinha à direita; b) as «forças de esquerda» que apoiaram Otelo e sairam vitoriosas desta prática política, puderam confirmar (e não apenas pelos números) como foram amplos e participativos os comícios realizados durante a campanha, de Norte a Sul, testemunhando que as massas trabalhadoras sabem optar sempre que estão em jogo os seus próprios interesses. Mas os cerca de 800 mil portugueses que votaram em Otelo sabem também que votaram a favor de um «projecto político» que deverá ser realizado e concretizado na prática e através de uma actuação política que, recusando certos «aventureirismos», saiba encontrar as formas de luta adequadas a uma atitude política que, pelo número dos seus aderentes, tenha no jogo democrático das instituições agora vigentes o peso e a responsabilidade que se lhe exige. A organização revolucionária sob a forma dos GDUPs poderá ser de facto um passo decisivo num amplo movimento de esquerda ou frente revolucionária (mas não uma repetição da FUR...), que objective e consolide, através de posições ideológicas mais correctas, as várias e diversificadas tendências defendidas e conhecidas pelos partidos da chamada «extrema-esquerda». Os GDUPs têm de ser a realidade política que deles se espera e que os resultados da campanha de Otelo impõem. De contrário, sim, corre-se o risco de uma vez mais se «naufragar» numa certa desorientação política que, na prática, só poderá servir os interesses dos partidos da direita reaccionária, hoje mais do que nunca à espera de todo e qualquer deslize dos grupos e forças progressistas de esquerda.
4. Reúnem-se neste livro os textos que consideramos mais importantes e foram divulgados durante a campanha eleitoral de Otelo. Trata-se de documentos de formação ideológica, que deverão ser uma base de discussão mais profunda sobre os órgãos de vontade popular, tendo em conta as directrizes neles apontadas para uma efectiva aliança de todas as forças progressistas e os caminhos e formas de luta a considerar para uma verdadeira proposta de unidade popular. Otelo foi realmente a força impulsionadora dessa «unidade popular». Cabe agora a todos os homens de esquerda, com ou sem partido, saber participar nessa corrente, sem quaisquer preconceitos ideológicos ou de classe.
Porque é verdade: se ousarmos continuar a lutar — VENCEREMOS!
Julho de 1976.
SERAFIM FERREIRA
No passado dia 13, em Assembleia Geral de Trabalhadores da Lisnave — Margueira — Rocha, foi aprovada por esmagadora maioria a Moção abaixo transcrita. Apenas 50 trabalhadores votaram contra, tendo igualmente, sido lidas, mas rejeitadas por esmagadora maioria, duas moções que propunham a candidatura de Vasco Gonçalves e outra por um Governo de Maioria de Esquerda.
Considerando as manobras dos vários partidos da burguesia para encontrarem um candidato comum para a Presidência da República.
Considerando que as manobras em curso destinam-se a garantir a continuação da exploração e da opressão sobre os trabalhadores.
Perante isto os trabalhadores sentem a necessidade de apoiar a candidatura de quem se proponha defender com a Classe Operária e demais trabalhadores as conquistas realizadas pelo Movimento Popular depois do 25 de Abril de 1974.
Pelas provas dadas enquanto homem do 25 de Abril e como comandante do COPCON no apoio às lutas dos trabalhadores nomeadamente na Reforma Agrária, nas ocupações de terras, fábricas e casas e no apoio às Comissões de Moradores e Trabalhadores, como Órgãos de Poder Popular, Otelo Saraiva de Carvalho é o candidato à Presidência capaz de defender um programa que sirva às Classes Exploradas, para a consolidação e avanço do Poder Popular.
Margueira, 13 de Maio de 1976.
O Conselho Nacional da UDP, na sua II sessão plenária realizada em 15 e 16 de Maio de 1976, apreciou diversos assuntos da maior actualidade política e tomou algumas deliberações.
1. Debateu nomeadamente o profundo significado do impetuoso movimento popular que se desencadeia actualmente de norte a sul do País em apoio à candidatura do General Otelo Saraiva de Carvalho para a Presidência da República. Este grande movimento que se tem manifestado de múltiplas formas e abrange cada vez maior número de organizações de massas é bem o exemplo da determinação do nosso povo de recusar o regresso ao passado e avançar na luta contra o fascismo, a miséria e o imperialismo.
O Conselho Nacional da UDP, nestas condições, decide proclamar o total apoio da UDP à candidatura do General Otelo à Presidência da República. Esta é a candidatura do 25 de Abril do povo, contra o regresso do fascismo, no avanço da luta por um Governo antifascista e patriótico.
2. O Conselho Nacional da UDP conclama todos os militantes e simpatizantes, de norte a sul do país e nas ilhas a integrarem-se imediatamente numa base unitária e apartidária, com todos os antifascistas, em comissões de unidade popular de apoio à candidatura do General Otelo Saraiva de Carvalho. O Conselho Nacional da UDP denuncia desde já ao povo português as manobras da burguesia tendentes a colocar o General Otelo em condições de não poder concorrer.
O Conselho Nacional da UDP considera que, no momento em que os Pides são soltos, em que generais fascistas e criminosos de guerra, comprometidos com a Pide, como Kaúlza de Arriaga, podem votar e têm o descaramento de pretender concorrer às eleições presidenciais, tais manobras tendentes a tornar inelegível o General Otelo são um miserável insulto ao povo português. São manobras contra o próprio 25 de Abril, e que a serem levadas a cabo, não ficarão seguramente sem a devida resposta popular.
O Conselho Nacional da UDP denuncia também a atitude divisionista e traidora dos dirigentes do partido de Cunhal, que projectam apresentar uma candidatura própria que só favorece os fascistas e que se destina a dividir o campo popular. Ao mesmo tempo, o Conselho Nacional denuncia a política dos dirigentes do PS, que apoiando a candidatura de Ramalho Eanes, traíram o voto antifascista de centenas de milhares de trabalhadores honrados nas últimas eleições.
O General Otelo Saraiva de Carvalho é o Presidente do Povo, é o garante de que a Constituição será uma arma nas mãos do povo.
O General Otelo é o candidato da unidade entre a cidade e o campo, o Norte e o Sul, o Continente e as Ilhas; é o candidato da Independência Nacional; é o candidato que melhor que ninguém assegurará a defesa e o desenvolvimento das organizações populares de base; é o candidato da democracia nas Forças Armadas.
Ao apoiar o General Otelo o Conselho Nacional da UDP sabe que ele é o único candidato capaz de assegurar uma política que esteja em todos os domínios ao serviço do povo.
3. O Conselho Nacional da UDP aprovou uma resolução sobre a política de mobilizar todos os militantes e simpatizantes para a luta por uma Central Sindical Única, democrática e apartidária, eleita em Congresso democrático de todos os sindicatos, assim como na defesa intransigente da unicidade sindical.
4. Por fim, o Conselho Nacional da UDP, aprovou uma resolução sobre o trabalho de desenvolvimento da Frente Cultural, incitando os seus militantes a impulsionarem o reforço e alargamento da Pró-Fapir (Pró-Frente de Artistas Populares e Intelectuais Revolucionários), democrática e apartidária, e ainda promovendo a preparação do 1.º Encontro Nacional da UDP sobre cultura popular.
Conselho Nacional da UDP.
«Amigos e Companheiros:
«Estando proibido, sob pena de regressar a Santarém debaixo de prisão, de participar em comícios, reuniões, manifestações, etc., não posso, com pena, comparecer no plenário que está a decorrer no Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Pelos companheiros que agora são portadores desta minha mensagem, tomo conhecimento do extraordinário calor e entusiasmo com que decorre o plenário. Um obrigado com um abraço muito amigo a todos vós, pela confiança que, apesar de todas as minhas hesitações e contradições ao longo do processo, vocês continuam a depositar em mim.
«Da minha parte podem crer que estou inteiramente convosco, do mesmo lado da barreira, na tremenda luta de classes que se desenvolve no País desde o 25 de Abril de 1974. E uma vez mais as eleições para a Presidência vão demarcar perfeitamente os dois campos em luta. Vocês devem ter consciência plena de que esta luta vai ser muito, muito dura. À partida, a classe dominante no Poder tem tudo a seu favor: o aparelho de Estado que domina, o poder financeiro dos grandes partidos burgueses eleitoralistas, o poder que lhe vem dos órgãos de informação que controla na quase totalidade. Tudo isso constitui para a classe trabalhadora explorada do nosso país, para os humildes e os oprimidos, um imenso desafio. Vamos aceitá-lo, lutaremos pelo êxito — e a vitória sorrir-nos-á.
EM FRENTE PELA REVOLUÇÃO SOCIALISTA!
A LUTA CONTINUA!
ATÉ À VITÓRIA, SEMPRE!
OTELO
Camaradas:
A candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho à presidência da República, apresenta-se como última alternativa às massas trabalhadoras, aos explorados e oprimidos.
Com efeito, os Eanes, Pinheiros de Azevedo é outros que tal representam o papel de candidatos da burguesia exploradora, representam a caminhada para o fascismo iniciada com o golpe reaccionário do 25 de Novembro que eles próprios projectaram. Golpe esse em que a maioria das conquistas dos trabalhadores até essa data foram negadas e esmagadas pela burguesia.
Otelo, pelo contrário, representa essas mesmas conquistas, representa a defesa das ocupações revolucionárias de .casas e terras pelos trabalhadores, representa a democracia dentro dos quartéis (que agora Ramalho Eanes transformou na feroz disciplina militarista aconselhada pelo RDM fascista), Otelo representa o poder popular, a Revolução Socialista.
Portanto, pela primeira vez desde o 25 de Abril, es trabalhadores, soldados e marinheiros, os camponeses pobres e todos os demais explorados, pela exploração desenfreada do capital nacional e estrangeiro, têm a oportunidade de se unirem em torno de um programa comum e de uma figura sobejamente conhecida, para dar à machadada final no capitalismo e na classe dominante — a burguesia.
Desta vez os trabalhadores já sabem bem que a «maioria de esquerda» que os enganou nas últimas eleições se provou na realidade uma maioria de direita, com as cúpulas do PS a apoiarem Ramalho Eanes ao lado dos partidos fascistas CDS e PPD. Por outro lado e desta vez os trabalhadores já podem verificar que o PC tenta dividi-los ao preferir apoiar um candidato que nunca conseguirá qualquer espécie de unidade, a apoiar um homem como Otelo Saraiva de Carvalho, que neste momento é já visto como o candidato das massas trabalhadoras.
O PC, que dizia inicialmente que apoiaria um militar que representasse o espírito libertador do 25 de Abril, ao ver que o PS (com quem contava fazer isso) fugia para a direita ao mesmo tempo que os seus militantes (do PC) fugiam para a esquerda, apressou-se a apresentar um candidato que não é carne nem é peixe, ou seja, não compromete nem à esquerda nem à direita.
Mas os trabalhadores de base do PS e do PC já lhes deram a resposta adequada ao apoiarem massivamente a candidatura revolucionária de Otelo Saraiva de Carvalho.
CANDIDATURA REVOLUCIONÁRIA,
AO SERVIÇO DA CLASSE OPERÁRIA.
PELA REVOLUÇÃO SOCIALISTA.
PELO PODER POPULAR.
Organização Local de Viana do Castelo do PRP.
19 de Maio de 1976.
A candidatura do general Otelo não pode ser encarada por nós como uma simples campanha eleitoral.
Para o povo trabalhador a resolução dos seus problemas tem que vir das suas próprias forças, do reforço da sua unidade, da sua organização, da sua experiência de luta.
Quando nos organizamos para levar por diante a candidatura do general Otelo, temos sobretudo em mente pôr em marcha uma grande campanha de luta pela unidade do Povo trabalhador, do reforço das suas organizações populares de base, de relance das lutas do Povo pela defesa dos seus interesses.
Para marcar bem este nosso intento, as organizações que por toda a parte devemos criar para esta campanha, terão a denominação de Grupos Dinamizadores de Unidade Popular — GDUPS.
Nestas comissões terão lugar todos os que se disponham a apoiar a candidatura do general Otelo, com ou sem partido, qualquer que ele seja.
Às comissões poderão aderir não só os indivíduos, como sobretudo as organizações populares de base, Sindicatos, Colectividades.
As comissões funcionarão democraticamente e elegerão uma estrutura coordenadora da sua actividade.
O peso relátivo dos indivíduos e dos aderentes colectivos (Comissões de Trabalhadores, Comissões de Moradores, etc.), será determinado localmente.
As Comissões podem ser não só locais, como também de empresa.
Durante a campanha prevê-se a possibilidade de coordenação entre as organizações populares de base, tendo especialmente em vista o seu futuro desenvolvimento.
No mais curto prazo de tempo devem ser criadas Comissões Distritais em todas as sedes de distrito, que se devem dotar de Sede e Aparelho Técnico de propaganda.
As Comissões Distritais serão ratificadas pela Comissão Nacional e deverão por sua vez ratificar todas as Comissões de Coordenação, a nível de concelho ou equivalente, que haja necessidade de criar.
Todas estas estruturas deverão ser democraticamente eleitas quando estiverem reunidas condições para tal.
A Comissão Nacional dotar-se-á de todos os serviços que forem necessários à sua actividade, especialmente de uma secção de fundos que responsabilizará a todos os níveis um tesoureiro, que deverá responder pela boa organização da recolha de fundos para a campanha.
A Comissão Nacional promoverá um Plenário com representantes eleitos em todo o país para a sua eleição democrática desde que possível.
A Comissão Nacional é especialmente responsável por coordenar a sua actividade com o gabinete do general Otelo, no sentido de lhe prestar todo o apoio necessário à campanha.
Maio de 1976.
COMISSÃO NACIONAL PARA A CANDIDATURA DE OTELO
Companheiros e Amigos:
(...) O Povo pode vencer se contar com as suas próprias forças. Podemos ganhar se tivermos coragem para ganhar. Podemos derrotar os inimigos do Povo se tivermos confiança, se soubermos unir-nos, se ousarmos lutar, se ousarmos vencer, se contarmos com as nossas forças. O Povo pode vencer se contar com as suas próprias forças.
Actualmente, a situação é difícil.
Os patrões regressam e impõem despedimentos. Os agentes da ex-DGS são postos em liberdade, sem que se preveja os seus julgamentos. Os preços sobem. Os salários não sobem ou sobem pouco. Não há casas. Os géneros faltam. A Polícia e a GNR intervêm de novo para ordenar os despejos, para vigiar as herdades colectivas do Alentejo, ou para agredir os trabalhadores, como tem acontecido aqui, mas são deixados à vontade os terroristas e os grandes patrões que querem impor a sua lei. Os ministros fazem coro a dizerem aos trabalhadores que têm de trabalhar mais e ganhar menos, senão Portugal desaparece, perde a independência. O Estado ou não faz nada, ou começa mesmo a ir contra os trabalhadores. Nas aldeias, nos escritórios, nas escolas, nas fábricas, em toda a parte, os homens importantes do tempo de Salazar e de Marcelo começam a voltar ao de cima, levantam a cabeça e tentam impor a sua lei aos trabalhadores, aos pequenos proprietários, aos estudantes, aos professores.
Que quer isto dizer?
Quer dizer que os donos das fábricas, os donos dos prédios, os grandes senhores da terra foram apanhados de surpresa no 25 de Abril de 1974. E como foram apanhados de surpresa, tiveram que recuar.
Muitos fugiram, levando para o estrangeiro o que tinham: notas estrangeiras, ouro e jóias, objectos de arte, etc. Outros, muitos outros, ficaram cá. Recuaram mais e mais. Às vezes parecia que tinham perdido. Mas não tinham. Organizaram-se, secretamente nuns casos, publicamente noutros. Aproveitando os erros do Movimento Popular, aproveitando a falta de uma direcção política popular, socialista e democrática, passaram ao ataque. E ainda não estão contentes. Continuam ao ataque.
Aproveitando as eleições para ja Presidência da República, que fazem eles agora?
Unem-se por detrás de um candidato honesto. Unem-se todos. Os donos das fábricas e os grandes senhores da terra. Mesmo os partidos progressistas e os generais menos progressistas.
Que querem eles? Os donos das fábricas e os grandes senhores da terra querem destruir as conquistas do 25 de Abril.
Os donos das fábricas e os grandes senhores da terra querem pôr o Estado ao seu serviço. Querem voltar ao 24 de Abril ou querem uma coisa parecida.
Isto é o que os patrões querem. Não é o que os trabalhadores querem.
Não é o que a maioria dos portugueses quer.
Unidos, contando com as nossas próprias forças, podemos vencer. Podemos impor a Reforma Agrária. Podemos impedir as desnacionalizações. Podemos impedir o regreso do fascismo. Podemos fazer avançar as organizações de base. Podemos impedir o desemprego e a alta do custo de vida. Podemos conquistar a independência nacional. Podemos impedir que a Constituição seja utilizada pelos patrões para imporem um regime reaccionário. Unidos, ousando lutar, ousando vencer, podemos avançar para o socialismo.
A conquista da independência nacional é um passo fundamental para conquistarmos o socialismo. É um passo essencial para que haja em Portugal um Governo popular, um Governo que queira resolver os problemas do País com o apoio dos trabalhadores, com a força dos trabalhadores — do campo, da cidade, das fábricas, dos escritórios, das escolas.
O que é a independência nacional?
A independência nacional é sermos nós, portugueses, a mandar em Portugal. É arranjarmos maneira de não dependermos dos países imperialistas para vivermos. Consiste em termos boas relações com todos os povos e países que aceitam a independência nacional.
Os Estados Unidos, e outros países, não aceitam que Portugal seja efectivamente independente. Intervêm na política portuguesa. Não são o único país a intervir na nossa vida, mas são o principal, o mais forte.
Como é que se vê esta intervenção na nossa vida? Não é nada de secreto.
Depois das eleições para a Assembleia Legislativa, a imprensa americana — e a europeia também — começaram a fazer propaganda a favor do Governo que querem em Portugal. Dizem que um Governo de esquerda é mau e não é democrático. Dizem também que um Governo só do PS também não serve, que não se aguenta. Querem amarrar o PS a uma aliança com os partidos da direita. Que têm eles com isso? Será que nós dizemos aos americanos em quem é que eles devem votar?
Mas não são só os estrangeiros que defendem o imperialismo e que atacam a independência nacional. Os imperialistas têm cá aliados. Sempre tiveram. O imperialismo é um sistema mundial, é um sistema internacional, e em todos os países há partidos políticos que defendem o imperialismo, em todos os países há camadas sociais que defendem o imperialismo, em todos os países há chefes políticos que defendem o imperialismo e atacam a independência nacional.
Em Portugal, no tempo do fascismo, os dirigentes políticos do Governo defendiam o imperialismo. Quando os donos das fábricas estrangeiras chamavam a polícia para reprimir os trabalhadores, eles apressavam-se a mandar a polícia reprimir os trabalhadores. Foi assim durante cinquenta anos.
E hoje há vários partidos e dirigentes políticos que defendem o imperialismo. Que dizem estes dirigentes? Dizem que não temos dinheiro, que somos um País pobre, que precisamos de empréstimos do estrangeiro, que temos de nos portar bem para conseguirmos os empréstimos do estrangeiro. Dizem que temos que nos portar como os americanos e os alemães querem que nós nos portemos.
Ainda há poucos dias um dirigente político português, falando a americanos, lhes disse que nós precisávamos de um plano Marshall, feito pelos técnicos americanos. Para conseguir isso prometeu a contenção dos salários, quer dizer: prometeu aumentar os preços e não deixar aumentar os salários.
Esta proposta de um novo Plano Marshall feito no estrangeiro é um insulto aos portugueses. Pedir isso é o mesmo que dizer que em Portugal não há quem saiba fazer um plano. Será isso verdade? Não. Os trabalhadores portugueses, os técnicos portugueses, são perfeitamente capazes de fazer um plano. E também temos cá dinheiro e trabalhadores para fazer os investimentos de que necessitamos.
Será verdade que as promessas de ajuda estrangeira se têm tornado realidade?
Basta ver as estatísticas oficiais. No ano passado os estrangeiros mandaram para Portugal 7 milhões de contos. É muito dinheiro. Mas o que aconteceu é que nós, portugueses, mandámos para o estrangeiro ainda mais dinheiro: mandámos 11 milhões de contos de lucros das empresas estrangeiras em Portugal. Dizem-nos que precisamos de ajuda do estrangeiro. Dizem-nos que os estrangeiros estão a ajudar-nos. Mas será isto verdade? Como é que pode ser verdade se estamos a mandar para o estrangeiro mais dinheiro do que recebemos do estrangeiro?
Somos nós que estamos a ajudar os países imperialistas que nos exploram. Não só obrigamos mais de um milhão de portugueses a trabalhar no estrangeiro, mas também mandamos mais capital para os países imperialistas do que recebemos deles.
Portugal é um País pobre. Somos mesmo o País mais pobre da Europa. Mas será que por causa disso precisamos de ajuda dos países imperialistas? Será que essa ajuda é que nos vai libertar da pobreza? Poderemos passar sem essa ajuda?
(...) Foi a aliança entre os donos das fábricas portuguesas e os donos de fábricas estrangeiras que fez com que Portugal fosse tão pobre como é. Se vierem mais capitais estrangeiros — e não vêm tão cedo — não vamos ficar mais ricos por isso.
Podemos passar muito bem sem a «ajuda» estrangeira. Podemos conquistar a nossa independência nacional. Já o Marquês de Pombal dizia que um homem em sua casa é tão poderoso que mesmo depois de morto são precisos quatro para o tirarem de lá. Os homens e as mulheres de Portugal não estão mortos, estão vivos.
Podemos conquistar a independência nacional. E, se não a conquistarmos, continuaremos pobres e oprimidos.
Podem dar-nos uma farda mais bonita, podem prometer-nos um automóvel com mais cromados. Mas continuaremos a ser os criados dos capitalistas estrangeiros e portugueses.
Podemos conquistar a independência nacional. Temos que contar com as nossas próprias forças, aliarmo-nos aos povos amigos sobretudo os do Terceiro Mundo.
(...) Os donos das fábricas e os senhores da terra querem voltar a dividir os trabalhadores.
A unidade dos empregados de escritório, dos bancários, dos funcionários públicos, dos professores, dos camponeses pobres e remediados, dos trabalhadores rurais, dos operários das fábricas, dos trabalhadores da construção civil é a única garantia da defesa da Constituição e da democracia, é a única barreira contra o regresso do fascismo, é o único instrumento para avançarmos para o socialismo.
Os camponeses pobres e remediados, os pequenos e médios proprietários do campo, sabem muito bem quem é culpado da pobreza em que vivem. Quando os camponeses vendem a batata a 6 escudos o quilo e vão à cidade e a vêem a 10 escudos o quilo, os camponeses pobres e remediados sabem muito bem que não são os empregados de escritório, nem os bancários, nem os funcionários públicos, nem os operários das fábricas que arrecadam a diferença e enriquecem com ela. Os camponeses pobres e remediados sabem muito bem quem fica com a diferença, quem enriquece à custa deles são os comerciantes intermediários, que compram barato no campo para venderem mais caro na cidade.
Como é que se faz a unidade de todo o povo, como é que se conquista a unidade de todos os trabalhadores, do campo e da cidade, das fábricas e dos escritórios?
Os trabalhadores têm de construir a sua unidade em todas as alturas e em todas as circunstâncias. Têm de construir a unidade nas eleições presidenciais. Têm de construir a unidade nas eleições para as câmaras e para as freguesias. Os trabalhadores têm de construir a sua unidade nos sindicatos e nas lutas sindicais.
Os órgãos populares de base são um dos melhores instrumentos para cimentar a unidade de todos os trabalhadores.
(...) Os órgãos populares de base são a principal garantia de defesa da democracia. As leis podem prometer lindas coisas. A televisão e o parlamento podem jurar que vão defender os trabalhadores. Se os trabalhadores não estiverem unidos e organizados nos locais onde trabalham, e nos locais onde vivem, os donos das fábricas e os senhores da terra podem facilmente passar ao ataque e estabelecer a sua lei no escritório, na fábrica, na oficina, nos campos.
Os órgãos populares de base são a principal garantia da democracia. E são, ao mesmo tempo, a concretização de uma forma nova de democracia. Uma nova democracia em que as decisões são tomadas pelos homens a quem essas decisões dizem respeito. Os órgãos populares de base são uma forma de os trabalhadores tomarem o poder com as suas próprias mãos, são uma forma de os trabalhadores defenderem os seus interesses, de fazerem obras de que precisam e de se oporem a decisões que os prejudicam.
(...) Os donos das fábricas têm um plano para a economia portuguesa. É um plano simples. Consiste em aumentar os lucros dos patrões. Quando os lucros estiverem a aumentar, vêm os investimentos estrangeiros, que ajudam a aumentar os lucros.
Como é que os donos das fábricas querem aumentar os lucros? Investindo, trazendo novas máquinas para que o trabalho renda mais? Melhorando a formação profis sional dos trabalhadores do campo e da cidade? Não. Os donos das fábricas e os senhores da terra querem aumentar os lucros aumentando os preços e baixando os salários.
Como é que se baixam os salários?
A primeira forma é aumentar o desemprego. Já há cerca de meio milhão de desempregados em Portugal. Aumentando o desemprego, os donos das fábricas aterrorizam os trabalhadores, e obrigam-nos a aceitar salários baixos.
A segunda maneira de baixar os salários consiste em aumentar os preços: os trabalhadores recebem o mesmo vencimento, ou o mesmo salário, e os camponeses recebem o mesmo pelos produtos que vendem. Mas têm que pagar os produtos que compram muito mais caro. Mais tarde ou mais cedo, os donos das fábricas e os senhores da terra vão impor a desvalorização da nossa moeda, do escudo. Quer isto dizer que temos de dar mais escudos para comprar os mesmos dólares ou os mesmos francos. A desvalorização fará aumentar todos os preços, não vai é aumentar os salários e os vencimentos.
A terceira forma de diminuir o salário é aumentar o tempo de trabalho. É mais difícil, mas já a têm tentado.
Para justificarem tudo isto, os que nunca trabalharam a sério, os que nunca conheceram dificuldades, dizem que a vida está má, que é preciso trabalharmos mais, que tem de haver austeridade, que os salários não podem subir, que já subiram muito, que é preciso um contrato entre os patrões e os sindicatos, para os patrões aumentarem os preços e os trabalhadores trabalharem mais. Se os trabalhadores não quiserem, é porque são desordeiros e então manda-se-lhes a polícia.
Os donos das fábricas e os senhores da terra preparam aquilo que sabem fazer: a miséria e o desemprego, à espera de viverem à custa do dinheiro dos emigrantes.
Para isso ameaçam com fusões de bancos e de jornais, começam a preparar as desnacionalizações, lançam-se contra a Reforma Agrária, congelam a contratação colectiva, consentem que os patrões fujam às negociações, atacam os sindicatos.
Os trabalhadores têm de impôr um regime económico em que não haja despedimentos e em que o emprego aumente. Os trabalhadores têm que impôr um regime económico em que os preços só subam quando houver aumentos de preços dos produtos importados.
Para conseguir isto é necessário que a economia obedeça às necessidades dos trabalhadores e não às ordens do capitalismo, português e estrangeiro. O centro da economia portuguesa tem que ser em Portugal.
O controlo da produção pelos trabalhadores, com o apoio do Estado, permite, na fábrica, no escritório, na aldeia, no monte, avançar soluções que apontam para o socialismo, que começam a pôr fim à exploração e à miséria.
É o aumento da produção que permite imediatamente o emprego: se os portugueses não têm casa, se as fábricas de cimento não trabalham em pleno, se há cerca de meio milhão de desempregados, porque é que não se constroem casas? Se os portugueses e as portuguesas não têm roupa que chegue, se as fábricas de têxteis não estão a trabalhar em pleno, se há despedimentos na indústria de vestuário, porque é que não se fazem fatos para os portugueses?
Como é que se consegue pôr a economia ao serviço dos portugueses?
É dando prioridade à agricultura.
É dando prioridade às indústrias que trabalham para a agricultura e às indústrias que utilizam produtos do campo.
É acabando com os intermediários que compram barato no campo para venderem caro na cidade.
É ajudando os camponeses a fazerem cooperativas que lhes permitam vender os seus produtos na cidade.
É isto que os trabalhadores do Alentejo já estão a fazer, embora tenham muito pouco apoio do Estado.
A Constituição Portuguesa é uma Constituição progressista. Consagra muitas conquistas dos trabalhadores. Mas a Constituição deixa muito campo para os donos das fábricas e os senhores da terra prepararem o regresso do fascismo.
A Constituição dá muitos poderes ao Presidente da República. Em último caso, cabe-lhe a ele decidir se Portugal é governado por um governo de direita, contra os trabalhadores, ou se é governado por um governo de esquerda, que sirva os trabalhadores.
Há muitas forças que querem voltar a Constituição contra o povo (...) Os donos das fábricas e os senhores da terra querem lançar a Polícia e a Guarda primeiro, e o Exército depois, contra o povo. A política anti-popular que a direita quer realizar, as imposições do capitalismo e do imperialismo, vão exigir que a repressão aumente. Os donos das fábricas e os senhores da terra querem manipular e instrumentalizar as Forças Armadas, colocá-las ao serviço dos lucros e das especulações. Os capitães do 25 de Abril não poderão consentir que seja de novo oprimido o povo que libertaram.
Caberá ao novo Presidente da República Portuguesa, a eleger dentro de um mês, assumir a responsabilidade de, como representante do Povo que o vai eleger, cumprir rigorosamente a Constituição, não consentindo que ela se volte contra os trabalhadores.
Para tal, será necessário que, com o Povo trabalhador português, defenda a reforma agrária; defenda as nacionalizações e o controlo da produção pelos trabalhadores; defenda e desenvolva os órgãos populares de base, as comissões de trabalhadores, as comissões de moradores e os conselhos de aldeia; defenda a descolonização, a independência nacional contra o imperialismo; defenda os pequenos e médios agricultores contra os intermediários; defenda a pureza dos ideais do 25 de Abril e impeça que as Forças Armadas sejam manipuladas pelos donos das fábricas e pelos senhores da terra para usarem a violência contra os trabalhadores; combata o fascismo, com a mesma coragem com que o general Delgado e o povo trabalhador do Norte combateram o salazarismo e o marcelismo, evitando por todos os meios o regresso a uma longa noite de opressão.
AO COMEMORAR OS 50 ANOS DE LUTA ANTIFASCISTA EM PORTUGAL, DEIXO-VOS, POIS, UM APELO:
POVO TRABALHADOR DE PORTUGAL, UNIDO PARA A CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO.
VIVA PORTUGAL!
As palavras que vou proferir são dirigidas a todo o Povo português, com uma preocupação muito grande em relação aos mais desfavorecidos, e aos meus camaradas das Forças Armadas.
Falo ainda muito especialmente para as organizações populares de base que, com a força da sua movimentação através de todo o País do Norte ao Sul, uniram os trabalhadores das fábricas e dos campos, levando-os a exigir a minha candidatura, e ultrapassando as considerações pessoais das vantagens e dos inconvenientes que daí resultavam.
Declaro assim pública e formalmente, aceitar a minha candidatura à Presidência da República, contando sobretudo com o apoio concedido pelas organizações populares de base, as Comissões de Trabalhadores, os Conselhos de Aldeia e as Comissões de Moradores, que com a sua militância activa prometem participar ardorosamente na unidade dos trabalhadores e do Povo português em torno de um projecto que nos abra o caminho para uma sociedade socialista.
Quando na madrugada do 25 de Abril de 1974, juntamente com alguns companheiros de armas, tomei a responsabilidade de conduzir o derrube do regime fascista que oprimia o Povo português, havia em nós o sonho de construir na nossa terra uma sociedade mais livre, que assegurasse a todos os seus filhos uma existência mais humana e mais justa.
Dois anos se passaram, muito ricos de ensinamentos e de experiências. Temos a consciência de que os trabalhadores e o Povo português ganharam alguma coisa com o 25 de Abril. Mas também temos a convicção de que se alguma coisa foi feita, muito mais está por fazer, muitos erros estão ainda por corrigir, muitas injustiças estão ainda por reparar.
É preciso, pois, deitar mãos à obra, e com o trabalho do Povo português reconstruir um País empobrecido pela guerra colonial e pela exploração capitalista, colocando, finalmente, a economia portuguesa ao serviço de todos os portugueses e não só de alguns privilegiados. Esta candidatura não pretende ser uma competição em «jogos florais» e muito menos uma participação num concurso de televisão com promessas de «mundos e fundos».
A situação económica do País é muito grave e os trabalhadores portugueses têm o direito de conhecer essa verdade. O M.F.A. disse-o várias vezes, mas não era aos militares que competia resolver os problemas económicos. Quisemos que fossem os políticos a fazê-lo, mas estes parecem ter estado mais interessados nas disputas do poder do que na melhoria das condições de vida do nosso Povo.
As prolongadas e escandalosas negociações à volta da composição dos vários Governos são um exemplo público de que este último, chamado de «unidade nacional», não escapa à justa crítica do Povo Português. Não pretendo atacar ou discutir qualquer camarada militar escolhido pelas forças políticas como seu candidato. A responsabilidade do cargo e a nobreza do espírito de missão com que terá de ser encarado, exigem dignidade e respeito absolutos.
Mas não poderei deixar de denunciar as arbitrariedades cometidas no 25 de Novembro. Centenas de camaradas foram afastados das suas funções sem provas de uma acção política ou militar contra os interesses dos trabalhadores e do Povo Português e sem qualquer julgamento.
A história denunciará o 25 de Novembro como uma enorme maquinação destinada a desviar o processo revolucionário da linha de pureza que as classes trabalhadoras e militares generosos e progressistas lhe imprimiam.
Não poderei deixar de denunciar a tentativa de algumas correntes políticas no sentido de recuperarem as Forças Armadas para actuações que não visam defender o nosso Povo.
As nossas Forças Armadas pertencem a um País traído pelos políticos do regime fascista, que sem consultar os portugueses nos envolveram em guerras de antemão perdidas, contra a justa e legítima vontade libertadora dos povos colonizados.
Os militares não podem voltar a ser joguetes nas mãos dos novos senhores da política, marionetas para desfiles ou paradas, e muito menos polícias para proveito de meia dúzia de donos deste País.
Também não devemos reservar-nos para lugares de Administração Pública ou de empresas, pois não foi para tal que nos preparámos técnica e moralmente. O povo com o qual fizemos uma aliança desde a madrugada do 25 de Abril, espera a colaboração das F.A. Há herdades em todo o Portugal onde os trabalhadores precisam de apoio à sua organização, há inúmeras aldeias sem electricidade, sem água, sem esgotos, sem meios de comunicação, sem assistência sanitária. Há milhares de pequenos lavradores que precisam do nosso entusiasmo e da nossa disponibilidade para os ajudar nas suas cooperativas e no transporte dos produtos, de modo a retirá-los das garras dos especuladores e parasitas. Há ainda milhares de portugueses que vivem em barracas nas cinturas das nossas grandes cidades, que precisam do nosso apoio em máquinas e em braços, pois o problema da habitação só na conversa balofa dos políticos estará resolvido nos próximos anos. Do Minho ao Algarve, na Madeira e nos Açores há dificuldades de comunicação que impedem o transporte de doentes ou sinistrados, há a defesa das populações contra o terrorismo e a delinquência crescentes. Essas são as tarefas que temos de apoiar, colaborando com as forças militarizadas.
Algumas destas coisas chegaram a ser feitas e se hoje há tantas queixas nas zonas rurais é porque esta orientação não foi levada tão longe quanto possível. Trabalhemos fraternalmente com os povos do mundo inteiro e em especial com as novas nações de África de expressão portuguesa e com os povos do Terceiro Mundo. Sejamos as Forças Armadas da paz e não da guerra. Reabilitemo-nos assim do suporte que demos ao regime opressor.
Aceito as regras do jogo democrático para a formação do Governo. Aceito cumprir e defender a Constituição. Mas quero dizer aos meus camaradas do M.F.A. que o nosso papel, em aliança com o povo, é o de prosseguir o 25 de Abril, colaborando nas tarefas de reconstrução nacional. Quero proclamar aos trabalhadores e ao povo português, cujo poder a Constituição consagra, que foi a sua determinação e a sua vontade, que permitiram as conquistas mais sensíveis do 25 de Abril: as nacionalizações e a reforma agrária, ou seja, o desmantelamento das forças monopolistas de exploração do regime fascista. Foi ainda a sua força de ânimo e a sua coragem que permitiram dispormos agora de uma lei fundamental que aponta para a construção de uma nova sociedade mais justa e sem exploradores nem explorados.
A Constituição e o programa do Governo legitimados pela vontade popular são formas legais e de estabilização da vida política do País, que só têm valor se defenderem os interesses do povo. A caminhada para a sociedade socialista é longa e exige a mobilização de todos os trabalhadores. A transição para uma sociedade socialista que havemos de construir, requer que seja aprofundada e desenvolvida a prática democrática nas organizações populares de base, nas comissões de trabalhadores, nas comissões de moradores, nos conselhos de aldeia, nas cooperativas e associações.
Para isso, terão de ser afastadas as falsas divisões introduzidas na vida portuguesa. Há que identificar e consolidar os interesses comuns dos trabalhadores, para que a participação das organizações populares de base na soberania seja progressivamente aprofundada e concretizada.
Alguns erros foram cometidos na aprendizagem desenvolvida nos últimos anos. Outros foram bastante exagerados por órgãos de informação mais preocupados em servir interesses inconfessáveis do que em dizer a verdade aos trabalhadores e em defender as suas conquistas. Tentou-se ocultar que no 25 de Abril só a P.I.D.E. fez mortos, que este processo é, talvez, o mais pacífico e livre que até agora já se fez no Mundo. Procurou-se, assim, fazer esquecer a violenta e bárbara repressão do regime fascista. Apesar disso, ninguém poderá esquecer a aliança Povo/M.F.A.
Importa ainda falar na descolonização. Durante centenas de anos houve povos africanos esmagados pela exploração colonial. Com o 25 de Abril, as Forças Armadas abriram caminho para acabar com essa exploração e com guerras injustas que duraram catorze anos. Milhares de pessoas foram mortas e muitas mais sofreram na carne as consequências da violência colonizadora. Milhões de contos foram inutilizados sem quaisquer benefícios para as populações que os pagaram. Cumpre manifestar a nossa alegria pela paz e pela independência desses povos, lamentando que todo esse esforço não tivesse, antes, sido posto ao serviço das populações portuguesas e africanas atingidas. O Povo Português ganhou rapidamente consciência de que a sua liberdade passa também pela liberdade dos outros povos, de que os nossos verdadeiros interesses são também os interesses dos povos que conquistaram finalmente a sua independência.
A nossa dependência do estrangeiro é cada vez maior e quase que se mendigam empréstimos que aumentam progressivamente. Mas os investimentos necessários para resolver o grave problema do desemprego não se fazem. Assim, o número de desempregados continuará a aumentar. O aparelho de Estado não foi adaptado à defesa dos interesses dos trabalhadores e do Povo Português e ao seu papel na condução da economia. A agricultura, onde teremos de ir buscar os alimentos que agora importamos, e as indústrias que ocupam mais mão-de-obra são prejudicadas em benefício de projectos herdados dos governos marcelistas, onde vão ser investidos milhões e milhões de contos que apenas permitirão um pequeno aumento do número de postos de trabalho, agravando a nossa dependência de mercados e de tecnologias que nos escapam. A diminuição das nossas reservas impõe-nos austeridades no consumo e importações, que terão que ser adaptadas às nossas possibilidades. Daí quererem os capitalistas recuperar os seus privilégios para pisarem de novo os trabalhadores e se é verdade que o socialismo, a sociedade mais justa que queremos construir será para a geração dos nossos filhos, também é certo que os sacrifícios e o esforço de reconstrução nacional que é exigido pela situação do País e pela crise mundial do sistema capitalista só serão aceites para os trabalhadores, desde que saibam que esse sacrifício é feito no seu interesse.
Os militares que marcharam, generosos, pelas estradas do País na madrugada do 25 de Abril, assumiram um compromisso e uma responsabilidade que só ilusoriamente poderão ser distintas dos interesses do povo e dos seus filhos, que servem a Nação nas Forças Armadas.
A crise e a ruptura entre as classes com interesses opostos serão inevitáveis. Uma certa «ordem» virá a ser exigida ao serviço da burguesia. Aí terão de fazer os militares a sua opção.
Ou o diálogo entre cidadãos livres de um País livre e democrático, ou a violência repressiva contra os trabalhadores e a cedência às exigências dos grandes capitalistas que quererão retomar aquilo de que foram desapossados. A recuperação do capital não poderá ser democrática, pois teria de ser paga pela maioria, pelos trabalhadores.
Opção histórica, nesta oportunidade rara que o 25 de Abril ainda é. O povo português conhece já a minha escolha e a dos camaradas que comigo colaboraram. Pertencemos ao M.F.A. aliado do povo que o 25 de Abril libertou. Batemo-nos por umas Forças Armadas, onde reine a ordem e a disciplina postas ao serviço das necessidades dos mais humildes, como sempre se fez no COPCON, e não uma ordem e uma disciplina que constituam pretexto para reprimir os trabalhadores.
Continuarei com a vossa ajuda a mesma política no longo caminho para a construção de uma sociedade socialista.
A reforma agrária e as nacionalizações, a independência e a unidade nacional, desenvolvimento e consolidação das organizações populares de base, a melhoria das condições de vida da nossa população, umas Forças Armadas unidas e disciplinadas ao serviço do povo português.
A reforma agrária e as nacionalizações são as promissoras realidades que, se forem controladas pelos trabalhadores, podem mudar a fisionomia da nossa economia. Relativamente à independência nacional, o programa de Otelo aponta para a colaboração «dos interesses do povo português acima das pressões internacionais e para a solidariedade com os povos oprimidos».
«Lutaremos ainda pela unidade nacional contra a divisão entre os portugueses das cidades e os portugueses dos campos, contra a divisão entre os trabalhadores do Norte e os trabalhadores do Sul, pela unidade entre os agricultores pobres do Norte e os trabalhadores do Sul, pela unidade do povo do continente e o povo das ilhas».
Por outro lado, as organizações populares devem progressivamente assumir o controlo e as decisões sobre o seu destino colectivo e simultaneamente deve verificar-se o aumento dos bens e serviços essenciais à disposição dos trabalhadores e do povo.
Lutamos ainda por umas Forças Armadas unidas e disciplinadas, sim, mas postas ao serviço do povo português, ao qual pertencem e que lhes paga, e não por umas Forças Armadas para reprimir os trabalhadores como se pretendia no tempo do fascismo, e como muitos hoje voltam a desejar.
«Só com a unidade dos trabalhadores e de todo o povo português conseguiremos caminhar para uma melhoria das condições de vida da nossa população. Na unidade dos trabalhadores avançaremos para uma sociedade socialista onde os portugueses decidirão democrática e colectivamente o seu destino. Esta unificação das acções dos trabalhadores é mesmo um objectivo fundamental desta candidatura».
Portugueses, Amigos e Companheiros:
Candidato à Presidência da República por imposição popular, comprometo-me perante os trabalhadores e o povo português, no caso de ser eleito, a garantir as condições para que o povo, unido e organizado, avance na resolução dos seus problemas a caminho de uma sociedade nova onde seja possível o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras, a sociedade socialista.
Assim,
Comprometo-me a:
1. Assegurar a defesa da Constituição da República Portuguesa, conquista do povo, que deve ser posta ao serviço dos trabalhadores — dos assalariados do campo e da cidade, dos operários da indústria e dos pequenos e médios agricultores, dos funcionários públicos, dos professores e dos pequenos e médios rendeiros, dos técnicos e dos comerciantes pobres e remediados, dos empregados de escritório, da banca, dos seguros e do comércio.
Não consentir que as classes privilegiadas, que continuam a deter o poder, anulem o que existe de progressista na nossa lei fundamental.
Comprometo-me a:
2. Assegurar intransigentemente a defesa e o aprofundamento das conquistas fundamentais obtidas pelo povo português a partir do 25 de Abril:
— Reforma Agrária que deve ser levada a cabo, consolidada e desenvolvida com a intervenção decisiva dos trabalhadores, beneficiando os pequenos e médios agricultores e rendeiros.
— Controlo operário por parte dos trabalhadores, que deverá ser incentivado, desenvolvido e alargado a todo o País.
— Nacionalizações dos sectores básicos da economia, que não se pode permitir que sejam de novo postos ao serviço dos grupos capitalistas e que devem desenvolver-se para servir o povo e a independência nacional.
— Direito à greve, direito sagrado dos trabalhadores que não pode estar sujeito a regulamentações que o ataquem e o destruam.
— Liberdade de expressão e de associação, desde que não fomentem ideias e práticas fascistas ou fascizantes.
Comprometo-me a:
3. Defender, reforçar e desenvolver todas as formas de organização dos trabalhadores e especialmente as organizações populares de base, Comissões de Trabalhadores, Comissões de Moradores e Conselhos de Aldeia.
Estas organizações são uma criação fundamental e verdadeiramente democrática das massas trabalhadoras, garantem a sua real unidade e constituem condição indispensável quer para a resistência, quer para o avanço do movimento popular.
Comprometo-me a:
4. Garantir a organização sindical autónoma dos trabalhadores, independente do Estado e dos Partidos, contribuindo para a criação de condições que tornem possíveis as suas formas unitárias e democráticas.
Comprometo-me a:
5. Respeitar a vontade dos trabalhadores e do povo, expressa nos resultados eleitorais, nomeando o Primeiro Ministro de acordo com a Constituição e garantindo, nos termos constitucionais, que o Governo execute uma política que defenda os interesses dos trabalhadores e do Povo e não aceitando uma governação que abra caminho à violação dos princípios constitucionais ou que crie condições para o regresso ao fascismo.
Comprometo-me a:
6. Não admitir quaisquer tentativas para fazer pagar às classes trabalhadoras a crise económica capitalista. A crise terá de ser combatida através de uma política que assegure o aumento da produção dos bens essenciais, a descida dos seus preços ao consumidor, o combate ao desemprego pelo aumento dos postos de trabalho e a libertação da dependência face às potências imperialistas.
Como primeiro e importantíssimo passo para levar à prática uma política económica desta natureza, há que colocar as empresas e os sectores nacionalizados sob o controlo dos trabalhadores e ao serviço destes, em ordem à reorganização e à planificação da economia.
A resolução da crise económica só poderá ter lugar numa sociedade socialista, através da planificação económica, assente na independência nacional, na mobilização dos trabalhadores e na dinâmica criadora da sua luta.
Comprometo-me a:
7. Levar o 25 de Abril aos pequenos e médios agricultores e rendeiros de todo o país, que foram os grandes esquecidos e têm de ter direito ao produto do seu trabalho e a uma real melhoria das suas condições de vida, à construção de estradas, hospitais, escolas, luz, água e esgotos. Para tanto, não podem continuar sujeitos ao domínio dos grandes intermediários e tem de lhes ser assegurado o escoamento dos frutos do seu trabalho a preço justo e garantido antes do início da campanha, o crédito em condições vantajosas e os adubos e rações, as sementes, máquinas e gado a preços baixos.
A lei do arrendamento rural terá de ser rigorosamente aplicada.
Comprometo-me a:
8. Garantir que a Reforma Agrária será levada até ao fim pelos assalariados rurais nas zonas de grande propriedade e, nas outras zonas, pelos pequenos e médios agricultores e rendeiros. Os direitos dos pequenos e médios agricultores e rendeiros serão sempre escrupulosamente respeitados. A Reforma Agrária deverá contribuir para satisfazer a independência do País no sector alimentar, em articulação com uma política progressista nas pescas.
Comprometo-me a:
9. Combater as tentativas reaccionárias de cavar um fosso entre os pequenos e médios agricultores do Norte e os trabalhadores agrícolas do Sul, uni-los na mesma luta pela melhoria das condições de vida do povo português.
Recusando o espantalho de divisões políticas, religiosas e económicas, será possível superar as divisões que as forças reaccionárias procuram agudizar entre o campo e a cidade, entre o Norte e o Sul, entre o Continente e as Ilhas.
Comprometo-me a:
10. Defender uma política de habitação e saúde ao serviço das classes mais desfavorecidas e não, como até aqui, protegendo minorias privilegiadas.
Defender uma política que se preocupe com os reformados e com a velhice, dê protecção à infância e que liberte a mulher da situação de duplamente explorada como trabalhadora dentro e fora do lar.
Defender uma política de apoio aos emigrantes e às suas famílias, quer aprofundando os laços que os unem a Portugal, «quer defendendo firmemente as suas condições de vida e de direito ao trabalho, e lutar para que no futuro os portugueses não necessitem de emigrar.
Comprometo-me a:
11. Promover uma política verdadeiramente democrática nos campos da educação, do ensino e da informação, defendendo as formas de cultura nacional contra a dominação estrangeira. neste sector.
Lutar pela eliminação do analfabetismo e pela libertação cultural do Povo, incentivando as manifestações de cultura popular e apoiando as associações e organizações que a desenvolvam.
Contribuir. ainda para que o Povo Português possa realmente ter acesso ao património cultural de toda a Humanidade.
Comprometo-me a:
12. Lutar por uma política de independência nacional que defenda os interesses do Povo Português contra as pressões e dominação das grandes potências estrangeiras e os interesses partidários a elas ligados, lutando especialmente pela libertação económica, política e militar face às potências imperialistas que mais directamente nos atingem.
Defender uma política externa de não-alinhamento em relação aos blocos político-militares e favorecer o desenvolvimento das relações com os países não-alinhados e particularmente os países do Terceiro Mundo.
Comprometo-me a:
13. Desenvolver relações privilegiadas com os novos países africanos de língua portuguesa, aprofundando na base da solidariedade anti-imperialista o processo de descolonização.
A descolonização, convergência da luta anti-fascista do povo português e do MFA com a luta dos movimentos de libertação nacional, pôs termo a uma guerra colonial injusta que custou ao nosso Povo e aos povos das colónias muitos milhares de mortos e estropiados e muitos milhões de contos.
Pugnar pela resolução dos graves problemas que afectam os portugueses regressados de África, vítimas também de uma situação colonial imposta pelo regime fascista derrubado em 25 de Abril, reconhecendo que a resolução desses problemas se insere no quadro de relações fraternas com os novos países africanos, e passa pela aplicação de uma política económica ao serviço das classes trabalhadoras a que a esmagadora maioria desses portugueses pertence.
Comprometo-me a:
14. Colocar as Forças Armadas e militarizadas ao serviço do Povo e dos interesses nacionais, jamais permitindo que a repressão se abata sobre os trabalhadores.
Às Forças Armadas competirá o combate à contra-revolução e ao terrorismo, não consentindo que as forças fascistas, ainda não completamente derrotadas, se aproveitem da liberdade conquistada em 25 de Abril para destruirem essa mesma liberdade.
As Forças Armadas deverão assegurar um apoio activo à resolução dos problemas mais gritantes do povo português.
As Forças Armadas — povo fardado e nunca mercenários profissionalizados — têm de ser o garante da Constituição, tornando possível o verdadeiro exercício democrático do poder pelos trabalhadores e pelo povo.
Face à crescente reedificação do Estado burguês, com seus alibis «democráticos» e eleitoralistas;
— face ao reforço da estratégia capitalista, que o progressivo desmantelamento do espírito revolucionário de 25 de Abril veio consentir e encorajar;
— face à esterilidade da polémica inter-partidos, alheia aos reais interesses das classes trabalhadoras;
— face às manobras de bastidor, tanto civis como militares, que praticamente pré-determinam a escolha do Presidente da República;
— face à manipulação da opinião pública, de modo a incutir-lhe o medo da Revolução e portanto forçá-la ao conformismo, à passividade e à alienação ideológica;
Nós, intelectuais e artistas em pleno uso da liberdade de opção política sem obrigatória filiação partidária, vemos como única alternativa para mais um esforço em prol da Revolução Portuguesa, democrática e socialista, popular e de base, a actual candidatura à Presidência da República do major Otelo Saraiva de Carvalho.
Entendemos tal candidatura como de facto suprapartidária, logo não condicionada pelos partidos políticos que a apoiam, e de facto sinceramente orientada para a defesa da Revolução, para a unidade dos trabalhadores e para a criação de um projecto de socialismo novo — e nosso. Como é sabido, as comissões de trabalhadores, as comissões de moradores, a reforma agrária, todos os órgãos de base — as verdadeiras forças revolucionárias — tiveram sempre o apoio resoluto do Comandante do COPCON. É quanto basta para apoiarmos a candidatura de Otelo à Presidência da República.
Nota: Este manifesto, publicado na íntegra no Página Um (23 de Junho de 1976), apareceu assinado por cerca de 130 intelectuais e artistas, entre os quais se destacam José Afonso, Adelino Gomes, Francisco Fanhais, João Martins, José Mário Branco, Luís Miguel Cintra, Vitorino, Mário Henrique Leiria, Rui Mendes, Carlos Araújo, Luís Salgado Matos, etc.
PORTUGUESES, COMPANHEIROS E AMIGOS:
Hoje, dia da abertura da campanha eleitoral para a escolha pelo Povo do primeiro Presidente da nova República a eleger depois do 25 de Abril, eis-me convosco em Grândola!
Porque escolhi Grândola para iniciar a campanha eleitoral para a Presidência da República?
Escolhi dirigir-me ao povo de Grândola em primeiro lugar, porque Grândola significa para mim, homem do 25 de Abril, o sinal de arranque para a caminhada da Liberdade.
Grândola significa também a adesão de todo o povo a essa arrancada antifascista, que nós todos aqui presentes não queremos que tenha fim enquanto existir em Portugal a ameaça do fascismo como forma de opressão do capitalismo.
Escolhi Grândola, companheiros, porque dois anos depois do 25 de Abril, Grândola continua a ser a palavra e a canção que acende uma esperança de liberdade no coração de todo o povo.
Escolhi Grândola porque nada poderá desligar Grândola do 25 de Abril, porque nada poderá apagar o nome de Grândola na história da Liberdade em Portugal.
Escolhi Grândola, a vila morena, companheiros, porque há aqui um exemplo e uma palavra que temos que levar a Portugal inteiro: O POVO É QUEM MAIS ORDENA!
Portugueses, Amigos e Companheiros:
A 25 de Abril de 1974 o regime fascista foi derrubado. Jovens oficiais das Forças Armadas tomaram a iniciativa de pegar em armas para derrubarem uma ditadura que ao longo de 48 anos mantivera o povo na miséria e na exploração, forçara os trabalhadores a emigrar, e lançara o país numa guerra sangrenta e injusta. A 25 de Abril os trabalhadores vieram para as ruas, em todo o Portugal gritar a sua alegria. Nos campos, nas fábricas, nos escritórios, nas escolas, a força popular fez esfumar, de repente, o pesadelo fascista. O fascismo já não podia regressar às claras.
Que se passou em Portugal desde o 25 de Abril?
Os trabalhadores, os que realmente só vivem do seu trabalho, os assalariados da indústria e dos serviços, os assalariados rurais e os funcionários públicos, os operários da indústria e os técnicos, os pequenos e médios agricultores e rendeiros e os pescadores, os professores e os trabalhadores do mar, os empregados de escritório, os empregados do comércio, os empregados bancários, os empregados de seguros, os metalúrgicos e os têxteis, os electricistas, os ferroviários, os trabalhadores da construção civil, os comerciantes pobres e remediados, todo o povo, enfim, não teve dúvidas de que os generosos militares que pegaram em armas para derrubar o regime fascista queriam o bem do povo, queriam um futuro mais próspero para todos os trabalhadores portugueses.
Os trabalhadores começaram a tomar consciência da sua própria força. Uniram-se e organizaram-se. Reuniram-se em plenários nos escritórios, nas fábricas, nas herdades, em muitas aldeias, nas escolas. Discutiram democraticamente os seus problemas. Agarraram com as mãos a liberdade.
Os trabalhadores afluiram então para os sindicatos. Criaram comissões de trabalhadores. Criaram comissões de moradores. Muitos começaram a militar em partidos que afirmavam defender os seus direitos.
Os trabalhadores tomaram a liberdade com as suas mãos. Desenvolveram a aprendizagem prática da sua democracia. Começaram a impor a sua libertação. Recorreram à greve para acabar com salários de miséria, para pôr fim ao terror nas fábricas e nos escritórios. Começaram os saneamentos para isolar os fascistas mais notórios ou os capatazes autoritários e repressivos. Ocuparam herdades para levarem para a frente a Reforma Agrária, muito prometida mas sempre adiada. Ocuparam as casas que os capitalistas tinham mandado fazer e que deixavam vagas, à espera que aparecesse quem tivesse dinheiro para as comprar ou alugar. Criaram comissões de trabalhadores para vigiar os capitalistas, para começarem a impôr a ordem dos trabalhadores, e, quando os donos das fábricas fugiram, ou não pagaram os salários, ou quando os latifundiários começaram a fugir com o gado, os trabalhadores tomaram conta dos meios de produção que os donos das fábricas e os senhores das terras queriam destruir. Os trabalhadores uniram-se, organizaram-se, contaram com as suas próprias forças, impuseram as suas reivindicações, aprenderam a sua democracia nas suas lutas.
A aprendizagem da democracia foi a educação política concreta dos militares que tinham feito o 25 de Abril. O desenvolvimento da unidade do povo, o desenvolvimento das lutas dos trabalhadores foi o apoio indispensável para os militares progressistas terem força para vencer as primeiras ofensivas da direita logo a seguir ao 25 de Abril, quer nas Forças Armadas, quer no aparelho de Estado. Foi a força popular que deu força aos militares progressistas para isolarem os generais do antigamente, para evitarem o golpe Palma Carlos — Spínola, para criarem o COPCON.
Os trabalhadores ganharam nova força quando viram que os militares que estavam do seu lado estavam memo dispostos a substituir a Guarda e a fazerem desaparecer a polícia de choque do tempo de Salazar e Caetano.
O desenvolvimento da luta dos trabalhadores nas fábricas, nos escritórios, nas herdades, permitiu aos militares progressistas educarem-se, aprenderem a política nos locais onde os trabalhadores eram explorados, humilhados e oprimidos, e ao lado deles. Os militares do COPCON e muitos outros militares do MFA aprenderam a fazer a Reforma Agrária ajudando a fazer a Reforma Agrária, quando os trabalhadores viram que tinham que ocupar as terras para se oporem à sabotagem dos latifundiários. Os militares do COPCON e muitos outros militares aprenderam que a democracia era necessária e era possível quando viram tentar restabelecer uma ditadura sob a máscara da manifestação duma enganosa «maioria silenciosa», em 28 de Setembro, quando viram no 11 de Março, que a intoxicação da direita, que a política dos donos das fábricas e dos senhores das terras conduzia a bombardear portugueses com os mesmos aviões que tinham feito a guerra colonial.
Os trabalhadores uniram-se, organizaram-se, ousaram lutar, contaram com as próprias forças. E as forças do movimento das massas trabalhadoras permitiu que muitos militares, muitas vezes de origem conservadora e com uma formação conservadora, muitos oficiais, sargentos e às vezes praças, avançassem na sua própria organização democrática, aprendessem a democracia na prática de todos os dias.
O programa do MFA foi cumprido no essencial. Houve sempre dificuldades, no cumprimento do programa quando ele exigia uma política económica posta ao serviço das classes trabalhadoras. Mas como é que o programa do MFA foi sendo cumprido?
O programa previa que houvesse partidos políticos? Não previa? Como é que se conquistou a liberdade de haver partidos políticos? Foi em conversas de corredor no Terreiro do Paço ou foram os trabalhadores que impuseram os partidos políticos?
O programa do MFA previa que se pusesse fim à guerra colonial, que se reconhecesse a independência dos povos das então colónias? Não previa? Como é que se conquistou uma descolonização progressista? Foi em conversas de gabinete com os velhos generais de antigamente ou foi aliando os movimentos de libertação nacional, os militares progressistas e os trabalhadores portugueses contra o inimigo comum, o imperialismo? Como é que se ganhou a descolonização: foi pactuando com os colonialistas disfarçados ou foi impondo-se pela luta duma aliança progressista e popular?
Foi a unidade dos trabalhadores, a sua organização democrática e a dinâmica da sua luta, criando condições para os militares aprenderem com o povo a prática da democracia, que permitiu conquistar a reforma agrária e a descolonização, lançar as nacionalizações e o controlo operário, firmar a liberdade contra as ofensivas da burguesia e do imperialismo, aumentar os salários de miséria, conquistar o direito à greve, defender a liberdade de imprensa, de associação e de reunião. Foi assim que foi possível fazer uma Constituição que consagra muitas das vitórias alcançadas depois do 25 de Abril. Foi assim que os trabalhadores portugueses começaram a conquistar a dignidade, a alegria, a conhecer o valor da camaradagem, a terem esperança num futuro melhor, a terem razão para terem esperança num futuro melhor.
Os donos das fábricas e os senhores das terras sofreram assim derrotas pesadas. Mas a burguesia e o imperialismo não desistiram de dominar totalmente Portugal e os portugueses. Os capitalistas, os antigos donos dos seguros, dos bancos, das herdades, os donos das grandes lojas, os comerciantes por grosso, os intermediários entre o campo e a cidade, dos donos das firmas de importação e exportação, os Manueis Gonçalves e os patrões da metalurgia, que muitas vezes recuaram, que sabotaram sempre, não desistiram de voltar a estabelecer um domínio total sobre os portugueses. Para isso jogam nas próximas eleições para a Presidência da República.
Querem um Presidente da República que ponha a Constituição ao serviço do capital e dos capitalistas. Os antigos monopolistas e os actuais capitalistas tomaram o freio nos dentes com o 25 de Novembro. Já antes tinham começado a levantar cabeça, mas depois do 25 de Novembro tomaram o freio nos dentes. Dizem aos seus amigos capitalistas estrangeiros que ainda é cedo para investir em Portugal e eles próprios não investem. Ontem diziam que os jornais diários e a TV eram manipulados pelos comunistas e pela esquerda. Limparam os jornais e a TV de elementos progressistas. E agora ainda dizem que os jornais e a TV continuam esquerdistas. Ontem aplaudiam os militares que mais directamente trabalharam na descolonização. Hoje atacam-nos com calúnias, como atacaram com calúnias os militares do COPCON, os soldados, os sargentos e os oficiais mais progressistas e devotados à causa do povo trabalhador. Ontem votavam no PS e elogiavam-no muito. Hoje começaram a opor-lhe resistência, a dizer que ele às vezes parece feito com a esquerda, que é conciliador, que só é bom se se quiser deitar na cama que a direita lhe anda a preparar.
Que fazem hoje os senhores das fábricas e os senhores da terra? Qual é a política dos antigos monopolistas, dos actuais capitalistas? Que maneira é que usam? O que é que querem? O que é que prometem e o que é que nos preparam?
A maneira como a direita ataca é sempre a partir dos erros dos trabalhadores. A burguesia agarra num erro, agarra na divisão dos trabalhadores e avança. Avoluma esse erro, põe-no nos jornais em grandes letras e divide assim os trabalhadores.
É o que se passa com a reforma agrária. Os partidos da direita não dizem que são contra a reforma agrária. Dizem é que são contra esta reforma agrária, dizem que se cometeram muitos erros, muitos excessos. Dizem que os trabalhadores têm que perder o poder, têm que ganhar menos.
A técnica que os reaccionários usam para atacar a reforma agrária é a mesmo com que procuram dividir os outros trabalhadores. Dizem aos operários das fábricas que as nacionalizações foram muito à pressa e que agora estão a dar prejuízo, que é melhor acabar com elas. Dizem aos bancários que os antigos donos dos bancos e os seus servos é que sabem fazer os bancos dar lucros e que é melhor chamá-los. Dizem aos professores que a gestão democrática das escolas está a dar mau resultado e que é melhor nomear novos reitores. Dizem aos pequenos e médios agricultores e rendeiros que o 25 de Abril só lhes trouxe prejuízo, que é melhor não quererem contratos de arrendamento assinados, e quando os rendeiros querem assinar contratos usam ameaças para os impedir disso. Ao mesmo tempo, os reaccionários vão conquistando posições no aparelho de Estado, nas Forças Armadas.
É verdade que na execução da Reforma Agrária houve alguns erros. Alguns pequenos rendeiros realmente pobres ficaram sem terra. Mas os erros foram poucos. Ainda há dias o Ministério da Agricultura reconheceu que as terras mal expropriadas eram uma coisa insignificante. O que são 13 mil hectares mal ocupados ou mal expropriados em 1 milhão e 200 mil?
E quem é responsável por esses erros: os trabalhadores, que fizeram a Reforma Agrária com as suas mãos?, ou o Estado que se deixou ficar no Terreiro do Paço e não ajudou os trabalhadores rurais do sul, como não ajudou os pequenos e médios agricultores e rendeiros do centro e do norte a libertarem-se da pobreza e da exploração?
Quando a burguesia fala de erros dos trabalhadores não quer corrigir esses erros. A burguesia fala de erros e excessos para dividir os trabalhadores do campo e da cidade, para lançar os empregados de escritório contra os trabalhadores da terra. Os trabalhadores reconhecem os erros que fazem e corrigem-nos, aprendem a corrigi-los com o tempo, com a prática da luta, com a discussão em reuniões democráticas. Os trabalhadores, contando com as próprias forças, procurando a sua unidade através das suas organizações democráticas, sabem corrigir os seus erros e distinguir os inimigos que apontam esses mesmos erros a fim de destruir a Reforma Agrária, dos que dizem que houve erros para os emendar a tempo.
Quando a burguesia afirma que os trabalhadores cometeram erros e excessos no domínio da Reforma Agrária, nas nacionalizações, no controlo operário, o que a burguesia está a dizer na sua linguagem é que a Reforma Agrária foi um grande triunfo dos trabalhadores, que os rabalhadores portugueses manifestaram uma grande maturidade, uma grande capacidade de luta, uma grande iniciativa, não só nas herdades do sul, mas também nas fábricas, nas escolas, nos escritórios, nas oficinas, nas repartições públicas.
A direita tomou o freio no dentes. Avança. Cada dia exige mais. Cada dia ataca mais. Dá hoje facadas nas costas daqueles a quem ontem dava pancadinhas amistosas. Mas a direita não tem a força necessária que lhe permita impor o seu plano para a crise, que lhe permita aumentar o desemprego e os preços, baixar os salários, profissionalizar as Forças Armadas. O campo popular reagrupa forças. Reorganiza-se. Faz as contas aos erros cometidos. Corrige-os. Os trabalhadores não se dão por vencidos.
Os trabalhadores sabem que há uma crise grave em Portugal e estão dispostos a lutar para que a solução dessa crise não seja a solução que querem os donos das fábricas e os grandes senhores das terras. Os trabalhadores estão a somar forças para vencerem a crise.
Os trabalhadores têm a consciência firme de que só unidos e organizados, ultrapassando divergências partidárias que a nada de bom nem de construtivo conduzem, podem avançar vitoriosamente nas suas lutas contra a burguesia dominante que não lhes cede o poder e que quer apenas continuar a explorá-los, procurando obter a solução da crise económica, uma vez mais e como sempre à custa do Povo trabalhador.
Depois de uma certa derrota nas eleições para a Assembleia da República, a esperança da burguesia reacende-se com as eleições para a Presidência da República. Todos os grandes partidos políticos burgueses, juntamente com outros grupos políticos bem conhecidos que se dizem da extrema-esquerda, juntamente com a CAP e a CIP, que todos bem sabem o que são, unem-se harmoniosamente em volta do seu candidato. Do outro lado, o Povo trabalhador deve unir-se também, muito fortemente, para se opor ao outro campo. Os dois campos em luta, o dos explorados e o dos exploradores, estão uma vez mais perfeitamente definidos nas eleições presidenciais. Amigos, façamos com que os GRUPOS DINAMIZADORES DE UNIDADE POPULAR, que foram criados especialmente para esta campanha presidencial, venham a ser formados por companheiros das comissões de trabalhadores, das comissões de moradores, dos conselhos de aldeia ou mesmo que não pertençam a nenhuma dessas organizações, venham a ser constituídos por todos os que, nas fábricas, nas aldeias, nos bairros, apoiem a minha candidatura de unidade popular. E façamos que eles venham a ser coordenados pelos melhores de entre eles, eleitos devido à sua qualidade de inteligência, honestidade, capacidade de trabalho, iniciativa e intuição política, quer pertençam ou não a qualquer partido ou grupo político. Vamos transformar esses GRUPOS DINAMIZADORES em conjuntos de homens e mulheres honestos e eficientes, que em todo o país, através de uma acção política firme, esclarecida e correcta, orientem, dinamizem e organizem, num verdadeiro sentido de unidade, os órgãos populares de base e os cidadãos de forma geral. Que esses grupos, no entanto, não se deixem contaminar por lutas partidárias de qualquer espécie nem se deixem infiltrar por elementos cujo fanatismo partidário transportado para o seio do grupo, fará romper a curto prazo a tão necessária unidade e organização.
Alguém tem dúvida de que Portugal atravessa hoje uma crise muito grave e muito difícil? Há quem tenha dúvidas: são os que sempre tiveram dinheiro e continuam a tê-lo. Esses não sentem a crise. Os desempregados, os trabalhadores que só trabalham três ou quatro dias por semana, os estudantes que saem da universidade, das escolas técnicas ou dos liceus e que não arranjam emprego, os trabalhadores da indústria e do comércio que vêem os preços a subir, os patrões a fugir aos contratos colectivos, as donas de casa que vão às compras ver os géneros a desaparecerem ou a atingirem preços de fogo, os casais jovens que querem casar e não podem porque não arranjam casa ou não arranjam emprego, os reformados que vêem as pensões a diminuir todos os dias, os pequenos e médios agricultores e rendeiros que não sabem se vão vender a colheita, nem sabem a que preço vão vendê-la, esses, os trabalhadores, o povo, não precisam que lhes venham dizer que há uma crise.
A burguesia faz o mal e a caramunha. Durante 48 anos governou o país. Exerceu uma ditadura férrea sobre os trabalhadores. Prendeu e censurou a seu bel-prazer. Depois do 25 de Abril, sabotou e, por intermédio dos seus representantes nos governos provisórios e nos outros órgãos do Estado, não melhorou grandemente as coisas. Os partidos reformistas tentaram aplicar paninhos quentes, disseram que não havia uma crise assim tão grande, fizeram reformas sob pressão dos trabalhadores, mas não substituiram os mecanismos capitalistas nem foram capazes, nem poderiam sê-lo, de domesticar esses mecanismos capitalistas e de os pôr ao serviço dos trabalhadores. A burguesia vem agora dizer aos trabalhadores que a culpa da crise é dos trabalhadores e que eles é que têm que pagar a conta. Porque modos é que a burguesia faz isto?
A propaganda por enquanto ainda é bonita. Os partidos da burguesia dizem mais ou menos isto: já temos a democracia. Agora os trabalhadores têm que respeitar a democracia, têm que estar de acordo com as ordens do governo que vier, e do Presidente da República que vier. Se não concordarem, como estamos em democracia, para sermos patriotas temos que passar a apoiar o governo que vier, quer concordemos com ele quer não, quer ele defenda os interesses dos trabalhadores, quer não os defenda.
Depois, os partidos da burguesia dizem que os países amigos deles, os países imperialistas, nos emprestam dinheiro e investem em Portugal. E com este dinheiro, a que chamam ajuda, as coisas iriam melhorar.
Isto é a propaganda da burguesia. Mas, mesmo na propaganda, os donos das fábricas e os donos das terras já começam a dizer outras coisas. Começam a dizer que temos de fazer sacrifícios, que os salários já não podem aumentar mais, que temos que trabalhar mais. Que as nossas exportações não aumentam porque os salários são muito altos e por isso vendemos caro. Que as empresas dão prejuízo porque têm trabalhadores a mais, e porque os preços são baixos.
Se isto é a propaganda, o que não será a realidade que os capitalistas estão a preparar-nos?
Qual é o plano dos capitalistas e dos seus amigos políticos, os dirigentes dos grandes partidos políticos burgueses?
O plano é simples. É um plano dos capitalistas igual aos planos habituais dos capitalistas. Os capitalistas só investem para terem lucros. O que são os lucros capitalistas? Os lucros são a diferença entre o preço da venda dos produtos fabricados e o preço de compra do que é necessário para os fabricar: os salários, as matérias-primas, as máquinas. Depois do 25 de Abril, os salários aumentaram. Os preços das matérias-primas aumentaram no estrangeiro e portanto cá também. O mesmo aconteceu com os preços das máquinas que temos de importar. Os capitalistas portugueses não conseguiram aumentar os preços de venda dos produtos tanto como queriam, nem conseguiram fazer todos os despedimentos que queriam. Por isso, os lucros são mais pequenos do que aquilo que os capitalistas querem.
Como os lucros são mais pequenos do que os capitalistas querem, os capitalistas não investem. E sem investimento, a médio e a longo prazo, não é possível aumentar o emprego. Pelo contrário, o desemprego aumenta, quanto mais não seja porque as pessoas querem continuar a ter filhos, mesmo que os capitalistas não tenham lucros.
Os capitalistas só têm duas maneiras de aumentar os lucros. A primeira maneira é investirem, comprarem máquinas mais aperfeiçoadas, que façam o trabalho render mais, como se costuma dizer. Mas isso não fazem eles, porque acham que os salários são de mais, e só daqui a tempos é que começavam a receber os lucros das novas máquinas, e os capitalistas não têm confiança. É isto que os senhores da CIP andam a dizer no estrangeiro.
A segunda maneira que os capitalistas têm para aumentar os lucros é fazer diminuir os salários ou aumentarem os preços mais que os salários, o que vai dar quase no mesmo. E aumentar o ritmo de trabalho, aumentar as cadências. E aumentar o horário de trabalho, quando isso é possível. Por isso os capitalistas fazem a greve do investimento para aumentarem o desemprego e para tentarem derrotar os trabalhadores. E como o Estado e o Governo não têm força, nem têm vontade política de fazer aumentar o investimento, de fazer aumentar a produção e de fazer aumentar o número de empregos, os capitalistas lá vão avançando.
A ajuda que os países imperialistas dizem que nos dão, só virá se os capitalistas portugueses conseguirem baixar os salários ainda mais. Até agora, eles dão-nos a ajuda e nós damos-lhe o ouro.
Para conseguir os seus objectivos, a burguesia precisa de dividir os trabalhadores, porque se os trabalhadores não estiverem divididos não poderão vencer.
E precisa também de ter um aparelho repressivo forte, para poder reprimir os trabalhadores.
A burguesia tem um plano para Portugal: aprofundar a crise económica, baixar os salários, aumentar o desemprego, fazer subir os preços, aumentar a dependência face ao imperialismo, (chamando-lhe ajuda), dividir os trabaIhadores, profissionalizar as Forças Armadas, cortar as liberdades.
Queremos este plano? Será este o plano dos trabalhadores? NÃO!
Qual é o plano dos trabalhadores? Em que é que assenta a solução para os trabalhadores?
A solução dos trabalhadores assenta, acima de tudo, na unidade dos trabalhadores, assenta na luta organizada dos trabalhadores. E como é que os trabalhadores constroem a sua unidade? É reunindo-se, discutindo e deliberando democraticamente nos órgãos dos trabalhadores, nos organismos populares de base. Nas comissões de trabalhadores, nos conselhos de aldeia, nas comissões de moradores. Nos sindicatos, nas comissões e nas assembleias.
É nestes órgãos que os trabalhadores constroem a sua unidade, é nestes órgãos que os trabalhadores discutem os erros cometidos e os corrigem. Entre trabalhadores, entre amigos, não podem ficar pedras no sapato. As questões importantes são discutidas até ao fim. Se os trabalhadores não resolvem democraticamente as questões importantes, se deixam ficar pedras no sapato, estão a criar o caminho para se dividirem. A reacção aproveita todas as brechas, e as pedras que ficam no sapato dos trabalhadores são agarradas pela reacção para as arremessarem contra os trabalhadores.
Os partidos que afirmam defender os trabalhadores, todos sem excepção, têm que se submeter à democracia dos trabalhadores. Se não se submeterem, estão a dividir os trabalhadores.
O primeiro princípio da solução popular para a crise é este: é a unidade organizada dos trabalhadores, é a mobilização dos trabalhadores, é o princípio que o COPCON sempre aplicou: as forças armadas e militarizadas não reprimem os trabalhadores, dialogam com os trabalhadores.
O segundo grande princípio consiste em contar com as nossas próprias forças. Os trabalhadores, contando com as suas próprias forças, ousando vencer, vencerão. Quem são os trabalhadores? São todos os que vivem do seu trabalho e só têm o seu trabalho para viverem. São os empregados de escritório, os funcionários públicos, os operários da indústria, os trabalhadores agrícolas, os pequenos e e médios agricultores e rendeiros, os comerciantes pobres. Será que os capitalistas são trabalhadores? Os capitalistas têm vergonha de serem chamados por este nome. Chamam-lhes empresários, homens da iniciativa privada, e, agora, até já há quem lhes chame também «empreendedores». Será que esta gente se pode chamar de trabalhadores? NÃO! Há alguns capitalistas que trabalham e outros que só vivem dos rendimentos. Mas tanto uns como outros, não vivem do seu trabalho, vivem dos lucros e das rendas das terras ou dos prédios. Os capitalistas não fazem parte do povo trabalhador. Há alguns capitalistas com os quais o povo, estando no poder, pode chegar a acordo, para certos fins, e há outros capitalistas, grandes capitalistas, com os quais o povo nunca pode chegar a acordo para coisa nenhuma. Mas nenhum capitalista faz parte do povo trabalhador.
O terceiro grande princípio é o da independência nacional. É recusar enganosas soluções para a crise que só reforçam o poder dos imperialistas em Portugal. É os trabalhadores portugueses aliarem-se aos países do Terceiro Mundo que respeitam a nossa independência nacional e aos trabalhadores espanhóis, franceses, italianos, alemães, ingleses, suecos, aos trabalhadores de todos os países capitalistas avançados para impor aos países imperialistas a política que nos for conveniente.
É com estes princípios que vamos construir a alternativa popular para a crise, são estes os princípios da solução popular para a crise.
Uma política só é popular e progressista se respeitar estes princípios, se os aplicar escrupulosamente. A política terá que ser baseada sempre na mobilização política dos trabalhadores.
Qual é a política que sairá destes princípios essenciais? Caberá ao programa de governo propô-la, caberá aos técnicos estudar as várias alternativas técnicas.
Sobretudo os trabalhadores terão de discutir democraticamente as grandes questões de fundo.
Essa política consistirá em melhorar o nível de vida dos portugueses construindo as casas que podemos fazer com as nossas próprias forças. Aumentar o emprego, aumentando a produção. Cortar as importações desnecessárias. Aproveitar integralmente os recursos portugueses. Desenvolver as técnicas que nos permiatm valorizar os nossos produtos e construir máquinas em sectores estratégicos. Em tomar a agricultura como base de desenvolvimento, melhorando o nível de vida dos que trabalham a terra, aperfeiçoando as alfaias agrícolas, melhorando a adubagem, fomentando o desenvolvimento das forças produtivas rurais. Consiste em desenvolver a indústria, fazendo-a desenvolver a agricultura, fazendo-a servir a agricultura e todos os portugueses, fazendo com que a indústria seja o motor do desenvolvimento. Consiste em criar um sistema nacional de saúde. Consiste em criar uma escola nova e democrática, ao serviço dos trabalhadores, pelo conteúdo e pelos métodos de ensino, para todos os portugueses. Consiste em colocar as Forças Armadas, povo fardado e nunca mercenários profissionalizados, ao serviço do povo, combatendo a contra-revolução e o terrorismo, não consentindo que os fascistas aproveitem a liberdade de que gozam para destruir a liberdade de todos, colaborando na resolução dos problemas concretos do povo português. Consiste em apontar para uma sociedade nova, em que as máquinas e as terras produzam para satisfazer as necessidades dos homens e não para aumentar os lucros da burguesia.
Daqui até chegarmos a essa sociedade nova, haverá sacrifícios. Mas os trabalhadores sabem fazer sacrifícios e estão dispostos a fazê-los como mostraram os trabalhadores do Alentejo na conquista pela Reforma Agrária. Habituados a sacrifícios estão os trabalhadores. Os trabalhadores só põem uma condição para fazerem sacrifícios: é que os sacrifícios sejam decididos democraticamente pelos trabalhadores. Outros sacrifícios, os trabalhadores não os aceitam.
Os trabalhadores tiveram força para impor as liberdades, para conquistar a Reforma Agrária, para arrancarem as nacionalizações e o controlo operário, para defenderem o direito à greve, para defenderem a descolonização, os trabalhadores que derrotaram os donos das fábricas e os senhores da terra no dia 25 de Abril, no dia 28 de Setembro, no dia 11 de Março, os trabalhadores saberão reunir forças para imporem a sua solução para a crise, os trabalhadores, do campo e da cidade, das fábricas, das oficinas, dos escritórios, das repartições públicas, os trabalhadores rurais, os pequenos e médios agricultores e rendeiros, os comerciantes pobres e remediados saberão repudiar o plano da burguesia que conduz ao desemprego, à alta de preços, e ao fascismo.
A unidade dos trabalhadores, construída nos seus locais de trabalho, a mobilização dos trabalhadores construída nos seus órgãos democráticos, a mobilização dos trabalhadores, a dinâmica criadora da sua luta, a confiança nas próprias forças serão a garantia de que os trabalhadores podem vencer a crise. Os trabalhadores ousaram lutar e obtiveram vitórias. Se ousarmos continuar a lutar — venceremos. Se construirmos a unidade dos trabalhadores, na luta e em órgãos democráticos dos trabalhadores — venceremos.
A vitória levará um dia os trabalhadores ao poder através dos seus legítimos e honestos representantes. Então, teremos, finalmente, a democracia em Portugal. E serão os trabalhadores que, com a sua força, a sua união, a sua capacidade, a sua vontade, construirão a sociedade de justiça, de esperança, de paz que tanto ambicionamos: a sociedade socialista, a sociedade de trabalhadores, onde todos os portugueses tenham as mesmas oportunidades e os mesmos direitos.
Página Um — Chamando campanha a este período que começou com a apresentação da sua candidatura, durante a conferência de Imprensa da penúltima quintafeira, em Lisboa, e passando pelas jornadas do Porto e do Algarve, gostaria que nos fizesse um balanço destes últimos dez, doze dias.
Otelo Saraiva de Carvalho — Eu não lhe chamaria campanha, mas pré-campanha, durante a qual eu tenho procurado contactar o mais possível com as massas populares, com o povo trabalhador, a fim de agradecer-lhes, de viva voz, a confiança que em mim depositaram, através de moções, de assinaturas, da presença directa, no sentido de que eu apresentasse a minha candidatura à Presidência da República.
O balanço destes últimos dias apresenta um saldo altamente positivo, conforme o demonstra, inclusivamente, a visita ao Porto, onde se dizia que eu iria encontrar muitas dificuldades. A direita reaccionária atirara de novo para a frente com o espantalho de que eu não chegaria ao Porto: de que não sairia do aeroporto de Pedras Rubras, se fosse de avião; de que não chegaria, se fosse de comboio. Não podia deixar de aceitar o desafio da reacção e lá fui, de jornada, contactar com o povo amigo, com os trabalhadores do Porto e terras vizinhas que, uma vez mais, bateram fortemente o pé à reacção. Essa jornada funcionou, aliás, como um teste do que poderá vir a ser a campanha eleitoral.
Desloquei-me, depois, como sabe, a vários pontos da cintura industrial de Lisboa, a várias grandes empresas, como é o caso da Lisnave, da Setenave e da Siderurgia Nacional, e apesar da oposição de forças políticas que controlam algumas comissões de trabalhadores, a verdade é que a recepção foi sempre extraordinariamente calorosa e entusiástica. Pude falar perfeitamente à vontade, sem o menor problema; o carinho, o calor, a fraternidade de toda a massa operária foram extraordinários. No Algarve, aconteceu exactamente a mesma coisa. Percorremos, em pleno período de trabalho, essa província quase de ponta a ponta e, em todos os locais onde parámos, em todos os centros industriais, a recepção foi sempre das mais entusiásticas, das mais calorosas. O que me leva a pensar que, ao fim e ao cabo, eu não desconheço tanto o povo de todo e País como alguém já pretendeu fazer crer.
PU — Esteve no Porto, na cintura industrial, no Algarve, em Setúbal...
OSC — Estive em Setúbal, já no regresso do Alentejo, mas estive antes em Casebres, como sabe, terras abandonadas antes do 25 de Abril que foram depois ocupadas pelos trabalhadores rurais alentejanos e que constituiram ali uma cooperativa. Passámos no Torrão, jantámos na Cooperativa 11 de Março e acabámos por desembarcar em Setúbal, já bastante tarde, cerca das onze horas da noite. A recepção foi extraordinária, a Praça do Bocage estava cheia como um ovo, não cabia ali nem a ponta de um alfinete e chegámos a Lisboa já tardíssimo. O espectáculo do Parque Eduardo VII foi, para mim, espantoso. Eu estava absolutamente convencido de que teria havido uma grande desmobilização, dado o adiantado da hora, e fiquei pois espantadíssimo perante os milhares de pessoas que me aguardavam.
Portanto, as massas trabalhadoras que em mim confiaram têm-se mostrado cheias de entusiasmo e firmemente apostadas em fazer-me chegar à Presidência.
PU — Quer dizer, portanto que a sua expectativa foi ultrapassada pela movimentação popular a que se assiste.
OSC — Confesso que sim. Estava convicto de que a movimentação popular seria grande, mas tudo o que aconteceu, até agora, ultrapassou largamente as minhas expectativas.
PU — O Otelo de hoje é diferente do Otelo de há dez dias, perante a perspectiva de poder vir a ser o próximo Presidente da República Portuguesa?
OSC — Eu estou neste momento capacitado, perante a força do movimento popular, que tem demonstrado que não estava morto, como pretenderam fazer crer, mas antes extraordinariamente vivo e actuante, de que poderei realmente vir a ser eleito, pelo Povo, seu Presidente da República.
PU — Já considerou (ou reconsiderou) a sua posição relativamente a um futuro governo socialista homogéneo?
OSC — Tenho algumas ideias sobre o assunto. Não vou agora detalhá-las, porque as considero ainda do domínio do segredo político. Mas já pensei (e repensei) no assunto, repito. No entanto, a minha posição mantém-se inalterável em relação ao que, sobre o assunto, afirmei na conferência de Imprensa.
PU — Diz-se que estamos condenados à Revolução ou a um regresso ao fascismo. Nessa óptica, e esta é uma opinião pessoal, a eleição para a Presidência da República, entre Otelo e Eanes, será a primeira verdadeira consulta popular, sem (ou com menor) ambiguidade «democrática». Como situa o PCP neste contexto, se está de acordo com tal análise?
OSC — Estou. Em minha opinião, o PCP é o único partido realmente homogéneo, sólido, construído ao longo de dezenos de anos de paciente clandestinidade, com uma grande implantação, sobretudo nas massas rurais e operárias do Alentejo e da cintura industrial de Lisboa. Para ele, (como para qualquer outro grande partido) o importante é a tomada do poder pelo próprio partido. Nessas condições, e dada a intensidade do actual movimento popular, o PCP procura, por todos os meios, travar esse movimento, na tentativa de obstar à tomada revolucionária do poder pelas classes trabalhadoras. Na luta de classes que agora se revigora extraordinariamente em torno das eleições presidenciais, é sintomática a atitude do PCP perante mim, que me apresento como o candidato das massas trabalhadoras deste País. Naturalmente que é para preparar novas conciliações com outros partidos, na esperança de obter um ou outro lugar no Governo. Por isso, não hostiliza Eanes, o candidato que presume vencedor, sacrificando o avanço revolucionário às suas próprias ambições ou necessidades partidárias.
PU — Pensa que o PCP poderá, (não desapoiando formalmente Eanes), vir a aconselhar as suas bases a votar em si?
OSC — É difícil de dizer. Mas não é difícil de acreditar. O PCP joga sempre vários peões ao mesmo tempo e não gosta, como qualquer outro grande partido burguês, de estar muito afastado de quem ganha, do lugar onde se encontra a força. É evidente que, não podendo apoiar declaradamente o general Ramalho Eanes, que é manifestamente anticomunista, porque não pode permitir-se provocar um tal traumatismo nas suas bases, o PCP também o não tem hostilizado abertamente. Se, porém, se der uma viragem em tudo isto e a «surpresa» acontecer (surpresa para aqueles que subestimam a grande força popular, é claro), estou convicto que o Partido Comunista tentará acertar as suas agulhas com a nova realidade, procurando, uma vez mais, a conciliação, recuando tacticamente e buscando um contacto com um candidato tornado, pela força do povo, «presidenciável»... A partir daí, vamos ver. Eu, porém, que utilizo sempre os processos que considero os mais honestos, porque sou um militar e me repugnam certas acrobacias tácticas, para não dizer outra coisa, sentirei uma certa dificuldade em entrar num entendimento desse tipo. Mas, dada a sua implantação popular, nós não podemos. deixar de entrar em linha de conta com o PCP, que eu vi, sempre, aliás, como um partido de esquerda, embora travando o processo revolucionário.
PU — Pensa que a sua candidatura veio abalar as bases do PCP e crê possível, ou provável, que o candidato comunista venha a desistir?
OSC — Não faço ideia. O PCP é sempre um grande enigma, para mim. Não estava nas minhas cogitações, ao candidatar-me à Presidência, abalar as bases do PCP, ou separá-las das cúpulas do partdo. O PCP fala de divisionismo a propósito da minha candidatura que, no entanto, apenas procura ser de unidade popular.
PU — Tem a consciência de que muitos dos trabalhadores que o vêm aclamando ao longo das suas deslocações votaram PCP nas eleições para a Assembleia da República?
E pensa que, na perspectiva de um resultado francamente inferior ao das legislativas, o PCP teimará em manter a candidatura do Pato até ao fim?
OSC — Logicamente falando, eu diria que não. Mas com o PCP nunca se sabe. Ele tem em jogo outros interesses, tem uma outra maneira de sentir e de viver este processo. Já afirmou publicamente que Pato irá até às urnas. Mas também isso não quer dizer nada. O que é verdade é que o PCP gosta de jogar para ganhar e sabe muito bem que o candidato comunista não tem a mínima hipótese de vencer as eleições.
PU—O PCP é um partido estranho, um «grande enigma», como diz. Mas é um partido disciplinado e altamente militante, na falta de ser revolucionário. Por outro lado, o Otelo define-se como um militar, (da mesma raíz de militante), disciplinado, pois, e com alguma dificuldade em articular essa sua condição com a sua vocação revolucionária. O que o afasta tanto do PCP, nesse caso?
OSC — Essa é uma pergunta extremamente difícil de responder. Sou a favor da disciplina, da ordem, da autoridade, como a maioria das pessoas, mas entendo, muito honestamente que, quando queremos construir alguma coisa de novo e essa coisa nova é, neste País, uma sociedade socialista, em que a primeira responsabilidade dessa construção cabe ao povo trabalhador, devemos lutar com esse povo trabalhador no sentido de que ele alcance o poder e possa, a partir daí, construir então a sociedade socialista que a esmagadora maioria do povo ambiciona. Considero portanto que a ordem, a autoridade e a disciplina devem existir e ser postas ao serviço do povo. Apesar de ser um militar profissional, sou capaz, como felizmente tantos outros, de grande flexibilidade. Sempre dei aos meus soldados ampla liberdade de discussão e aprendi, por isso mesmo, muito com eles. E, embora eu respeite, claro as noções de camaradagem, de lealdade, até de disciplina, como disse, sempre fui insubmisso a controlos para encarar a disciplina sob outra forma, que tem que ver com a independência de cada um. De uma certa maneira eu associo o PCP, partido disciplinado, controlador, à tropa. Mas sou demasiado independente para gostar de ser automatizado e controlado, seja por quem for.
PU — Não lhe vou perguntar se prefere ganhar ou perder as eleições. Mas pergunto-lhe se tem medo de ganhá-las?
OSC — Não tenho medo nenhum. Se vencer, é porque fui eleito pelo Povo. No ano passado, toda a gente o sabe, estive a um passo de, se quisesse, ser Presidente da República. Não aceitei, porque entendi que era uma imposição que se faria ao Povo português. Se, desta vez, o Povo desejar ter-me como séu Presidente, não tenho qualquer receio de encarar as enormes dificuldades que, sem dúvida alguma, se me depararão. Mas tenho uma grande confiança no Povo português, o Povo português tem confiança em mim e quando existe confiança mútua...
PU — Ouvi a uma mulher, no dia da sua deslocação ao Porto, a seguinte frase: «Gosto muito do Otelo, vou votar nêle, mas não queria que ele ganhasse. Coitado dele, se ganhar.» O que responderia a essa eleitora?
OSC — Vivo está nová experiência emocionadamente. Considero um desafio aliciante, e não posso de forma alguma recusar o facto de poder vir a ser eleito pelo Povo. É natural que essa senhora, como por certo muitas outras pessoas, tenha pena de mim pelas funções desgastantes que serão as minhas em caso de vitória. Mas, como homem e como militar que se responsabilizou como eu me responsabilizei nó 25 de Abril, não posso deixar de aceitar o desafio. Que considero aliciante, repito.
PU — Crê que a direita aceitará, como aceitou no Chile, após a eleição de Allende, a ascensão à Presidência do candidato popular?
OSC — A experiência do Chile leva-nos a concluir que a direita tudo fará para impedir-me de governar. Mas a História também contém lições de sinal contrário, nesta luta sem tréguas que é a tomada do Poder pelos trabalhadores.
PU — Falou, há pouco, de segredo político a respeito da formação do Governo, no caso de ser eleito Presidente da República. Falou, igualmente, de medidas a tomar. Pode discriminá-las.
OSC — Não lhe vou referir uma única. Repito que é segredo político.
PU — E no caso de não ganhar? Em que situação se achará então o movimento popular, agora centrado e dinamizado nos GDUPs?
OSC — Os GDUPs são ainda, e apenas, grupos de companheiros que estão a lutar ardorosamente ao meu lado pela minha candidatura e pela minha vitória nas eleições. Foram criados em todo o País e a sigla significa Grupos Dinamizadores de Unidade Popular. Por isso, a sua importância e significado ultrapassam o simples quadro das eleições presidenciais. Se eu não vencer as eleições, o papel dos GDUPs não pode, de forma alguma, cessar, e a minha esperança é ver constituírem-se, a partir dessas organizações, centros de dinamização de unidade popular, formados por gente que, sendo politizada, seja capaz de superar as. suas divergências partidárias, unindo-se em volta de um projecto, de um programa político e exercendo sobre as massas uma acção pedagógica e organizativa.
PU — As massas não se mobilizam por si só. Após-a mobilização, põe-se o problema da direcção política.
OSC — O que tem faltado, realmente, no processo político. português é uma direcção política correcta das massas populares. Tenho esperança que, a partir da constituição dos GDUPs se consigam coordenar os movimentos de base, dar-lhes uma direcção política correcta, de modo a avançarmos para o que pode vir a ser um verdadeiro movimento de unidade popular.
PU — Pensa que essa grande força popular poderá vir a transformar, de baixo para cima, e mesmo a ultrapassar os partidos tal como eles existem hoje?
OSC — A minha opinião é que o grande partido das massas populares terá de nascer da superação das divergências partidárias, a partir da base. Não de cima, com um grupo dirigindo e procurando alargar a sua base de apoio, mas através de uma participação activa das massas populares, em torno dos grandes interesses do Povo português.
PU — Se for eleito Presidente, tê-lo-emos, pois, para além de militar, político. Mas, no caso de perder as eleições, iremos encontrar um Otelo mais político que militar? E, nesse caso, como pólo decisivo na consolidação desse enorme movimento de massas agora desenvolvido em torno dos GDUPs?
OSC — Como sabe, só pode exercer funções políticas um militar que for eleito ou designado para tal: o Presidente da República, os Conselheiros da Revolução, por exemplo. Se eu não vencer as eleições, não pertencendo ao Conselho da Revolução e continuando a ser oficial do Exército; será muito difícil para mim conseguir conciliar a minha profissão com uma posição provável de dirigente político. Não sei, contudo, exactamente, qual virá a ser o meu destino, após as eleições, no caso de não as vencer.
PU — Uma pergunta relativa, justamente, ao seu futuro próximo: se for eleito, só poderá ser detido por crimes cometidos durante o mandato presidencial; mas, no caso de não ser Presidente, acredita que poderá ainda vir a ser inculpado, e de novo encarcerado, pelos chamados «crimes do 25 de Novembro»?
OSC — Não sei, não faço ideia, mas julgo que não, porque não cometi qualquer dos crimes de que pretendem acusar-me e, mesmo que vá a julgamento, por indiciação de crimes, não haverá outra alternativa senão ser absolvido. Julgo impossível, no caso de não ser eleito, que o futuro Presidente permita que eu seja preso ou condenado estando inocente.
PU — Poderemos dizer que, se for eleito, uma das medidas prioritárias será a da reintegração de todos os militares revolucionários afastados após o 25 de Novembro?
OSC — Sem dúvida alguma. Sei exactamente aquilo que se passou, tudo o que foi inventado por uma facção para incriminação de outra e não tenho a mínima relutância em afirmar que será das primeiras medidas a tomar, a reintegração e a utilização imediata dos elementos afastados desde o 25 de Novembro.
PU — Regressemos à pré-campanha, para terminar: vai ao Norte, dentro em breve. Como encara mais essa tomada de contacto com o povo trabalhador português?
OSC — Com a tranquilidade de sempre, com a tranquilidade de quem tem alguma coisa a dizer aos trabalhadores e deseja estar em contacto contínuo com todos os sectores do Povo que, à partida, possam parecer ser-lhe mais afectos. Como homem que se tornará, enquanto Presidente, um dirigente político nacional, tenho a obrigação de dialogar com toda a população deste País, seja a do Sul seja a do Norte, seja a das Ilhas.
PU — Pensa deslocar-se, durante a campanha, aos Açores e à Madeira?
OSC — Penso. Mas tudo dependerá das possibilidades financeiras de que puder dispor.
PU — A terminar: não tem medo de vir a ser fisicamente liquidado?
OSC — Bem, quem tem a profissão que eu tenho, tendo já participado meia dúzia de anos na guerra colonial, marchando à frente dos seus soldados, sofrendo emboscadas nas matas e muitas nas estradas, participando tranquilamenté na preparação e no comando do 25 de Abril de 74, parece-me já ter demonstrado não ter medo da liquidação física.
Quanto à possibilidade de atentado, pois, é evidente que ela existe. A direita, a reacção procurará evitar por todos os meios (e temos o exemplo do Chile) que eu chegue a Presidente da República; e que, sendo eleito, eu possa efectivamente presidir aos destinos da Nação. Mas não é por isso que deixarei de ir em frente.
PU — Sem. medo, pois?
OSC — Sem medo.
(Entrevista publicada por Página Um, em 10 de Junho de 1976).
GS — Uma das perguntas a fazer refere-se à campanha, e ao modo como ela tem decorrido. Receamos que apesar desta grande movimentação de massas que se está a registar, que ela seja desaproveitada e não organizada para se poder prolongar para além das eleições. Isto, sobretudo, se continuar a fazer uma campanha muito personalista, como se verifica até pelo tipo de discurso que fez nos últimos tempos. Que pensa disso?
OTELO — Eu pessoalmente e aqueles que me apoiam pensamos justamente no aproveitamento da movimentação de massas que se está a verificar prolongando essa movimentação organizada para lá das eleições. Foi uma das condições que pus para aceitar a minha candidatura. Não podiá conceber que, indo para a frente com uma candidatura do tipo da minha, pudesse provocar esse verificar do movimento popular e viéssémos depois a estagnar no 27 de Junho com a dia das eleições. Disse sempié que só aceitaria se tivéssemos logo em mente aproveitar as eleições para projectar o movimento popular. Estamos prontos para dar uma continuidade a essa movimentação. Embora eu tenha centrado as minhas intervenções junto das massas populares com quem tenho contactado numa base personalista, considero isso correcto. Durante a fase da campanha eleitoral propriamente dita tentarei motivar as pessoas, todos aqueles que estão comigo, que me oferecem o seu apoio, para que para além das eleições haja uma organização. Procurarei definir em que bases é que considero justa e correcta essa organização.
GS — O Otelo tem-se demarcado bastante dos partidos que o apoiam. Tem dito isso sempre. Tem insistido no papel divisionista que os partidos desempenharam, contrariando uma tarefa pedagógica e didáctica que poderiam ter tido durante este período de dois anos. Por outro lado diz que há planos para organizar este movimento popular. Onde é que cabem os partidos?
OTELO — As críticas que eu tenho feito não têm sido aos partidos que me apoiam. Até porque em relação a esses eu dei-lhes sempre, ao longo do processo revolucionário, uma certa prova de simpatia. Eu sempre disse ao longo do processo que em minha opinião os grandes partidos, aqueles que têm vocação do poder, só lutam com objectivo do poder. Estes é que eu critiquei mais acerbadamente. Os pequenos partidos, que se dizem de esquerda revolucionária, sempre os considerei totalmente desligados de influências externas e sem lutarem pelo poder. Nesses partidos não existe a sofreguidão, a avidez do poder. São partidos que na minha opinião jogam com bases correctas do ponto de vista revolucionário, embora às vezes com um certo aventureirismo. Mas são partidos, estou convencido, no dia em que o povo chegue ao poder desaparecem por si. Portanto, em relação aos partidos que me apoiam eu defini-lhes muito concretamente quais eram as bases de orientação da minha candidatura.
Eles aceitaram essas bases, o contrato foi oral, e posso dizer que tudo tem decorrido relativamente bem dentro dum espírito de colocar acima dos interesses partidários o povo trabalhador. Esta é a tónica dominante. Eles aceitaram esta minha disposição e têm ajudado com a sua experiência, com o seu élan revolucionário ajudar-me-ão a levar em frente o projecto de unificação e de organização das massas populares.
GS — Como tem entendido os ataques que o Partido Comunista lhe tem dirigido?
OTELO — Esses ataques todos vão-se centrar em duas fases distintas. Duma forma pública, como vocês têm apreciado, eles não me atacam a mim directamente, atacam é os partidos que me apoiam. Não é a figura de Otelo que está em jogo, mas é uma figura que é apoiada por partidos «esquerdistas», e tal.
É curioso que têm atacado menos o general Ramalho Eanes que no entanto é apoiado por partidos marcadamente de direita, partidos que são inimigos figadais do PCP, inclusivamente pela CAP, etc. Sorrateiramente, através de folhas policopiadas, do boato, da calúnia, eu sei que elementos do PCP têm andado na cintura industrial de Lisboa, e no Alentejo, a fomentar um antagonismo em relação a mim. Isto é extremamente estranho porque tudo aquilo de que agora clandestinamente me estão a acusar nas bases do PCP, para destruir a minha figura, ao fim e ao cabo são actos que se realizaram muito antes do 25 de Novembro. Se considerarmos que foi a organização política que se entusiasmou com a minha ida ao Barreiro o ano passado e que depois motivou até a minha ida a Beja para contacto com elementos apartidários, com pequenos agricultores, com trabalhadores rurais (muitos deles seriam elementos do PC) há aqui mais uma vez uma incoerência muito grande na política deles. Ou havia coerência, e quando eu prometi aquilo de que eles agoram me acusam, tinham feito uma acusação imediata e declarada e daí não saíam, e portanto já não tinham procurado uma aproximação comigo como aconteceu em Outubro — Novembro, com essas idas ao Barreiro, a Beja. É que nessa altura ainda eu tinha uma posição de força, era o comandante do COPCON, era conselheiro da Revolução, era comandante da Região Militar de Lisboa. Então, a procura duma conciliação e duma aproximação era constante. No entanto essas faltas todas de que eles me acusam, agora, já nessa altura as teria pretensamente cometido. A falta de coerência da força política, do grande partido que se diz ser, continua permanente.
GS — Mas antes disso tinha havido algum contacto, ao longo deste processo, houve contactos estreitos do PC consigo?
OTELO — Sempre recebi os dirigentes do PC, sempre que me pediram para serem recebidos no COPCON, como recebi quaisquer outros dirigentes de qualquer partido. Nunca fechei a porta do COPCON.
GS — Para além desses factos em Novembro, tinha havido tentativas de aproximação mais estreita por parte de dirigentes do PC?
OTELO — Os dirigentes do PC procuraram-me frequentes vezes para trocar impressões sobre a situação, sobre o que se estava a passar, debater pontos de vista de análise política, etc.
GS — Mas além do contacto formal, havia uma tentativa de aproximação PC, alguma vez se apercebeu...
OTELO — Sim, apercebi-me... O PC através de elementos do seu Comité Central, no momento em que o COPCON estava no auge da sua força, o PC procurou sempre um contacto muito estreito, uma ligação muito forte com o COPCON. Sempre que elementos do PC se desviavam publicamente duma forma muito notória errando do ponto de vista revolucionário, eu não tinha pejo nenhum em demonstrar-lhes que não concordava em absoluto com essas posições do PC. Quando foram as eleições para a Constituinte, lembro-me perfeitamente de ter denunciado uma série de actividades de elementos do PC que não se coadunavam com aquilo que eu entendia como uma certa liberdade de expressão, etc.
GS — Como é que entende então esta série de ataques do PC à sua candidatura?
OTELO — O PC a partir do momento em que eu era um possível aliado para as suas actividades mas não de modo nenhum um aliado muito estreito, alguém que podia estar com eles na medida em que estivesse bem delineado aquilo que considerava um processo revolucionário correcto, como tinha força, o PC ligava-se perfeitamente comigo e admitia as críticas que fizesse, etc. A partir do momento em que eu deixo de ter força, o PC pensa: bem, deste já nós estamos livres. Agora procurará evitar a todo o transe que eu tenha um ressurgimento na vida política, porque já sabem que comigo realmente não podem contar no campo de manobra que o PC utiliza.
Não lhes interessa nada que eu venha a ressurgir porque sabem que eu não faço o jogo de qualquer partido e inclusive do PC. Eles aliás começaram os ataques antes de se verificar a minha candidatura. Não lhes interessava absolutamente nada sequer que eu fosse candidato. Procuraram demover-me a todo o transe, não através de elementos do Comité Central, mas através de outros elementos muito ligados ao PC.
GS — Há bocado, quando referiu que fazia análises com o PC quando eles lhes solicitavam uma audiência no COPCON e que ao mesmo tempo lhes fazia crítica, dessas análises do PC, eles chegaram a sugerir aos militares algum tipo de soluções?
OTELO — Eles apresentavam sempre soluções. Já traziam o estudo feito e apresentavam soluções, que nós podíamos aceitar ou não aceitar.
GS — No caso do 25 de Novembro, houve algum contacto do PC com a sua pessoa?
OTELO — No 25 de Novembro mesmo, não. Comigo pessoalmente não houve nada. A Polícia Judiciária Militar afirma que na noite de 24 o Jaime Serra teria estado no COPCON. Mas isso era absolutamente normal.
GS — Porque uma das coisas que correu assim, a nível de militantes de base, é que o Otelo estava a dormir no 25 de Novembro enquanto as massas andavam aí desorientadas e se estavam coisas a passar...
OTELO — Não houve qualquer contacto do PC, de qualquer espécie. O Jaime Serra estar no COPCON era absolutamente frequente. O Jaime Serra era sempre um dos elementos que ia ao COPCON ou sozinho ou acompanhado do Álvaro Cunhal. Nunca tive contacto com elementos do Comité Central nem outros quaisquer nas noites anteriores ao 25 de Novembro nem a 25.
GS — Um dos exemplos que se dá da sua indecisão é que numa altura quente, que toda a gente se apercebia que era quente, o OTELO vem para casa dormir.
OTELO — Mas era quente porquê? Era tão quente como são estas eleições. Andava sempre quente, ao longo dos 16 meses de existência do COPCON. Raras foram as noites que não foram quentes.
GS — Mas vamos lá ver; houve uma ocupação de bases por parte dos páras...
OTELO — Mas na altura em que saí do COPCON desconhecia completamente a ocupação das bases.
GS — Mas não telefonaram para sua casa?
OTELO — Telefonaram ao meio dia, a saber de mim, do meu Estado-Maior, a dizer que havia um problema com os páras. Depois do almoço fui para o COPCON. Cheguei lá eram duas e meia da tarde.
GS — E uma hora e meia depois o Chefe do EMGFA decreta o estado de emergência.
OTELO — Isso foi decretado imediatamente a seguir à minha chegada a Belém. Parecia que estavam todos à espera que eu chegasse a Belém para decretar o estado de emergência. Quando cheguei ao COPCON tive de inteirar-me do que se passava. Explicaram-me que o gen. Costa Gomes estava impaciente. De 5 em 5 minutos telefonava para lá. Verifiquei que nas minhas unidades de Lisboa estava tudo tranquilo, o pessoal estava de prevenção, as unidades não tinham saído para a rua. Aliás, as que tinham saído para a rua era numa atitude defensiva da própria unidade. Tinham fechado os portões e estava tudo absolutamente sossegado. O problema que havia era a ocupação das bases aéreas pelos páras. Como eles estavam fora da minha alçada... Três e meia, quatro horas, desloquei-me então para Belém para ajudar o gen. Costa Gomes a controlar a situação. As minhas unidades não sairam para a rua. Eu conseguia ter controle sobre elas e não dariam o tal pretexto para desencadear o golpe contrário que estava previsto, de que eu tinha conhecimento. Tentei com o gen. Costa Gomes fazer recuar os páras para Tancos. Ele disse-me que já tinha solicitado a presença do Costa Martins em Belém e tinha-lhe pedido se ele podia ser o intermediário junto dos páras para os fazer regressar a Tancos, e com certas condições os páras passariam ao Exército nesse mesmo dia. Passavam para o comando do COPCON e no dia seguinte deslocar-nos-íamos a Tancos para tratar de problemas administrativos. Agora, quando eu fui para casa, às 6 e meia da manhã, era perfeitamente desconhecedor do que se estava a passar.
GS — Foi revelado que no dia 26 ou 27 lhe foram feitas propostas para ser vice-chefe do Estado Maior General...
OTELO — No dia 26...
GS — Isso é devido à sua actuação no dia 25?
OTELO — Não, já desde o antecedente que todos esses cargos e mais alguns me foram oferecidos. Em Agosto, foi-me oferecido o cargo de Presidente da Répública e Chefe do EMGFA, que eu não aceitei, porque considerei que ser nomeado por um grupo restrito para Presidente da República, não me dizia nada, faltava-me a confiança de saber o que pensavam os portugueses sobre a imposição do meu nome para PR. Depois o Vasco Gonalves quis que fosse eu a substitui-lo como primeiro-ministro. Também lhe disse que gostaria muito mais de ser comandante do COPCON. Solicitei até que ele e o general Costa Gomes fossem fazer comigo uma reunião com comandante e oficiais da Região Militar de Lisboa e de outras regiões e realmente os camaradas consideraram que eu não deveria sair do comando do COPCON e que, portanto, não deveria aceitar o cargo de primeiro-ministro. Nestes termos não aceitei ser primeiro-ministro. Os camaradas também quando eu vim de Cuba, face àquela perspectiva que havia de eu ser Vice-Primeiro-Ministro, consideraram que eu também não deveria sê-lo e portanto não aceitei o cargo. A seguir ao 25 de Novembro, foi-me oferecido o cargo de Vice-Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
GS — Por quem?
OTELO — Pelo gen. Costa Gomes. Evidentemente que recusei. Havia camaradas na prisão e eu afirmei no Conselho da Revolução que se prendiam camaradas pelas suas ideias políticas, o facto de serem camaradas que estavam comigo e de serem elementos que eu considero revolucionários, então antes de mais ninguém deveria ser preso eu. Disseram-me que eu não podia ser preso. Era o homem do 25 de Abril. Estava sempre fora de qualquer ideia prender-me.
GS — Isso era o consenso no Conselho da Revolução?
OTELO — Sim, era. Entretanto recusei o cargo de Vice-Chefe e disse ao gen. Costa Gomes que não podia de qualquer forma aceitar.
GS— O convite foi-lhe dirigido pelo gen. Costa Gomes ou pelo Conselho de Revolução?
OTELO — Pelo gen. Costa Gomes, mas os outros estavam presentes. O gen. Costa Gomes disse-me ainda para eu ficar seu adjunto no CEMGFA e eu respondi que a minha posição se mantinha e exigi a minha imediata desgraduação. A partir do momento em que o COPCON era extinto e eu deixava o comando da Região Militar de Lisboa não tinha sentido nenhum eu continuar como general. Nessa altura ele não sabia ainda que a mensagem tinha sido enviada em nome dele para extinguir o COPCON.
GS — Mensagem que tinha sido enviada em nome dele?
OTELO — Pois. Às quatro e meia da manhã do dia 26, eu fui pedir ao gen. Costa Gomes autorização para me retirar. Considerei que a vitória estava alcançada pela parte adversa e disse: bem vocês agora não têm medo que eu saia daqui e vá fazer alguma coisa... O gen. Costa Gomes considerou que eu me podia retirar. Estava presente no gabinete dele o maj. Melo Antunes. Eu estava profundamente abalado e abatido, por terem conseguido levar avante o que eu já tinha previsto, aproveitando um falso motivo. Disse nessa altura ao gen. Costa Gomes, e ao Melo Antunes que nessa altura estava presente, que me considerava desde já Major e pedia a extinção do COPCON já que este tinha atingido o fim dos seus dias. O gen. Costa Gomes disse que não, que fosse para casa, que compreendia perfeitamente o estado em que me encontrava, mas que na tarde seguinte havia um Conselho de Revolução e faria os possíveis para abordar o assunto. De qualquer maneira o COPCON continuaria em funções, integrado na 2.º e 3.º Divisões do EMGFA. Depois desta reunião muito rápida retirei-me de Belém. Ainda passei pelo COPCON e fui para casa. Às dez e tal da manhã, telefonou-me o meu Chefe do Estado-Maior a dizer-me que tinha chegado uma mensagem com grupo data hora das 6h da manhã informando que o COPCON era extinto a partir dessa data e dando instruções já para comissões liquidatárias, etc. E a mensagem era do Chefe do Estado-Maior G. das Forças Armadas. Eu estranhei na altura porque perante a resistência que o gen. Costa Gomes tinha feito à extinção do COPCON e ter dito que só na tarde desse dia é que nós íamos discutir isso, em me ter dito que de certeza o COPCON continuava em funções e que eu ia para o EMGFA como General-Adjunto, encarregado das Divisões em que o COPCON se ia integrar, achei muito estranho. Fui para o COPCON, vi a mensagem, não havia dúvida. Era do Chefe EMGFA, mandando extinguir o COPCON, e dando directivas nesse sentido. Despedi-me portanto dos camaradas de serviço no COPCON e à tarde lá fui para Belém para o Conselho da Revolução do dia 26. Quando tomo a palavra, a primeira coisa que faço é exprimir a minha satisfação aos camaradas do CR pela eficiência, pela primeira vez, ter sido bastante elevada, porque eu tinha tido uma reunião com o gen. Costa Gomes às 4 e 30 da manhã, às 6 horas sai uma mensagem a extinguir o COPCON, eliminando qualquer hipótese de continuidade. Numa hora e meia tinha-se dissolvido um órgão político-militar revolucionário. O gen. Costa Gomes cai das nuvens e diz: «Não, não, desculpe, isso é mentira; não mandei mensagem nenhuma; conforme eu disse de manhã o COPCON vai ser integrado no EMGFA.» Eu disse, meu General, eu acabo de ter na mão, o meu general pode mandar pedir, uma mensagem sua a mandar extinguir o COPCON e a dar directivas. Mas ele insistiu que era mentira e que não tinha dado directivas nenhumas. À seguir um outro Conselheiro da Revolução toma a palavra para dizer que depois da conversa que eu tinha tido com o general Costa Gomes ficara convencido de que o COPCON era para extinguir, de modo que tinha assumido a responsabilidade de enviar a mensagem. E foi assim que o COPCON foi extinto.
GS — Depois dessa data é verdade que chegou a ser convidado par ser embaixador em Moçambique?
OTELO — Fui convidado para ser embaixador em Moçambique ou na Jugoslávia pelo general Costa Gomes e depois para adido militar. A minha resposta foi sempre recusar esses cargos porque queria regressar... a major e porque considero que a revolução ainda não está feita. E a revolução faz-se aqui. Assumi compromissos demasiado elevados para que possa ausentar-me do País. Era uma situação que do ponto de vista pessoal me podia beneficiar, mas que nada me diz, porque me considero profundamente integrado na revolução e com compromissos muito grandes assumidos com as massas trabalhadoras do País.
GS — Major Otelo, a última parte do relatório do 25 de Novembro vai ser publicada dentro de dias, uma semana. Pensa que poderá trazer novos elementos ou novas interpretações?
OTELO -— O relatório já está de tal maneira desclassificado... É ilegal, porque faz acusações públicas sem que dê possibilidade aos acusados de se defenderem. Não tem qualquer aceitação por parte das pessoas de bom senso e perante aqueles que estão a lê-lo com uma certa honestidade. Perante as massas trabalhadoras não tem a mínima aceitação, antes pelo contrário, isso só vai satisfazer uma vez mais a direita. Esta esfrega as mãos com o relatório, enaltece-o, tece-lhe loas, mas, na verdade, esse relatório é baseado, na sua quase totalidade, em denúncias falsas.
GS — O major Otelo é conhecido de todo o povo português pelas suas actuações que às vezes as pessoas consideraram um tanto impulsivas durante este processo. Sendo eleito Presidente da República, vai ter um papel bastante importante. Se analisarmos um pouco os discursos que tem feito nesta pré-campanha, verificamos que eles são extremamente pessoalizados. Eu recordo-me, por exemplo, que no Parque Eduardo VII agradeceu ao povo português o facto de lhe ter dado confiança total. Disse que sendo eleito será o guia do povo português. Isso tem preocupado muitos camaradas, muitas pessoas, que receiam que o major Otelo, com os extraordinários poderes que a Constituição dá ao presidente da República, venha, por um lado, a ficar espartilhado dentro de todos os jogos de gabineté que a própria Constituição pressupõe, e por outro lado a pessoalizar extremamente as suas decisões. Venha a ser a pessoa que em Belém vem a decidir depois de conversas com representantes dos vários partidos à sua posição. O que pensa que poderá vir a ser a sua actuação?
OTELO — Em primeiro lugar, gostaria de saber se foram gravadas as palavras que proferi no Parque Eduardo VII. Essa palavra guia custa-me a admitir quase que a tenha proferido. É uma palavra que nunca emprego. Bem, o que é que poderá ser a minha actuação? Já o tenho afirmado nos locais onde tenho ido contactar com as massas populares. Terei que perspectivar toda a minha actuação no contacto permanente, directo, com as massas trabalhadoras. São elas que ao longo destes dois anos me têm ensinado qualquer coisa. Dei um exemplo no Alentejo em relação à reforma agrária. Considero extremamente importante para uma reforma agrária correcta que se vá auscultar o sentimento dos trabalhadores rurais alentejanos, dos pequenos agricultores, dos seareiros, etc. Se eu for eleito, quando relançar imediatamente a reforma agrária (que tem de ser continuada, evidentemente), em vez de pensar a coisa no gabinete ou pôr alguém a pensar para depois aplicar, portanto passar da teoria do gabinete para a prática do terreno, considero extremamente importante perguntar precisamente àqueles que permitem realmente todo esse avanço da reforma agrária, que são os trabalhadores rurais, os pequenos agricultores, os médios agricultores, os seareiros, perguntar-lhes o que deve ser feito. E a partir daí, então, passar toda essa prática à forma de lei.
GS — Mas isso não é uma sobreposição da função do Governo?
OTELO — Mas eu considero que o Governo tem que governar assim. E portanto, com a força que eu possa ter como Presidente da República eleito pelo povo, procurarei motivar o Governo a trabalhar neste sentido. É a tal noção que muitas vezes referi ao longo do processo, que consiste em teorizar a prática. Interessa muito mais, como método, teorizar a prática do que pôr a teoria em prática. Foi um processo que utilizei dentro das minhas limitadas possibilidades, no COPCON, diversas vezes. Um dos casos importantes é o da ocupação de casas. Foi uma experiência muito grande para o COPCON e deu a possibilidade de, com o apoio de juristas, ter o pessoal do meu Estado-Maior elaborado um projecto de decreto-lei que depois apresentei em Conselho da Revolução e que, após ter sido considerado do âmbito do Governo, passei às mãos de Vasco Gonçalves. Este levou-o à consideração do Governo, mas disse-me logo que iria ser muito difícil ao Governo conciliar as forças à volta daquele projecto, mas que iria tentar. Evidentemente que o projecto de decreto-lei ficou logo estropiado, virado do avesso. Aquilo que eu propunha, que era a passagem da prática à teoria, que era uma coisa com os pés assentes no chão, um projecto de decreto-lei realista, foi totalmente adulterado, porque havia interesses em jogo a nível de Governo que estavam totalmente divorciados das massas populares. Quando veio cá para fora, estava totalmente virado do avesso.
GS — No caso de ser eleito Presidente da República, é evidente que uma maioria tê-lo-á eleito mas haverá uma parte substancial do povo português que não só não estará de acordo com a sua eleição como será sua inimiga declarada. Ora, com o programa que vai defender, como acha possível evitar os perigos de guerra civil, perigos de convulsões neste país com a sua vitória?
OTELO — Considero que, quer a vitória seja minha quer de outro candidato qualquer, esses perigos hão-de sempre existir, porque o que se passa comigo nessa perspectiva que apresenta passar-se-á com outro candidato numa perspectiva inversa. Portanto, esses perigos terão de ser colmatados; vamos lá a ver é que medidas podemos tomar para evitar que o perigo alastre.
GS — Imaginemos que o major Otelo vai ganhar as eleições. Nós temos, de momento, problemas gravíssimos: 500 mil desempregados, inflação galopante, dificuldades a todos os níveis na produção nacional. Que formas concretas é que julga possível adoptar para resolver todos estes problemas? O controlo operário resolverá todas estas questões?
OTELO — Todas não resolve mas pode resolver em grande parte. Porque eu vejo nas massas operárias e mesmo nas massas camponesas, vejo uma consciência muito maior do que aquela que a maior parte das pessoas supõem. É uma vontade de produzir para além daquilo a que neste momento estão obrigadas, desde que essa produção e trabalho intensos que possam desenvolver resultem em benefício próprio e do país a que pertencem. Eu vejo uma vontade muito grande das pessoas e uma esperança muito grande de que haja alguém em quem elas confiem que lhes possa garantir que o trabalho que vão produzir será não em benefício de meia dúzia, não em benefício da recuperação capitalista, mas sim em benefício realmente do país, e então estão dispostos a todos os sacrifícios. O controlo operário, o controlo de produção feito pelas massas operárias, estou convencido que resolve, em grande parte, aspectos até da reconversão de indústrias que os operários possam fazer. Nos aspectos da produção agrícola é fundamental: nós continuamos a importar bens alimentares do estrangeiro. Estou convicto que é possível motivar as massas camponesas, os agricultores, os trabalhadores rurais para um aumento de produção muito intenso no nosso país de tal forma que nós consigamos a curto prazo, com sacrifícios, é evidente (admitidos pelos trabalhadores consciencializados) libertarmo-nos de uma dependência muito grande em que ainda nos encontramos em relação aos países estrangeiros: porque é inadmissível que nós continuemos a contrair empréstimos no estrangeiro para comprar bens alimentares a esse próprio país. Portanto, a importação de cereais, de batata e de outros bens podem começar a diminuir substancialmente com o trabalho do povo português. É essencial, e vai ser muito difícil governar esta barca sem que haja, por parte daqueles que produzem, uma adesão muito grande a quem os governa. Se não existir essa confiança, essa adesão, essa comunhão, se não existir por parte das massas trabalhadoras uma grande confiança naqueles que a dirigem, é evidente que, para obrigar as massas trabalhadoras a produzir, a trabalhar, só através de um aparelho repressivo novamente montado que obrigue as massas trabalhadoras.
GS — O que está a contar aponta para o problema da repressão...
OTELO — Essa repressão pode começar de novo para obrigar os operários a trabalhar. Contra sua vontade, porque sentem outra vez que o que vão produzir não sabem para quem e qual o seu destino.
GS—O problema da repressão coloca-nos perante a necessidade de transformar o exército no sentido deste servir o povo... Com a sua experiência no COPCON e o regresso a que hoje se assiste, da antiga disciplina e hierarquias ao cumprimento rigoroso do RDM, que tipo de transformações são indispensáveis para o exército e as Forças Armadas ficaram ao serviço das massas populares?
OTELO-— A experiência de 16 meses no comando do COPCON foi muito grande. É evidente que ao longo do processo revolucionário houve sempre uma grande indefinição de carácter político — é socialismo, não é socialismo — e consequentemente houve um certo clima de desordem e de instabilidade que afectou consequentemente as Forças Armadas. Estas tinham a palavra de ordem nos ouvidos: os soldados sempre ao lado do povo e motivei sempre as F.A. que comandava nesse sentido — mas a verdade é que talvez devido à tal indefinição política que se vivia no país, se tenha transmitido também às F.A. uma certa indisciplina e verificaram-se coisas deploráveis, de detestar: como militar, o facto de os soldados andarem com os cabelos compridos, desgrenhados, ao vento, mal ataviados, de terem atitudes que de certo modo chocavam as pessoas; mas eu estou convencido que todos esses aspectos de que a direita se aproveitou eram para ser ultrapassados. Necessariamente, para colocar todas as F.A. e F. Militarizadas sob uma ordem, uma disciplina é indispensável ter presente que essa ordem, essa autoridade e essa disciplina, com as quais eu concordo perfeitamente, devem ser postas sempre ao serviço do povo, sem que essa ordem, autoridade e disciplina vênham a constituir os tópicos fundamentais de um aparelho repressivo sobre as lutas das massas trabalhadoras: Estou convencido que os dois anos do processo revolucionário desencadeado a partir do 25 de Abril abriram horizontes mais largos às Forças Armadas. Os oficiais são portadores sempre de uma ideia de ordem, de autoridade e de disciplina. Por parte das outras classes em que nós dividimos os elementos das F.A., julgo que há uma ansiedade, até porque são geralmente camadas que vêm da classe proletária que estão muito mais inclinadas a toda uma acção de comunhão e de apoio às lutas dos trabalhadores e das massas populares. Estou convencido que será fácil conjugar estes dois aspectos apesar da maior parte dos meus camaradas das F.A. serem realmente de uma feição marcadamente tradicionalista e conservadora. No entanto, os dois anos do processo revolucionário e o 25 de Abril abriram perspectivas políticas extremamente diferentes às pessoas. E é possível vir a conjugar a necessidade de ordem e de disciplina com a necessidade, que também eles sentem, de estar ao lado do povo trabalhador para o avanço das lutas populares.
GS — Há o problema da profissionalização de tropas...
OTELO — Estou convencido que a maior parte mesmo dos oficiais das Forças Armadas é contra a profissionalização dos soldados, é contra o contrato que é feito para reintegrar antigos soldados a quem é pago um vencimento que na maior parte dos casos é superior ao salário mínimo nacional.
GS — Quais são os inconvenientes da profissionalização?
OTELO — O facto de esses voluntários não se integrarem no espírito do 25 de Abril pode significar que estão dispostos a aceitar serem uma força de repressão. Esse o perigo que pode existir: elementos reintegrados a vencerem cinco contos por mês podem constituir uma máquina repressiva sobre os trabalhadores. A tropa normal, um homem que enverga um uniforme durante um tempo da sua vida, está preparado para uma outra missão que não seja a da repressão. É um trabalhador que, de repente, veste uma farda e está apto a utilizar nesse momento a sua força em que está integrado para continuar a auxiliar os seus irmãos.
GS — Pensa que as FA voltarão a aceitar funções repressivas?
OTELO — As FA normais, não... Com as Forças Armadas especiais e sobretudo com a profissionalização, com a reintegração de elementos voluntários, é possível constituir-se uma força repressiva. O pessoal que está em serviço militar normal, a esmagadora maioria dos oficiais, estou convicto que não estão dispostos a constituir-se como força repressiva dos trabalhadores. Aqueles que participaram no 25 de Abril e que criaram o espírito do 25 de Abril de forma alguma poderão sujeitar-se a isso...
GS — Depois do que já observou durante a campanha pensa ainda na ideia da constituição de um movimento de unidade popular?
OTELO — Continuo a pensar nisso, sim senhor. Considero isso fundamental. É urgente organizar as massas com uma direcção política correcta.
GS — Após as eleições apaga-se ou vai ter aí um papel?
OTELO — No caso de não ser eleito? Os compromissos que assumi são de tal ordem que tenho de arranjar um processo de poder continuar.
(Entrevista publicada pelo semanário Gazeta da Semana, em 9 e 16 de Junho de 1976, conduzida pelos jornalistas Adelino Gomes, José A. Salvador e José Leal Loureiro.)
— Por mais de uma vez teve à sua disposição o lugar de Presidente da República. Para montar o «cavalo do poder», ter-lhe-ia bastado aceitar algumas regras do «jogo». Entretanto, nunca o pretendeu. Quando, há tempos, foi levantada a questão da sua candidatura, colocou algumas reservas, que não apenas as meramente legais. Quais os motivos que o levaram, posteriormente, a aceitar?
— Conforme, na ocasião, cheguei a afirmar a alguns órgãos da Informação, as minhas reservas consistiam no facto de considerar indispensável que a minha candidatura partisse da vontade das organizações dos trabalhadores, das organizações populares, das comissões de moradores e de aldeia e de outras.
Constatei, a certa altura, haver um movimento que justificava a apresentação de uma candidatura que tentasse unir o povo e as classes trabalhadoras na luta pela consolidação das conquistas revolucionárias. A minha visita ao Porto confirmou-o e digo até que o carinho que, então, me foi dispensado, além de constituir um momento inesquecível para o resto dos meus dias, compensou, só por si, esta minha aposta.
— E agora, acredita numa vitória?
— Quando se entra num jogo como este, acredita-se na vitória.
No entanto, no caso da política, há muitos factores em jogo, e, consequentemente, incertezas. É por isso, que se fazem sondagens à opinião pública.
Relativamente aos outros candidatos, tenho, à partida, vantagens e desvantagens. O povo, todavia, terá a última palavra...
— Temos, assim, que, contrariamente ao acontecido em outras ocasiões, está finalmente disposto a assumir a Presidência. Por serem outras as circunstâncias ou porque o major Otelo é diferente do general Otelo?
— As situações políticas não são de natureza lógica, havendo quem, por isso mesmo, diga que a política é a «arte do possível». Eu, enquanto pessoa — digo-o, particularmente, em atitude de verdade —, sou eu, pelo menos, tento ser o mesmo.
Sem dúvida que estes dois anos, incluindo a passagem de figura proeminente da vida política e militar portuguesa para encarcerado numa prisão, constituíram, para mim, tempos importantes de experiência e de reflexão. Mas, repare, que ser general e ser major são situações que me foram, digamos assim, impostas por circunstâncias exteriores a mim próprio.
Foi a mudança das circunstâncias que me levou a aceitar, agora, esta candidatura e, consequentemente, a oportunidade da minha atitude. Muita gente, de facto, se interroga comigo, se este é o 25 de Abril que desejávamos. Que se fez, com efeito, nesta revolução, que se diz de transição para o socialismo, pelos explorados? Que se fêz pelas mulheres, nas suas dependências de exploração e dos tabus sociais? Que se fez pelos velhos, pelas crianças e pelos camponeses pobres do interior? A que distância estamos, de facto, da sociedade justa que desejamos? Não acha que há mais do que razão para me candidatar? Para dizer ao povo português que não está em qualquer presidente, mesmo que seja um super-homem, a solução dos seus problemas, mas na sua própria vontade, na força da sua unidade, no dia-a-dia e em todos os locais.
Por outro lado, acrescento ainda que, há meses atrás, a minha assunção ao cargo de Presidente da República era cozinhada em gabinete e, portanto, imposta ao povo, pelo que não estive disposto a aceitá-la. Agora, tudo mudou de figura, pois que, se for eleito, terei comigo a vontade do povo e a força do povo, sem margem para as minhas próprias dúvidas e incertezas.
— Entretanto, a apresentação do seu nome tem provocado grande polémica, nomeadamente entre determinados sectores das Forças Armadas (acusam-no de «divisionista»), por parte de forças políticas de direita e pelo próprio Partido Comunista. Que pensa destas acusações?
— Não vejo razão para ser chamado de «divisionista». Se alguém foi alvo de divisão nas Forças Armadas fui eu e centenas de camaradas, situação, de resto, que eu acredito que a justiça e a honestidade dos meus camaradas venham a remediar.
Quanto às críticas da direita, se são essas, lembro-lhe que não fui eu o primeiro candidato militar a decidir-se, para além daquele que é, digamos, o oficiosamente apoiado pelos partidos mais à direita. Foi, como sabe, o senhor Primeiro-Ministro, a quem há uns meses, esses mesmos partidos mandavam dar o seu apoio. Vimos isso na Televisão!
Quanto às críticas do PC, não as compreendo. Eu dirijo-me ao povo e aos trabalhadores, enquanto trabalhadores.
A Constituição e a transição para o socialismo não classificam os trabalhadores conforme os partidos, até porque, se agora há estes partidos, daqui a dois ou três anos pode haver outros. Para mim, a posição é inflexível. Só me interessam as pessoas. Sempre que, no passado, tive intervenções político-militares, filas no MFA. Pergunto, pois, quem dividiu os portugueses: o MFA ou os partidos? O divisionismo é uma situação contra a qual eu luto com todas as forças. Lembro-me do que diziam os dirigentes políticos fascistas a esse respeito e sofro pelo facto de que parece que lhes queremos fazer a vontade.
— A propósito, como classifica, então, as restantes candidaturas?
— Não desejo tecer considerações, pois considero que não seria razoável.
Não posso, no entanto, deixar de ficar preocupado pela confluência de pontos de vista tão diferentes à volta da candidatura do general Eanes. Chego a pensar que ele próprio se possa sentir embaraçado.
— Considera importante que a Presidência venha a ser ocupada por um militar? Porque não um civil?
— Creio que as funções e responsabilidades do cargo, quer no sector civil quer no militar, justificam a presença de um militar. Também as condições históricas e as presentes da sociedade portuguesa julgo que o justificam.
— Regressando, de novo, à candidatura do general Ramalho Eanes, considera que ela terá, de facto, o apoio das Forças Armadas, ou, apenas, de algumas cúpulas?
— Para mim, as Forças Armadas vão do general mais antigo ao mais jovem recruta. O seu consenso será medido juntamente com o de todo o povo.
— No comício realizado no Porto, afirmou que a direita, os partidos capitalistas e servidores do capital estrangeiro se uniam em torno de um «homem honesto» (Ramalho Eanes), visando, a longo prazo, inverter a marcha do processo, em ordem à recuperação capitalista. Pensa que, no caso de vir a ser eleito, a honestidade e a força de Eanes serão capazes de impedir tal recuperação?
— Conforme já disse, mesmo que o Presidente fosse um super-homem, não poderia, em sociedade democrática, comandar sozinho a situação. É por isso que o conjunto de forças que rodeia o general Eanes e os interesses que elas defendem — e parece que não sou só eu a dizê-lo — podem, progressivamente, fazer evoluir a marcha do processo, de modo à ultrapassar as intenções iniciais do nosso general, que considero um homem honesto.
— Curiosamente, em entrevista concedida pela mesma ocasião, o general Ramalho Eanes afirmava que o major Otelo não serve a este povo e que, por outro lado, os seus gestos de fachada apenas serviam para criar situações de ditadura. Paralelamente, afirmava que, no caso de o povo o eleger a si, ele abandonaria o País. Que pensa destas afirmações?
— Tais afirmações deixam-me, simultaneamente, preocupado, triste e aliviado.
Preocupado, porque um cidadão, com bastantes probabilidades de vir a ser Presidente da República, que diz aceitar a democracia, parece não aceitar a derrota, nem querer continuar entre nós, para dar o contributo do seu ponto de vista. Triste, porque se trata de um camarada que viveu, comigo e outros camaradas, parte deste processo. Que eu saiba, nasceu e viveu, até agora, em Portugal, sem que a presença de um Presidente e de muitos responsáveis fascistas o incomodasse, ao contrário do que aconteceria se eu fosse o escolhido. Aliviado, porque mesmo as pessoas que consideram a sensatez como a máxima das virtudes também têm as sua falhas, quando colocadas em certas situações.
Eu, como sou um ser humano comum e não uma estátua, rio-me, comovo-me e cometo, por vezes, erros.
— Mudando um pouco de assunto: se for eleito Presidente, fará respeitar a Constituição? Considera-a conciliável com o seu programa?
— Evidentemente que farei cumprir a Constituição. O caminho para o socialismo é uma longa via. A Constituição que agora temos é um dos seus marcos. Quanto tempo vai durar? Não sei. É, nesta altura, uma boa meta para o nosso povo.
— Ainda em ordem ao problema da Constituição, afirmou, há tempos, que, no caso de o povo o escolher, convidaria Mário Soares a formar Governo. Que pensa daquele líder político? Considera-o o homem ideal para ocupar tal lugar?
— Há dois planos na sua pergunta.
Como homem e como conhecido antifascista, tenho por ele toda a consideração. O exemplo dele, bem como o de outros antifascistas, que tiveram de sofrer privações, foi uma grande ajuda moral para nós, militares, ao pensarmos fazer o 25 de Abril. Contudo, há, em todos, uma certa diferença entre a situação de lutadores antifascistas na oposição e, agora, na qualidade de dirigentes de máquinas eleitorais de centenas de milhares, ou de milhões, de votos.
Como político, reconheço-lhe alguns erros, quer no plano interno quer no plano externo, que critico em base meramente democrática.
Não teria, no entanto, dúvidas em seguir as regras do jogo e em o convidar, enquanto secretário-geral do partido e depois de ouvido o Conselho da Revolução, para Primeiro-Ministro. Se é o homem ideal para ocupar o cargo, só a História o dirá. Contaria com o meu apoio para as tarefas mais difíceis que o esperam.
— A propósito, considera viável um Governo minoritário?
— Penso que um Governo PS, mesmo minoritário, tem mais possibilidades em formar uma equipa homogénea. O País conhece as dificuldades operacionais dos governos de coligação... Mas devo dizer-lhe que estou bastante preocupado em relação às possibilidades de recuperação, quer com um Governo minoritário, quer com um Governo maioritário.
— Possibilidades de recuperação...
— A situação da economia portuguesa é muito grave, embora muitas pessoas não estejam conscientes disso, porque a maioria nasceu e cresceu sem as deixarem participar na vida do País e, portanto, sem saber prever os acontecimentos, em face de certos dados.
Por outro lado, os partidos políticos também têm apregoado «mundos e fundos» e feito pouco esclarecimento. Vamos enfrentar grandes dificuldades, consequência da dura herança do fascismo e da situação de transição, sem que se tenha alterado fundamentalmente o modelo de desenvolvimento. E as pessoas não darão apoio a certas medidas só porque puseram um papelinho na urna, só porque votaram no partido que governa. As donas de casa, os trabalhadores darão, sim, o apoio, quando sentirem que os responsáveis lhes estão a resolver os problemas concretos, ou, pelo menos, estão a partilhar com eles as dificuldades, com toda a honestidade e dedicação.
Funcionará a obediência partidária numa sociedade instabilizada e em dificuldades crescentes? A experiência dos países comparáveis ao nosso e até a nossa própria experiência permitem-me duvidar.
— Advogou, há pouco, um militar para a Presidência. Os militares também deverão fazer parte do Governo? Que pensa do tão apregoado «regresso aos quartéis»?
— Os militares enquanto militares não devem fazer parte do Governo.
O chamado «regresso aos quartéis» está previsto dentro do quadro constitucional, de modo adequado à situação do momento. O regresso absoluto não me parece, no entanto, possível.
A situação de crise, de que lhe falei, pode até fazer com que volte a ter de ser salientada a sua intervenção. Espero e desejo, no entanto, que o façam, ainda, no quadro constitucional e fundamentalmente democrático. Parece que está provado que na História portuguesa, volta e não volta, os militares têm de ter um papel de intervenção. Creio que é um problema sobretudo de índole cultural. A democracia não se aprende em cursos rápidos. Herda-se de gerações para gerações. O que é preciso é querer começar, com força e generosidade.
— Falando, de novo, em candidaturas, julga que o general Costa Gomes se devia candidatar? Se for eleito, considera importante a sua presença no activo? Com que funções?
— O general Costa Gomes teve, ao longo deste processo, um papel muito importante, sobretudo em três frentes: descolonização, relações com o exterior e manutenção de uma coesão unitária entre militares.
O grande público, não só não se apercebeu dessa importância, como até, muitas vezes, a recebeu deturpada, por certo tipo de informação e manipulação partidária. Isto foi muito marcado sobretudo pelo problema da descolonização e de todo o drama que ele arrastou e que foi tão mal compreendido... A História dirá, nisto como no resto, quem estava do lado honesto e quem foi oportunista. O nosso general já explicou as razões por que não se candidatou.
— Mas, se for eleito, gostará de poder contar com ele?
— Se eu fosse eleito, certamente que faria todo o possível para lhe pedir que, após um muito merecido descanso, me desse, em função a acordar, todo o apoio, devido não só às suas qualidades pessoais mas também pela sua presença experiente e muito prestigiosa nas Forças Armadas.
— Ainda outro assunto. Como afirmou, há dias, podia ter aceitado, no dia 26 de Novembro, o lugar de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Porque não aceitou? Como se compreende um convite desses e, pouco tempo depois, a sua prisão?
— As manipulações existentes levaram a acontecimentos que a justiça averiguará, bem como ao afastamento de centenas de camaradas, a maioria dos quais eu conhecia e sabia que não estavam a preparar nada ou implicados no que quer que fosse. Não poderia, portanto, aceitar um lugar de responsabilidade, que sentia ser de traição a esse grupo. Só havia uma solução: «descer» e seguir a regra geral, a prisão preventiva, como os outros.
Desejo, no entanto, fazer uma rectificação: o convite foi para desempenhar funções de vice-chefe e não de chefe, as quais continuariam a ser exercidas pelo general Costa Gomes.
— Perante tudo isto, que significa, para si, o 25 de Novembro?
—— O assunto está ainda demasiado fresco e sobre ele já dei a opinião que poderia dar. Oxalá seja apenas um «duche frio» que acorda alguém que está a dormir e a ter um sonho agradável. Infelizmente, pode ter sido o golpe final em todo o processo iniciado há dois anos. Oxalá não voltemos a dormir, mas, agora, para viver um grande pesadelo.
— Acompanhou Mário Soares (então ministro dos Negócios Estrangeiros) em algumas das suas missões descolonizadoras. Nomeadamente no caso de Moçambique, teve importantes intervenções. Como classifica a descolonização? Foi a possível ou poderia (deveria) ter sido outra?
— Dou-lhe a minha opinião, sem qualquer relação com o facto que menciona da presença do dr. Soares nos Negócios Estrangeiros.
— O facto, para mim, também não pretendeu ir além de uma relação histórica...
— Certo. A descolonização foi a que pôde ser e não a que poderia ter sido.
Há, infelizmente, muita gente, no nosso país, que pensa como se nós pudéssemos ter talhado a descolonização a feitio, como um alfaiate corta um fato. Esquecem-se que a situação de guerra estava a ser insustentável em todas as frentes, quer no campo militar, quer no campo da política internacional, quer, ainda, no da economia. Os povos colonizados tinham vivido, também, uma longa guerra de sofrimentos e de sacrifícios e tinham, naturalmente, bastante mais impaciência e vantagens morais do que nós.
Infelizmente, houve toda uma série de interferências das forças colonialistas, internas e externas, e isso prejudicou completamente a evolução desenhada nos acordos. Particularmente em Angola, o sacrifício para portugueses e africanos foi dramático. Também o caso de Timor, onde há ainda camaradas presos, é extremamente lamentável.
— No caso de vir a ser eleito Presidente, considera importantes as relações com as ex-colónias? A que nível?
— Sou partidário de que temos, urgentemente, de sarar as feridas abertas e reatar relações com os novos países independentes onde se fala português, o que exige uma atitude política progressista e aberta.
Há valores enormes, culturais e históricos, a salvaguardar e, muito objectivamente, interesses económicos, que, no proveito mútuo, é urgente restabelecer. O nosso comércio externo foi, de facto, afectado. Se não nos mexermos, outros o farão em vez de nós. Isso também passa pelos problemas dos refugiados, assunto que tenciono abordar ao longo da campanha. O seu lugar é, na minha opinião, para a maioria daqueles que são válidos e realistas na capacidade de lutar, junto dos bens pessoais que lá deixaram, produzindo, agora, riqueza para essas novas nações de língua portuguesa, onde, no passado, colaboraram, a maioria das vezes involuntariamente, em benefício de meia dúzia de grandes exploradores. Essa integração exige, evidentemente, respeito pelos direitos de cada povo às suas práticas ideológicas e sociais.
Temos de reconhecer que o atraso das populações africanas, herança da nossa colonização, exige medidas que são, por vezes, consideradas, sob uma perspectiva ocidental, de alguma dureza. As grandes mudanças da História provocam sofrimento e vítimas inocentes. Compreendê-lo e aceitá-lo é condição para nos reencontrarmos a nós próprios neste pequeno rectângulo da Europa.
(Entrevista publicada pelo Século Ilustrado, em 18 de Junho de 1976, conduzida pelo jornalista Alexandre Manuel).
A minha candidatura permitiu romper com vários e importantes mitos, dos quais referencio alguns, que me parecem dos mais notórios. Assim, posso afirmar em primeiro lugar e agora sem receio de desmentido, que é falso, inteiramente, o divisionismo entre o Norte e o Sul, à cidade e o campo, o Continente e as Ilhas. Em todo este País que é nosso, que é Portugal, as massas populares me acompanharam, me vitoriaram, me demonstraram a sua adesão aos princípios programáticos que apresentei ao País e que aceitam como seus. Em segundo lugar, que essas bases programáticas por mim apresentadas, são consideradas viáveis, praticáveis, pelas massas populares e trabalhadoras do País, caindo por terra a arrogância daqueles que, invocando a intuição política do Povo português, apodam de utópico e irrealizável um projecto político que as massas populares aceitam e ambicionam.
Em terceiro e último lugar, foi evidente o repúdio que o povo manifestou pela grande mentira do 25 de Novembro e por tudo aquilo que essa data representou para os trabalhadores portugueses, para os mais humildes e explorados em especial. O ódio ao 25 de Novembro é contrabalançado pelo amor e pela esperança do regresso ao exaltante período revolucionário posterior ao 25 de Abril e que se prolongou até ao 25 de Novembro.
E posso afirmar agora que o povo sabe que essa esperança se pode tornar realidade, que pode combater o regresso do fascismo e a recuperação do odioso capitalismo desde que se consiga, de novo, criar a unidade e a organização do povo trabalhador e a sua permanente mobilização para a luta. E foi precisamente para se conseguir esta unidade do povo trabalhador, com a superação que em muitos casos reconheço difícil, de divergências partidárias, a sua organização e a mobilização para a luta, que se criaram os Grupos Dinamizadores de Unidade Popular. Estes grupos, formados por toda a gente que, com entusiasmo, apoia um projecto político que «vise a construção do socialismo de base, a partir do reforço e desenvolvimento de organizações populares de base», foram criados tendo por finalidade objectiva e imediata montar com rapidez e um mínimo de eficiência, o apoio à minha candidatura.
Mas o extraordinário movimento das massas populares despoletado com a campanha eleitoral não pode nem deve, de forma alguma estagnar, seja qual for o resultado das eleições que hoje decorrem. E serão, terão de ser, os GDUP's, a célula embrionária que, reproduzindo-se pelo País às centenas, aos milhares, reforçarão cada vez mais este amplo movimento de Unidade Popular que se gerou e originarão, a partir da base, a estrutura de uma grande frente de massas populares.
Durante a campanha eleitoral, tive oportunidade de apreciar a extraordinária capacidade imaginativa e criadora dos GDUP's. Que continuem todos a tê-la, em todo o País, para bem deste povo trabalhador que tanto anseia pela libertação e pela construção de uma sociedade que seja a sua — a sociedade de trabalhadores. Os GDUP's — podem ser — têm que ser — uma poderosa realidade. Que todos consigam eliminar nocivos sectarismos partidários, que todos trabalhem no sentido da construção de uma autêntica unidade e organização do povo trabalhador do País— com entusiasmo, vontade, dedicação e, sobretudo honestidade —e talvez estejamos a construir neste País, na hora presente, algo de extraordinariamente importante, cujo valor histórico só o futuro poderá dizer.
Aos GDUP's pertencerão todos os companheiros e amigos honesta e profundamente interessados em trabalhar activamente para a construção de uma sociedade socialista baseada na determinação e na força dos explodos, dos desprotegidos, dos que aspiram a uma sociedade mais justa. Os GDUP's devem constituir-se a partir da adesão dos democratas e antifascistas, quer tenham ou não filiação partidária, que se unam nos campos, nos bairros, nas fábricas, nas empresas, nas repartições públicas, nas escolas, nos escritórios, no mar, nas minas.
A «democraticidade interna» deve ser um factor permanente a ter em atenção, elegendo os melhores, independentemente de pertencerem ou não pertencerem a qualquer partido ou grupo político. E que nenhum grupo político, através de qualquer dos seus elementos leve para o interior dos GDUP's a disciplina partidária ou a doutrina do partido, mas apenas as bases fundamentais e as linhas de actuação para obtenção de melhores resultados num projecto político aceite por todos. Isto, sob pena de o sectarismo e as lutas partidárias que só dividem o povo trabalhador voltarem a existir e liquidarem, à nascença, a esperança e a vontade de uma verdadeira unidade popular que é enorme nas massas trabalhadoras.
Que os GDUP's não interfiram nem se substituam às organizações dos trabalhadores e moradores já existentes, pois que são diferentes os campos de actuação e o trabalho a desenvolver por cada um dos órgãos. Sendo evidente, porém, que nos GDUP's poderão e deverão integrar-se elementos das comissões de moradores, cooperativas, associações sindicais, conselhos de aldeia.
Os GDUP's exercerão, através dos seus membros, uma acção constante e permanente de dinamização e esclarecimento das massas populares no que se refere à unidade popular e à discussão sobre as bases programáticas, criando um permanente sentido de mobilização do povo trabalhador para a luta pelos seus interesses mais profundos e pelo alcance de novas e fortes conquistas.
Uma estrutura organizativa será criada com vista a dar resposta à necessidade de ligação e à «obtenção de uma correcta direcção política», orientada segundo os princípios à volta dos quais se forjou a unidade de reforçar e alargar essa unidade.
Como resposta à necessidade de dar coesão e dimensão nacional aos GDUP's e na sequência da sua dinâmica organizativa e da sua coordenação a nível regional, deverá realizar-se um congresso, onde estejam democraticamente representados todos os GDUP's, o qual permitirá reforçar e solidificar toda a estrutura até então criada, da unidade popular entre o povo trabalhador.
Ao terminar a campanha eleitoral após ter percorrido o País de Norte a Sul, do Continente às Ilhas, uma grande certeza me fica: o povo trabalhador não está derrotado, o povo trabalhador não abdicou de tomar em mãos o seu destino e de construir neste País, uma sociedade nova. É daí que resulta a minha convicção profunda de que com unidade, organização e luta VENCEREMOS!
BALANÇO POSITIVO
Página Um: Queria levantar duas questões. Tendo em conta que a candidatura do sr. major não dispõe de apoio de uma máquina partidária como acontece com os outros candidatos, os resultados até agora obtidos, excedem certos prognósticos. Como faz o balanço da sua campanha, atendendo a este aspecto. A segunda questão é a seguinte: a não realização da Mesa Redonda na passada quarta-feira, trouxe vantagens ou desvantagens para a sua campanha?
O. S. C. — É evidente que à partida, entre os quatro candidatos que se apresentavam às eleições presidenciais, eu era o mais desfavorecido. Não tinha qualquer aparelho financeiro, não dispunha de qualquer força política ou militar no aparelho de Estado, não dispunha, portanto, de força política concreta nem de força militar. Faltava-me a força e o apoio dos grandes partidos políticos. Dos quatro, era eu sem dúvida o mais desfavorecido. Mas temos que contar que os mais desfavorecidos neste País têm uma força considerável. Infelizmente há muita gente que se esquece disso. E não tendo realmente máquinas poderosas, nem políticas nem partidárias que me pudessem apoiar, os resultados estão à vista. Posso considerar, portanto, em termos directos que o balanço da campanha e das eleições é extraordinariamente positivo, dado que vai ultrapassar largamente as expectativas dos mais optimistas e julgo ser uma bofetada muitíssimo grande em todos aqueles que muito burguesmente se limitam ou se limitaram a fazer uma contagem objectiva da soma percentual das votações para a Assembleia Legislativa. Portanto, em termos definitivos, o balanço é extraordinariamente positivo. Considero uma grande vitória estas eleições.
A Mesa Redonda que se devia ter realizado e que deixou de ter efectividade, devido ao ataque cardio-vascular do sr. almirante Pinheiro de Azevedo, considero que foi prejudicial à minha candidatura, pois que nessa mesa tudo aquilo que havia sido já desmascarado, poderia continuar a sê-lo, e deveria continuar a sê-lo, e eu teria a possibilidade de revidar perante três milhões de portugueses que vêem televisão, muitas das acusações, muitas das insídias que foram proferidas ultimamente, até por um homem que eu sempre considerei, um óptimo militar, um belíssimo oficial, mas que chego à conclusão que, enredado na máquina política e na máquina partidária, deixou de o ser. Neste momento, pode ser um bom oficial mas politicamente e humanamente revelou-se um homem absolutamente igual ou inferior aos outros.
Diário de Lisboa: — Foi dito que quando o sr. general se candidatou à Presidência da República era para provocar um amplo movimento de massas. Pensa que esse objectivo foi alcançado, e pensa que a sua candidatura veio contribuir para a modificação dó panorama político português?
O. S. C. — Quanto ao amplo movimento de massas realizado, eu estou convicto de que, aqueles que são honestos e isentos nas suas apreciações, podem ter acompanhado o que foi a campanha eleitoral para a presidência da República e portanto a resposta está dada por todos os noticiários, dos jornais isentos, dos que não têm uma informação sectária ou reaccionária. Julgo pois que a resposta é afirmativa. O amplo movimento de massas que existiu de Norte a Sul do País, e na Madeira, onde eu pude constatá-lo foi de facto positivo. Por outro lado, a minha deslocação aos Açores, foi também altamente positiva, neste aspecto, porque as consequências que advieram dessa minha viagem foram importantes para o movimento de massas. Portanto, quanto ao objectivo que me propunha alcançar com a minha candidatura — mostrar que o movimento popular de bases estava vivo, e tinha apenas ficado travado em 25 de Novembro — esse objectivo foi realmente alcançado.
A candidatura e os resultados eleitorais podem vir a provar, realmente, alterações de monta no panorama político português, porque há um vector importante a considerar e que é normalmente desprezado pelos partidos políticos burgueses, que dominam a sua máquina partidária (até através de chantagens) e que neste momento falhou. Tudo o que eu vier a obter para lá dos 15%, considero uma estrondosa vitória. Vamos contar, portanto, com a presença firme e actuante de todos aqueles portugueses, que não éstão vinculados a qualquer partido político (há a tendência de considerar todo o povo, enquadrado em partidos políticos e divididos por eles). No mínimo, a minha campanha e as eleições vêm demonstrar que há grandes massas do povo português que não estão realmente enquadradas, carneiramente (sem ofensa) por partidos políticos, e que estão dispostas a acreditar num determinado programa político que neste caso é o meu, o qual julgam viável e julgam realizável e que é para já uma possibilidade de transformação da sociedade portuguesa.
México: — Tendo o sr. uma média de 20 % dos votos, e sendo ainda acusado num processo que o envolve ou envolvia num golpe de Estado, como responderá a essa provocação?
O. S. C. — Eu realmente estou envolvido num processo de golpe militar que é o 25 de Abril. E, pelo caminho que as coisas levam no País, qualquer dia estarei sentado no banco dos réus, acusado de ter planeado, comandado, dirigido o golpe de 25 de Abril.
Quanto ao 25 de Novembro, mantenho o que tenho afirmado publicamente. O que até agora surgiu quanto ao 25 de Novembro, foram relatórios que eu continuo a acusar de inteiramente falsos, relatórios nos quais são tiradas ilacções precipitadas sobre acontecimentos anteriores ao 25 de Novembro, relatórios baseados em denúncias inteiramente falsas.
Aqui há toda uma tentativa de destruir a figura de Otelo Saraiva de Carvalho, que agora já não serve. Em determinado momento permitiu a liberdade do País, mas agora é uma figura incómoda ao «processo revolucionário». A verdade é que em 25 de Abril de 74, o processo revolucionário português se encaminhava decididamente para uma revolução democrática burguesa. Tal como a que existe em toda a Europa Ocidental.
No entanto, houve uma altura em que nós, com o avanço da energia revolucionária das massas populares, fomos obrigados a definir o carácter socialista para a Revolução Portuguesa. E a partir daí eu lancei-me, abertamente, nesse campo. Mas eu enganei-me ao franquear essa porta. Não me enganei pessoalmente a mim mas face à perspectiva que era da maioria, dos homens que controlavam, que queriam dominar e controlar o MFA. Lancei-me com camaradas que me apoiaram nessa luta para a revolução socialista. Com excesso e com violências, mas esses excessos e violências foram cometidos sobre a classe dominante, sobre a classe exploradora que, ao longo de todos estes anos, diariamente cometeu excessos e violências, utilizando todos os meios ao seu alcance, (um aparelho repressivo posto à sua disposição) para violentar o povo trabalhador. Essa classe exploradora detinha um poder económico e consequentemente dominava o poder político, tendo à sua disposição um aparelho repressivo, com que reprimia constantemente as lutas dos trabalhadores, exilando, torturando e matando portugueses que lutavam pela sua libertação.
A minha perspectiva neste momento, é uma perspectiva de libertação do povo português e continua a ser. Não. sei para onde se encaminhará, neste momento, a sociedade portuguesa. Se eu tivesse sido eleito, teria feito regressar realmente a vida do País a um clima de revolução, como aquele que vivíamos antes do 25 de Novembro, e que tanto assustava a classe exploradora, o que era natural.
Neste momento, não poderei fazê-lo e não sei mesmo o que me irá acontecer. Continuo a ser um oficial do exército e passada esta fase agitada da campanha eleitoral e das eleições, regresso à minha condição de major de artilharia e fico nas mãos dos meus superiores hierárquicos.
Um militar limita-se a obedecer, até que considere que a obediência que deve aos seus chefes já não pode ser suportada. Mas por enquanto a minha situação é a de um oficial do exército.
El País - Espanha: — O apelo que tem feito aos Grupos Dinamizadores de Unidade Popular pode considerar-se como a tentativa de formar um novo partido?
O. S. C. — Neste momento será difícil formá-lo. Considero é que estão criadas as bases para a formação de uma ampla frente de massas populares.
Não quero dizer que daí se venha a formar um novo partido político. Agora que essa frente de massas populares será criada, e poderá discutir bases programáticas fundamentais, que vão ao encontro das suas aspirações mais profundas, isso é uma verdade. Pode ser que a partir dessa frente ampla das massas populares, possa vir a criar-se um partido de massas. Mas de momento isso é imprevisível.
Página Um — Pensa que a ligação Norte-Sul foi feita através da sua candidatura?
No momento em que esta conferência está a ser feita, a RTP transmite uma entrevista com o dr. Mário Soares. Pensa que é exemplo de pluralismo de informação?
O. S. C. — Em relação à ligação Norte-Sul, considero que sim. Foi extremamente positiva a campanha eleitoral nesse aspecto, pois que tal como disse na mensagem que enviei aos GDUP's considero que essa ligação foi feita.
Penso que os interesses do povo português, do povo trabalhador, são exactamente os mesmos quer estejam no Algarve, Alentejo, na Beira Alta, em Trás-os-Montes ou no Minho. Ou nas ilhas. São exactamente os mesmos. As profundas aspirações de um povo, de um povo explorado, são sempre as mesmas em qualquer parte do mundo, por isso que eu também afirmei ao longo da campanha, que os trabalhadores, mesmo os dos países capitalistas, são nossos aliados. O que pode muitas vezes fugir a esta fraternidade, a esta igualdade de ideias e de aspirações, são os governos de países e são os partidos políticos.
Agora, o povo trabalhador explorado tem sempre as mesmas ambições, as mesmas necessidades profundas. A campanha permitiu-me verificar o falso divisionismo entre o Norte e o Sul, entre a cidade e o campo, entre o continente e as ilhas. Porque as aspirações do povo português, são exactamente as mesmas. Simplesmente poderá haver zonas do País, que logo em 25 de Abril estavam abertas, mais mentalizadas para uma imediata transformação da sociedade portuguesa, que estavam mais preparadas para a Revolução do que outras zonas do País, onde o caciquismo existe ainda, onde o clero reaccionário tem influência muitíssimo grande e que domina, estrangula, toda a ansiedade do povo trabalhador.
Em relação à entrevista que nosto momento está a ser dada. pelo dr. Mário Soares, pois é evidente que será a ligação, Eanes na Presidência, PS no Governo, portanto é um triunfalismo imediato de um partido político, que já sabe à 100% que poderá formar o governo que quer.
Diário Popular: — Diz-se já publicaménte que a candidatura do major Otelo será o seu último acto político. Teça comentários sobre isto. Por outro lado, neste momento, ainda falta saber as contagens de mais de 2 milhões de eleitores, ainda faltam os resultados da Cintura Industrial é dos grandes centros urbanos. Pode haver uma viragem ainda mais à esquerda e é possível a segunda volta: No caso de poder haver segunda volta, o major Otelo, faria uma coligação com o Partido Comunista Português e com o Almirante Pinheiro de Azevedo?
O. S. C.— Quanto ao facto de se dizer, que este acto eleitoral, constituirá o último acto político de Otelo Saraiva de Carvalho neste País, é evidente que não, até porque daqui a cinco anos vai haver novas eleições.
Quanto à questão de poder haver uma segunda volta (se houver uma alteração espectacular na situação presente) e se for eu o beneficiado dessa segunda volta, pois eu devo dizer que não faço coligações com partidos. Eu não pertenço a nenhum, não faço coligações com eles. A mim o que me interessa e o que eu quero dizer é que os partidos políticos... estou farto de partidos políticos. E já estou farto de ouvir o Octávio Pato, o Álvaro Cunhal, a dizer que sou antidemocrático, que sou contra os partidos... Eu não sou contra os partidos. O que eu continuo a ser sempre é profundamente contra as manobras divisionistas que os partidos fazem contra o povo trabalhador português.
Lá que existam partidos de direita que dividam a sua burguesia e a partam aos bocados, encantado da vida. Agora, quando vejo partidos políticos de esquerda que se dizem revolucionários a dividir profundamente as massas trabalhadoras, a tentar controlá-las, a cortar-lhes a iniciativa, a estrangular a luta revolucionária das massas populares, então aí, eu realmente fico admirado. Portanto, para mim o socialismo tem de se construir não a partir de um controlo rígido, de uma chantagem, de uma disciplina, exercida sobre as massas trabalhadoras, mas pelo contrário dando a maior possibilidade de libertação a essas massas trabalhadoras. As massas populares é que criam um socialismo autêntico.
Com unidade, com organização e mobilizadas para a luta, as massas populares, a força das massas trabalhadoras é imparável.
(Página Um, de 29 de Junho de 1976)
A unidade dos trabalhadores, mobilizados politicamente a todos os níveis, contando com as suas próprias forças, lutando pela independência nacional e tendo-a como critério em todos os momentos da luta, dirige-se à construção de uma sociedade nova, à construção de uma sociedade socialista.
A luta dos trabalhadores tem por objectivo acabar com a exploração capitalista, pôr termo à oposição entre a cidade e o campo, eliminar a dupla exploração da mulher trabalhadora.
Na sociedade nova afirmar-se-á com força crescente o princípio de que a economia deve satisfazer as necessidades dos homens.
No capitalismo são os homens que satisfazem a economia: as empresas produzem para terem lucro e vendem mercadorias a quem tem dinheiro para as comprar. Quem tem necessidade e não tem dinheiro, sofre.
O aparelho produtivo tem que ser reorganizado para satisfazer colectivamente as necessidades básicas de todo o povo: saúde, habitação, alimentação, emprego, vestuário, educação. Os gostos dos portugueses, formados pelo capitalismo, têm de ser educados politicamente, sem violentar a liberdade dos trabalhadores, para que as necessidades sentidas coincidam com as necessidades reais.
Estes objectivos só são possíveis se as relações impessoais que o capitalismo cria forem substituídas por relações entre pessoas. O capitalismo faz do homem uma peça da máquina destinada a satisfazer as necessidades do capital: os homens são despersonificados e desprovidos da sua dimensão colectiva. O capitalismo isola cada trabalhador de todos os trabalhadores para melhor os explorar e reprimir. O capitalismo separa cada morador de todos os moradores para melhor os explorar e reprimir.
A sociedade nova começa quando na prática social dos trabalhadores surge a necessidade e a possibilidade de intervenção nas decisões e todos os níveis em que elas são tomadas.
As Comissões e as Assembleias de Moradores, as Comissões e as Assembleias de Trabalhadores, são os órgãos privilegiados para substituir a concorrência pela cooperação como princípio básico de organização da sociedade. Estas novas relações só podem dominar e substituir as relações capitalistas após um processo em que há ruptura. Mas, desde já, na auto-educação prática dos trabalhadores, as Comissões de Trabalhadores e as Comissões de Moradores preenchem um papel importante que se tem alargado ao estabelecimento de novas relações campo-cidade.
A unidade politicamente organizada dos trabalhadores terá como objectivo principal satisfazer as necessidades básicas de todos os portugueses, começando pelo emprego. A satisfação destas necessidades (uma vez medidas, com a sua componente cultural-histórica) exige a crítica política e a prática do modelo de consumo vigente no capitalismo e, prioritariamente, a organização do aparelho de produção.
A reorganização do aparelho de produção deve ser pênsada em função dos seguintes objectivos:
A crise capitalista caracteriza-se por estarem de um lado fábricas paradas, terras por aproveitar, e do outro trabalhadorés desempregados, famílias sem casa, mesas sem comida.
A primeira prioridade, o primeiro objectivo do regime popular é produzir bens socialmente úteis — casas, alimentos, vestuário, transportes, livros a preços mais baixos que os que a desordem capitalista impõe.
Aumentar a produção de bens significará, num primeiro momento, aumentar o emprego. Logo à partida, um regime popular e progressista aumentará o emprego sem aumentar o investimento económico: organizará melhor a produção, assentará no princípio da mobilização política das massas trabalhadoras. Os trabalhadores podem fazer o que os capitalistas não podem: aumentar o emprego e a produção sem aumentar o investimento.;
A prioridade à produção e ao emprego exige que os trabalhadores organizados façam um inventário dos recursos humanos e materiais portugueses e decidam democraticamente quais são as importações que são prejudiciais e devem, portanto, ser limitadas ou impedidas.
A inventariação dos recursos e a organização popular da produção exigem um reforço da organização dos trabalhadores no local de produção e habitação. E exigem também a criação de estruturas de coordenação dos trabalhadores, quer por indústria e ramo de actividades, quer por regiões.
Todo o povo trabalhador agirá economicamente dentro do princípio da economia de meios: procurar-se-á poupar o que pode ser poupado, procurar-se-á aumentar a duração dos produtos de consumo, contrariando a tendência do capitalismo actual para fazer produtos que se estragam rapidamente. Procurar-se-á conservar os meios de produção existentes, as fábricas, as traineiras, as máquinas, e o parque automóvel, constituindo brigadas móveis de trabalhadores qualificados que efectuem rapidamente as reparações necessárias e façam — e ensinem a fazer — as reparações necessárias para manter e aumentar a produtividade.
O esforço nacional de todos os trabalhadores no campo da economia tem de ser acompanhado por idêntico esforço no campo do ensino e da saúde, criando equipas especiais que melhorem a curto prazo as condições de vida do povo.
Afirmar que a agricultura é a base do desenvolvimento e a indústria o seu motor, significa afirmar que nenhum desenvolvimento da indústria tem sentido se ao mesmo tempo não se conseguir satisfazer as necessidades básicas de alimentação, isto é, se o povo ou parte dele continuar a ter fome ou a alimentar-se mal.
Nesta perspectiva, o desenvolvimento da indústria centra-se prioritariamente sobre o aproveitamento das matérias-primas nacionais e de outros recursos humanos, materiais ou científicos, que já possuímos ou estamos em condições de poder vir a desenvolver.
Se a indústria é o motor, então, é ela que puxa pelo resto dos mecanismos económicos. Mas o dizer-se que a indústria é o motor, não significa que todos os seus sectores devam ser encarados da mesma maneira, isto é que todos possuam a mesma capacidade para se puxarem uns aos outros. Dentro da própria indústria existem sectores ou indústrias que poderão e deverão ser privilegiadas, pois que eles também por sua vez são motores em relação aos outros sectores. Não se poderá actuar uniformemente em todos os sectores industriais. Há que escolher as armas privilegiadas e as mais eficazes.
Não se pode entender que a indústria tem justificação apenas enquanto consumidora ou fornecedora de produtos à agricultura. Esta é a base e apenas a base. Enquanto tal, nada poderá ser equacionado em termos de desenvolvimento industrial sem à partida se saber se os objectivos a atingir pelo sector agrícola estão salvaguardados. Mas não basta ficar por aí. Embora indirectamente ligados à agricultura, sectores industriais há, que são susceptíveis de um desenvolvimento largamente autónomo. As opções concretas dependerão fundamentalmente dos objectivos que tiverem sido fixados ao nível do consumo, das tecnologias a adoptar e dos recursos nacionais a utilizar ou utilizáveis. Hoje, em Portugal, só muito difiícilmente seria possível que as opções de consumo do povo trabalhador se dirigisem única e exclusivamente para bens provenientes da agricultura.
Nunca poderemos salvaguardar o objectivo da independência nacional, se para obtenção de meios de produção estivermos determinantemente subordinados às aquisições do exterior. Isto quer dizer, que tudo teremos de fazer no sentido de nos libertarmos das imposições que pela via das tecnologias importadas os imperialismos nos queiram estabelecer.
Trata-se de imposições mais graves e mais perigosas que as que habitualmente são denunciadas. E são mais perigosas porque se apresentam de forma mais disfarçada, actuando sub-repticiamente. Aparecem como se se tratasse de factos ou fenómenos normais ou quando muito inevitáveis. De facto, essa aparente inevitabilidade decorre apenas da nossa integração no quadro da divisão capitalista internacional do trabalho, que essa não tem qualquer grau de inevitabilidade, mas apenas pressupõe relações de produção de tipo capitalista. Que teremos de ultrapassar essa «inevitabilidade» demonstra-o o facto de que por via dessas tecnologias importadas, se vem efectivamente condicionar a nossa liberdade para escolher o tipo e o ritmo de desenvolvimento que salvaguarda a nossa independência nacional.
Dentro das imposições que imediatamente decorrem do que já foi dito convém referir que a importação de tecnologia só por si pouco sentido tem, se a desligarmos dos meios materiais em que ela se incorpora. Quando se diz que se importa tecnologia tem-se necessariamente em mente, não apenas a tecnologia propriamente dita (o conhecimento da concepção: marcas, patentes, etc), mas também os equipamentos em que aquela se incorpora.
Para um país como o nosso, pequeno e com recursos humanos e financeiros escassos, trata-se do problema que se põe com maior premência, que não será fácil vencermos sozinhos.
Qual é a via que teremos de seguir para salvaguardar a nossa autonomia? Teremos que escolher modelos tecnológicos que se adequem às nossas disponibilidades de factores e ao nosso modelo de desenvolvimento. Porque não será fácil encontrar quem no-los queira fornecer em condições de verdadeira independência, teremos quase sempre que reinventá-los, o que quer dizer que teremos que fazer investigações com tudo o que isso significa de mobilização de recursos humanos, materiais e financeiros. Só que não possuímos dimensão económica, que nos permita suportar sozinhos os custos que implica a criação duma tecnologia autónoma. Teremos que socorrer-nos da solidariedade de países amigos, no que isso significa de capacidade de fornecimento de tecnologias que por nós sejam desejáveis e de possibilidades de elaboração de projectos em comum, e que uma vez concretizados poderão ser utilizados também em comum. Haverá, sempre que possível, que procurar explorar as complementariedades existentes entre países, cuja solidariedade decorre dos mesmos objectivos políticos.
O problema da criação duma tecnologia autónoma mais complexo se torna se para além da fase de concepção passarmos à sua materialização e concretização. Há que cuidar então, se não mesmo já na fase de concepção, de estudar a forma de mobilizar os recursos nacionais de molde a tornar possível a aplicação da tecnologia concebida.
Com todas as limitações já referidas será errado pensar-se que de um só golpe poderemos eliminar as nossas importações de tecnologia. Teremos que procurar avançar através de iniciativas de tipo selectivo escolhendo os projectos e as indústrias que permitam de forma decisiva ir cortando as amarras que nos criam laços de dependência em relação ao imperialismo. Uma vez cortadas essas amarras será possível proceder a trocas de tecnologia com outros países, mas agora em termos de cooperação e não de exploração.
No capitalismo a força do trabalho é encarada como qualquer outra mercadoria que se pagará ao preço do mercado. Esse preço é aí determinado pela necessidade de fazer subsistir e reproduzir uma força de trabalho. Para a fazer subsistir e reproduzir, o capitalismo atribui salários de miséria que apenas são atenuados graças à longa luta dos trabalhadores e das suas obrigações.
Na caminhada e na preparação de condições para fazer surgir o socialismo, há que modificar este tipo de relações, lutando para que na repartição do valor criado se privilegie o trabalhador e não o capital. Isto significa que há que satisfazer antes de tudo as necessidades elementares de alimentação, vestuário, saúde e habitação, mas também as de cultura, desporto e mobilização política do povo trabalhador.
Só organizado, o povo trabalhador conseguirá impor uma repartição do produto que favoreça a satisfação das suas necessidades socialmente determinadas e não as que arbitrária e artificialmente lhe são impostas pelo capitalismo dominante.
Posto isto, há que optar depois pela forma da sua satisfação. Algumas há que pela sua natureza terão que inevitavelmente ser satisfeitas individualmente. Não é assim com a grande maioria. Para estas, será possível obter maior grau de satisfação, quando ordenadas no seio de organizações colectivas em cuja vida o trabalhador, enquanto consumidor, participe efectivamente. Mas esta opção terá de ser imposta pelos trabalhadores organizados, através da sua luta, porque pode implicar investimentos vultosos, cuja rentabilidade determinada segundo critérios capitalistas, não permitiria que fossem retidos. Por isso, é decisivo o controlo pelos trabalhadores das decisões e afectação da riqueza criada, qualquef que seja a instância em que tal possa acontecer — seja na câmara, seja no Estado, seja na empresa.
Para que qualquer dos objectivos anteriores possa ser prosseguido torna-se necessário investir. Investir implica escolher: quê parte da riqueza criada é que é investida e que parte se dirige para o consumo? A riqueza que é investida vai permitir concretizar que projectos? Em que sectores se aplica o investimento? Em qualquer dos casos a escolha tem consequências imediatas e consequências a longo prazo, que terão que ser convenientemente analisadas e no interesse das classes trabalhadoras, pelo que estas aí terão que participar activa e eficientemente.
Não se podem escolher alternativas de acumulação, sem se conhecer muito claramente as linhas de força dos objectivos expostos nos pontos anteriores: agricultura e indústria-base e motor do desenvolvimento, a aquisição de meios de produção autónomos e a modificação das condições de reprodução da força do trabalho. O instrumento de compatibilização e harmonização de todos estes objectivos tem de ser necessariamente o Plano, cujas escolhas de fundo terão de ser decididas, em última instância, pela organização democrática dos trabalhadores, após conveniente preparação técnica pelo órgão central de planificação. Para chegar à formulação clara das escolhas de fundo, terá sido necessário uma larga participação dos órgãos representativos do povo trabalhador, a nível regional e a nível sectorial. Embora órgão de decisão, o Órgão Central de planeamento terá como função essencial harmonizar e sintetizar planos que tiverem sido elaborados nas regiões e nos sectores de actividade. Só o fará eficientemente e no interesse dos trabalhadores se eles, através das suas representações, aí forem o centro das decisões.
Acumular pressupõe a mobilização de excedentes. Para tal não se pode pretender sacrificar permanentemente o presente, a troco de realizações no futuro. Numa outra perspectiva, isto significa que em economia socialista o desenvolvimento das forças produtivas — a construção de fábricas, o aumento do número de tractores — não tem sentido se, ao mesmo tempo, não se alterarem as relações de produção-— quem se apropria da riqueza criada? Quem manda nos locais de trabalho e na sociedade?
Relacionando os dois aspectos agora sublinhados, escolha entre o presente e o futuro, e a ligação entre o desenvolvimento das forças produtivas e o avanço das novas relações de produção, concluímos que um objectivo da luta a atingir será o de não permitir que a necessidade de privilegiar o desenvolvimento de um sector qualquer justifique que lhe sejam subordinados o grau e o ritmo do desenvolvimento dos outros sectores, mantendo-se simultaneamente inalteradas as relações de produção, herdadas do capitalismo. A realização de conjuntos objectivos anteriores e em especial da melhoria da vida do povo trabaIhador, levam-nos a excluir que um crescimento de um sector sacrifique todo o resto da economia e acabe por acorrentar os trabalhadores.
Para caminharmos no sentido da construção duma economia socialista, não podemos eliminar todas as nossas relações com o exterior. Teremos que procurar construí-las numa base nova. Um dos elementos dessa base terá de ser o deixar de considerar-se o saldo dessas relações como uma resultante que só é possível determinar-se depois de todas as outras decisões estarem tomadas. A concretização dos objectivos anteriormente enunciados, terá que levar em conta as suas consequências sobre a nossa balança externa. Isto quer dizer que esses objectivos poderão vir a ser comprometidos, se simultaneamente não se tiverem estabelecido as condições necessárias para que se obtenha uma balança viável a curto, médio e longo prazo. Uma balança externa viável não significa um equilíbrio qualquer de relações, mas sim aquele que é susceptível de permitir a melhor realização dos restantes objectivos, aquele equilíbrio que nos liberta da dominação das potências imperialistas. A resultante das relações com o exterior terá que ser considerada como uma variável dependente, que é condicionada pelos restantes objectivos económicos, mas que simultaneamente também os determina.
Daí que uma das conclusões que inevitavelmente terá de se impor terá que ser um controlo estreito de todas as decisões que impliquem movimentações com o exterior, incluindo a nacionalização do comércio externo. Trata-se de uma medida, que não tem significado em si, mas apenas na medida em que constitui um meio de viabilização e construção dos objectivos nacionais que se pretendem realizar.
Na fase inicial, quer a direcção do comércio externo quer a utilização das reservas ainda existentes devem subordinar-se a dois critérios básicos: o primeiro consiste em garantir a subsistência alimentar desde que estejam esgotadas. as possibilidades de produção interna a que se dará absoluta prioridade. O segundo consiste em não deixar parar, por falta de matérias-primas ou de energia, nenhum meio de produção existente: nenhuma fábrica, nenhum tractor, nenhuma traineira, deverá paralisar — causando o desemprego e aumentando a pobreza — por falta de divisas, delapidadas com a importação de produtos de luxo.
A obtenção destes objectivos exige a reformulação muito rápida das nossas relações económicas externas.
O povo trabalhador, desenvolvendo e aprofundando as grandes linhas da solução popular para a crise económica, poderá vencer a burguesia, afastar a pobreza, derrotar o fascismo.
Os trabalhadores, contando com as próprias forças, mobilizados politicamente, lutando pela independência nacional, são capazes de vencer a crise, de evitar o desemprego, de combater a inflação, de aumentar a produção de bens socialmente úteis.
As grandes linhas da solução popular para a crise económica têm que ser aprofundadas pelos trabalhadores do campo e da cidade, das fábricas, das oficinas, dos escritórios, das escolas, das herdades e dos campos. Esse aprofundamento permitirá desenvolver, clarificar, concretizar e ultrapassar as propostas agora feitas. Só esse aprofundamento permitirá trazer todo o povo para junto do programa popular para a solução da crise.
O movimento popular que impôs a candidatura do major Otelo à Presidência da República saberá aprofundar estas linhas básicas, o movimento popular saberá transformar estas linhas básicas num programa capaz de começar a construção em Portugal de uma sociedade nova, onde seja possível o exercício democrático do poder pelos trabalhadores: a sociedade socialista.
1 — A Comissão Nacional de Apoio à Candidatura de Otelo Saraiva de Carvalho, procedendo a um balanço da campanha para as eleições presidenciais e dos resultados das mesmas, considera terem sido largamente atingidos os objectivos imediatos que nortearam a sua acção.
Na verdade, a extraordinária movimentação de massas populares desencadeada de Norte a Sul do País, demonstrou a vontade de luta, a decisão do povo trabalhador português, a sua combatividade e a sua firmeza, face ao projecto de reconstrução do capitalismo que a burguesia pretende impor. Tal facto exprimir-se-ia ainda na votação obtida, cuja importância não escapou à classe dominante que, através de vários agentes seus, já manifestou a sua inquietação.
2 — Os oitocentos mil portugueses que votaram em Otelo, fugindo, em grande parte ao controlo e à influência de partidos como o PCP e o PS, não o fizeram por «esquerdismo», por «divisionismo», nem pelo simples carisma do candidato, mas sim pelo facto deste ter aliado ao papel histórico que desempenhou em 25 de Abril, um programa de unidade e de luta que constitui um projecto realista de saída revolucionária para a crise económica e política que o País atravessa.
3 — É importante sublinhar que este facto é tanto mais relevante quanto, à partida, Otelo era o candidato mais desfavorecido, não gozando das vantagens conferidas pelo desempenho de quaisquer funções no poder político e militar, antes pelo contrário, encontrando-se na situação de reprimido por este e sendo, para além do mais, violentamente combatido, caluniado, difamado, pelas mais diversas forças, graças ao controlo destas sobre os meios de Comunicação Social.
4 — Como é do conhecimento público, a direcção do PCP foi uma das vozes mais sonantes nesse coro agressivo; porém, a melhor resposta foi dada pelo resultado obtido por Octávio Pato.
O mesmo demonstra a falência da linha política do PCP, os limites da sua táctica e estratégia reformista, aquilo a que conduz uma política institucional de conciliação com a burguesia, a incapacidade de apresentar às massas uma alternativa clara, combativa e convincente — aquilo que Otelo fez através das bases programáticas que apresentou ao País. Não são os militantes e eleitores que recusaram a directiva partidária que têm que fazer autocrítica, mas aqueles que, se considerando a vanguarda dos trabalhadores, insistiram em conceitos como o do «voto útil», visando uma impraticável maioria de esquerda.
5-— O eleitorado português, apesar de todos os condicionalismos que determinam o funcionamento de tais actos em democracia burguesa, demonstrou, mais uma vez e de uma forma ainda mais acentuada, a sua opção de esquerda. Isto se considerarmos também o milhão de votos que fugiram dos partidos apoiantes de Ramalho Eanes, grande parte dos quais vindos do PS exprimiram desta maneira, a resistência de largas camadas de militantes e eleitores desse partido às manobras de gabinete que o levaram a apoiar o candidato eleito.
6 — Ramalho Eanes não foi o presidente plebiscitado que a burguesia pretendia, mas acabou sendo o vencedor que se previa. Como se sabe, para além de usufruir dos benefícios da sua posição no aparelho de Estado e nas Forças Armadas, foi o candidato que reuniu apoios, desde a direcção social-democrata do PS até à extrema-direita, contando, assim, com a acção conjugada de todas estas forças, através dos caciques locais, da informação que dominam, de instituições, de aparelhos partidários e de grupos de pressão, dispondo de importantes meios económicos, vindos de apoios nacionais e internacionais.
7 — As perspectivas que guiarão a acção do novo presidente foram já suficientemente expressas por ele próprio para não ser necessário insistir longamente sobre elas. A burguesia, o capitalismo e o imperialismo encontram nele o homem de «ordem» e «disciplina» que tentará tomar em mão a necessária tarefa de reconstrução do aparelho de Estado burguês, que não poderá tolerar «poderes paralelos» nem «oposição sistemática».
Como se sabe, a crise do País é extremamente grave, entre outros factores, devido à herança do fascismo e às acções de sabotagem do patronato nacional e internacional que precedeu o 25 de Novembro. Uma recomposição do sistema capitalista exige um poder repressivo e implica atentados às conquistas mais avançadas dos trabalhadores.
Significa isto que aquela anunciada harmonia — já tão pretendida pelo corporativismo — entre trabalhadores e «empreendedores», naturalmente e forçosamente não pode existir, sendo inevitável, pelo contrário, que surjam profundas tensões sociais marcadas pela resistência dos trabalhadores e do Povo, que recusarão pagar a crise que a burguesia provocou e saberão avançar no caminho da construção de uma sociedade nova— a sociedade socialista.
8 — De tudo isso se pode concluir que temos de nos preparar para novos combates, contando com a força dos resultados obtidos agora, mas também conscientes da grave responsabilidade contraída por todos aqueles que apoiaram Otelo.
Como este último exprimiu na sua mensagem lida na noite do dia 27 de Junho há que manter, desenvolver, incentivar a dinâmica unitária lançada durante a campanha e que ganhou expressão organizativa nos GDUP's. Há que ultrapassar o sectarismo e muitos erros cometidos até hoje, para dar passos cada vez mais importantes em direcção à unidade dos trabalhadores e do Povo que, naturalmente, tem de envolver muitos daqueles que, por diversas razões, votaram até nos outros candidatos, sob influência de outros partidos.
Assim, para atingir estes objectivos, para transformar em força organizada a força potencial expressa nas centenas de milhares de votos em Otelo e dar-lhe uma direcção política correcta para construir uma ampla frente de massas, é necessário criar e coordenar cada vez mais GDUP's nos bairros, fábricas, empresas, locais de trabalho e habitação e inseri-los nas lutas concretas em torno das bases programáticas que guiaram a campanha, contra o fascismo e o capitalismo, pelo socialismo.
9 — As vitórias obtidas nesta campanha, demonstrativas da força e da vitalidade do movimento popular, abrem condições para resistir organizadamente à tentativa de reconstrução do capitalismo e à ameaça fascista. Constituem um passo de extraordinária importância na luta pelo socialismo. Que todos aqueles que apoiaram a candidatura de Otelo e nele votaram saibam reforçar a unidade entre si e trazer para o seu lado sectores cada vez mais amplos do Povo, pois que UNIDOS E ORGANIZADOS — VENCEREMOS.
— Passados que foram já alguns dias sobre as eleições, talvez se possa, agora, a uma certa distância de tempo, fazer um balanço geral da campanha e, particularmente, dos votos obtidos por Otelo. Que pensa o Luís Moita de uma e de outros?
— Tanto a campanha como a votação corresponderam, de certo modo, às expectativas das forças políticas que se engajaram neste processo, embora, em relação a alguns objectivos, tenhamos ficado bastante aquém daquilo a que nos tínhamos proposto e que eram, digamos, metas que o próprio general Otelo havia considerado fundamentais.
Apesar de tudo, consideramos que oitocentos mil votos constituem uma votação extraordinariamente significativa em relação a uma alternativa como esta, ou seja, em relação a uma candidatura que apresentou uma proposta política claramente demarcada do sistema vigente de forças políticas arrumadas no xadrez da democracia burguesa. Neste aspecto, temos, pois, de a classificar como uma vitória considerável.
Todavia, como atrás referi, alguns dos objectivos mais importantes não foram suficientemente cumpridos, nomeadamente o desenvolvimento do processo nas zonas do
Norte e Centro do País. Havia, com efeito, condições que, dado o curto prazo da campanha eleitoral, não puderam ser suficientemente aproveitadas. Não é, pois, em duas escassas semanas que se pode fazer um trabalho político de profundidade, um trabalho como o exigido pela situação existente em determinadas zonas do interior do País. Ainda que se tenham lançado bastantes sementes em algumas dessas zonas (zonas com um tecido social particularmente impermeável), a superação da divisão Norte-Sul esteve longe de constituir uma conquista desta candidatura.
— Mais do que em zonas geográficas, já que para essas bastará olhar para a distribuição dos números, em que estratos sociais poderá situar os votos de Otelo?
— A votação em Otelo acabou por ser uma votação essencialmente proletária, sem prejuízo, no entanto, de a este projecto político haverem aderido largas camadas, não apenas do campesinato como até da própria pequena burguesia urbana.
Do campesinato, em termos de extensão territorial, digamos assim, foi limitado, já que, como é sabido, nos distritos do Centro e do Norte, Eanes obteve uma esmagadora maioria, o que, de certo modo, corresponde a uma divisão artificial (e artificialmente explorada), mas que busca o seu fundamento no contexto social que, por sua vez, tem a ver com o próprio regime de propriedade.
Continuará, pois, a ser fundamental trabalhar, sobretudo, junto dos pequenos e médios camponeses do Norte e do Centro do País, nomeadamente nas zonas do interior. Mas isso será um trabalho de grande fôlego, que justamente nos propomos levar, agora, por diante.
De qualquer modo, a burguesia já reparou numa coisa, de que, aliás, se tem feito eco: a partir desta campanha eleitoral, assiste-se ao aparecimento, no nosso país, de uma corrente política (cuja forma institucional ver-se-á como irá desenvolver-se), com a característica especial de não se enquadrar na democracia burguesa. Aliás, é curioso notar como o próprio Partido Comunista, durante a campanha, perguntava ao Otelo quantos deputados representava, ou quantas tropas comandava. Isto, no fundo, representa uma concepção de Poder, pelo menos estranha. É como se a fonte do Poder estivesse apenas no Parlamento ou nas Forças Armadas e nunca na mobilização popular, na adesão popular a um projecto político, como aquele que, ao País, foi apresentado por Otelo.
Temos, pois, consciência de que isto baralha o jogo de um regime que procura uma estabilização política, a caminho e ao serviço de uma recuperação do capitalismo. Ou seja, o movimento popular que, após o 25 de Novembro, toda a gente considerava moribundo, reaparece, agora, com um vigor especial e até com uma especial alegria.
Pela primeira vez, após o 25 de Novembro, grandes camadas populares e grandes concentrações de multidões se manifestaram com alegria, o que, do ponto de vista político, não é de todo desprezível, já que a alegria, aqui, significa um redobrar de confiança. Foi uma prova de que as pessoas, ao unirem-se, de novo se sentiram capazes de retomar, em conjunto, frentes de luta. Isso representa um potencial extremamente importante, do ponto de vista de lutas políticas previsíveis, num futuro próximo, em Portugal. De facto, como toda a gente sabe, a situação de crise, tanto do ponto de vista económico como do político, é muito aguda. Tudo leva, pois, a crer que o movimento popular vai ter de enfrentar, num futuro próximo, um sistema capitalista que, ferido, gravemente ferido, não se poderá recompor (refazer) sem uma fórmula política dum regime autoritário de direita, se não mesmo totalitário.
A questão, agora, está em saber-se se o movimento popular vai enfrentar essa situação desunido, desorganizado, dividido e sem uma direcção política unificada, ou se, pelo contrário, equipado com estas armas, que são a força da sua unidade e a consciência de que há uma direcção política que unifica as lutas e que perspectiva globalmente o seu próprio avanço.
Aqui, quanto a mim, se situa a principal aquisição desta campanha eleitoral, da candidatura de Otelo e do movimento subsequente. Será, enfim, a consolidação de uma alternativa de massas, em que possam existir condições, para que a superação da crise não seja feita à custa dos trabalhadores.
Note que, neste aspecto, o balanço da campanha é de uma forte esperança, no sentido de que existe doravante, no panorama político português, uma nova componente popular em marcha.
A actual situação dos Grupos de Dinamização de Unidade Popular significa isso mesmo: um trabalho alargado e unitário, essencialmente virado para o reforço de organizações populares de base, ou seja, o reforço daquelas estruturas, onde, justamente, a nível de local de trabalho ou de habitação, os trabalhadores e o povo em geral se organizam, se auto-organizam, para tomar em mãos a resolução dos problemas.
— Referiu, por mais de uma vez, a existência dum movimento popular. Entretanto, a candidatura de Otelo foi apoiada por forças bastante diversificadas. Acredita, pois, que elas vão permanecer unidas, ou assistiremos, antes (ainda que com cambiantes diferentes, já que são desiguais as situações), a uma segunda edição da FUR?
— Esse problema é interessante e vale a pena analisá-lo com um certo pormenor, na medida em que, justamente, a comparação com a FUR serve bastante bem para caracterizar a situação actual e a opção política que este trabalho representa.
A FUR, quando muito e na melhor das hipóteses, era uma prática de frente de um certo número de organizações, algumas delas da esquerda revolucionária. De concreto, pouco mais foi do que uma série de negociações e de acordos entre diferentes direcções partidárias, em ordem a articularem a sua intervenção numa determinada fase da vida política portuguesa. Por outras palavras, pode-se, pois, dizer que, em relação à FUR, nunca houve, em rigor e sobretudo a nível de bases, um trabalho unitário dessas organizações mas apenas, uma articulação, ainda que relativamente intensa, sempre problemática, entre as direcções partidárias. Quando muito, tratou-se, pois, de uma frente de organizações.
Ora, o que se passou, agora, com a candidatura de Otelo é que ela foi irredutível às organizações que a apoiaram e até ao seu somatório. Irredutível, com efeito, a vários níveis. Primeiro, porque a proposta política que representou a candidatura foi autónoma: foi elaborada e apresentada à responsabilidade do general Otelo e não à de qualquer organização ou organizações. Estas acharam-se confrontadas com alguma coisa autónoma em relação às suas próprias posições políticas. Aceitaram apoiá-la, dado que não viram nessa proposta objecções à sua linha política, ou até, pelo contrário, viram que ela podia significar uma oportunidade de relançar, em Portugal, o movimento popular. De modo que, sob o ponto de vista do conteúdo político, a proposta, logo à partida, era autónoma em relação às organizações, ainda que elas tenham participado na elaboração do trabalho político da candidatura (à qual deram, aliás, um precioso contributo) e da própria campanha eleitoral no seu conjunto.
De qualquer maneira, não se tratou, apenas nem sobretudo, de um acordo entre organizações à dizerem, entre si, «vamos lá a isto». Tratou-se, antes, do general Otelo se ter querido candidatar e de elas lhe darem o seu apoio político e organizativo.
Em segundo lugar, tanto no que diz respeito aos resultados eleitorais como à mobilização popular durante a campanha e no seu seguimento, é óbvio, para o observador mais desatento, que se trata, mais uma vez, de um processo que ultrapassa cada uma dessas organizações e todas em conjunto. Isto significa, e o caso não é para subestimar, que, na realidade, as organizações partidárias, em sentido mais estrito, estão duplamente polarizadas por realidades que as ultrapassam: por um lado, a figura do candidato, e, por outro (e sobretudo), a mobilização popular, o movimento popular.
Daí que, por exemplo, o movimento subsequente à campanha eleitoral se cristalize, agora, em torno do projecto dos Grupos Dinamizadores de Unidade Popular.
Está à ser definido politicamente, em sentido rigoroso, como uma frente de massas, o que é claramente distinto de um acordo entre organizações ou de uma frente entre organizações partidárias. É, com efeito, uma frente muito alargada, que une largas camadas dos trabalhadores e do povo, nela se incluindo muitos independentes e até gente de partidos que não apoiaram oficialmente a candidatura de Otelo.
Como já disse, ela não é redutível ao somatório de organizações partidárias: elas entendem, aliás, que isso é uma das lições mais importantes de toda esta campanha eleitoral; elas entendem (disso tiveram a percepção) que a unidade constitui, hoje, uma das mais fortes aspirações das massas populares do nosso país, marcadas pelas derrotas que sofreram, ao longo do processo revolucionário, sobretudo com o 25 de Novembro e após as eleições legislativas do 25 de Abril.
Aperceberam-se que tais derrotas haviam sido consequência da desunião, da desarticulação e da ausência de uma direcção política. Agora, a aspiração de unidade era um facto tão grande que as próprias organizações, mesmo divididas ideologicamente e mesmo quando não alimentam ilusões sobre as suas divergências e a profundidade que elas, por vezes, assumem, sabem que seria uma forte traição ao movimento popular não realizarem a unidade possível, indo ao encontro das aspirações das massas. Seriam, digamos, as vanguardas políticas a trair, pelas querelas ideológicas entre si, o impulso unitário, que é exigido pela própria dinâmica social.
De modo que, não só esta percepção facilitou, na verdade, o trabalho unitário (que teve aspectos altamente positivos), como, em perspectiva dinâmica, há todas as razões para esperar que tal unidade vá atingindo formas, cada vez mais aprofundadas, de trabalho político conjunto. Não penso, todavia, que vai ser fácil, ou sequer desejável, pensar-se em fusão de organizações partidárias nem, a curto prazo, na criação de um novo partido que seja a síntese das organizações existentes.
Admito, no entanto, que esta dinâmica colectiva vá obrigar as organizações partidárias a duas atitudes: uma de aprendizagem e outra de contributo para ela. De aprendizagem, na medida em que, muitas vezes, a esquerda portuguesa fez da questão política uma abordagem exclusivamente ideológica, partindo sempre do purismo das ortodoxias do problema político. Ora, o verem-se, de momento, confrontadas com uma movimentação popular desta envergadura, obriga-as a pegar na política pela outra ponta, ou seja, pela ponta das lutas concretas do povo, pela situação real do País, pela dinâmica social, como ela é em si própria. Não é, pois, menosprezar qualquer princípio teórico mas, pelo contrário, perceber que a política, como movimento histórico que é, há-de estar sempre radicada numa análise das situações vividas e, por outro lado, o fazer política não é tanto o pregar uma ortodoxia mas antes acompanhar, fazendo seu, assumindo e desenvolvendo o movimento libertador do povo.
— Houve, então, uma alteração táctica dessas mesmas organizações? Recordo, a propósito, que tal unidade, ainda que tentada, foi impossível nas eleições para a Assembleia da República.
— Creio mesmo que a constatação do que se passou nas eleições para a Assembleia da República foi um dos factores que tornou mais fácil, digamos, a convergência pará esta candidatura presidencial. Aliás, algumas dessas organizações já se autocriticaram, ao verificarem justamente, que, existindo, entre algumas delas, uma relativa proximidade de posições, havia constituído um grave erro não terem encetado, nessa ocasião, o processo de unidade.
Independentemente do prestígio político das listas unitárias (o que, só por si, atrairia um maior número de pessoas), a simples soma aritmética dos votos provou que a extrema-esquerda poderia ter mais alguns deputados na Assembleia da República. Tal constatação levou as organizações a concluírem que, afinal, continuavam a fazer o jogo de pequenos grupos, quando se ultrapassassem algumas divergências estratégicas, poderiam unir-se em metas tácticas de grande alcance e com enorme repercussão na evolução política.
— Apesar de tudo, tal unidade não será antes consequência da presença de um homem, no caso concreto, Otelo Saraiva de Carvalho? Até que ponto tal unidade será capaz de ultrapassar essa presença e, em caso de necessidade, subsistir mesmo a ela?
— Que a presença de Otelo é importantíssima, creio que ninguém duvida, pelas mais variadas razões, nomeadamente pelo papel histórico que desempenhou como comandante do 25 de Abril, como chefe do COPCON e como um homem que, talvez mais do que qualquer outro,
tornou possível ao povo deste país assumir autonomamente as suas lutas, impedindo, paralelamente, que elas fossem reprimidas.
Mas, para além disso, o general Otelo é um homem que se tem revelado de uma grande capacidade política. Temos verificado, através do contacto agora frequente, que ele tem uma percepção da realidáde política extremamente aguda e, consequentemente, se tem revelado um dirigente político de categoria.
Assim, a polarização da pessoa dele é um pouco inevitável e até a consideramos positiva. Não só achamos que tal fenómeno nada tem de semelhante ao culto da personalidade (este processo é colectivo), como ainda somos sensíveis ao papel histórico das pessoas e da sua responsabilidade perante a sociedade.
Além disso, consideramos profundamente errado resumir tudo isto a uma mera simpatia pessoal ou à atracção pelo carismo de Otelo, como certas pessoas o pretendem. Tais factores poderão contribuir para um certo êxito eleitoral, mas estão longe de explicar o fenómeno no seu conjunto e, sobretudo, o mais importante do fenómeno. O que o Otelo faz é incarnar um projecto político, e com a sua capacidade de comunicação, transmiti-lo, de maneira extremamente viva, ao povo português. Mas, insisto, é sobremaneira de um programa político que se trata e as pessoas têm consciência disso. Quem não votou Otelo sabe muito bem o que recusou e quem nele votou não o fez pelas suas qualidades pessoais, mas pela proposta que ele incarna.
Nós consideramos, pois, que Otelo, independentemente da sua situação militar e não obstante os limites do momento actual (liberdades restringidas por força de aguardar julgamento), deve continuar a desempenhar um grande papel político, em relação a todo este movimento que acaba de ser lançado. Em todo o caso, as modalidades concretas dessa ligação e desse papel terão de ser vistas em função da realidade futura, da vantagem ou não de ele continuar mais ligado à sua situação de oficial do Exército, ou se, pelo contrário, com um papel mais estritamente político.
Entretanto, neste momento, um dos objectivos da nossa luta deve ser o de impedir que subsistam as restrições que lhe foram impostas e que ele se mantenha numa situação de privado da sua liberdade individual.
— No entanto, os votos alcançados por Otelo foram superiores à soma das organizações que apoiaram a sua candidatura. Houve votos, com efeito, que vieram de outros lados. Até que ponto é que alguns desses votos, mais do que votos em Otelo e, consequentemente, de apoio consciente ao seu projecto político, foram antes contra os outros candidatos?
— No caso de Otelo, não creio que isso se tenha passado exactamente. Já admito, por exemplo, que uma boa parte dos votos dados a Pinheiro de Azevedo haja tido o significado de oposição a Ramalho Eanes.
Tal facto parece-me óbvio, até pela situação em que, na altura da votação, se encontrava o almirante Pinheiro de Azevedo. Esses votos tiveram, pois, mais o significado de recusa do que de afirmação.
Em relação a Otelo, posso aceitar, quando muito, que a percepção subjacente a alguns dos seus eleitores haja sido de que a sua proposta significava a única alternativa consistente para impedir o regresso a um regime de direita e, consequentemente, para permitir a unidade e a organização das massas populares, no sentido de novas conquistas de perspectiva anticapitalista e abrindo caminho para a construção do socialismo. Não foi, pois, um voto à falta de melhor mas, pelo contrário, um voto consciente numa alternativa política e numa alternativa revolucionária.
— Mas o facto é que Otelo alcançou muito mais votos no Sul, zona mais politizada e onde, consequentemente, a esquerda tem maior penetração. Temos, assim, que Otelo foi buscar votos à esquerda, em vez de procurar, antes, conquistá-los à direita. Pode, pois, classificar-se de divisionista a sua candidatura ou o divisionismo situou-se, antes, em outras candidaturas, nomeadamente na de Octávio Pato?
— Quanto à primeira parte, já há pouco disse que os próprios limites de tempo de campanha eleitoral não permitiram um trabalho político suficientemente intenso nas zonas mais difíceis, ou seja, nas zonas mais avessas à transformação social, ainda que, o que faz impressão, em detrimento do próprio interesse das pessoas. É evidente que, para essas camadas trabalhadoras, mais bloqueadas nos seus processos sociais, todo o interesse está em estar com a Revolução, mas tal é-lhes impedido pelo sistema dos caciques, do clero reaccionário, enfim, de todo o ambiente social em que se enquadram, o que os torna extremamente renitentes aos processos de transformação social.
O facto de Otelo ter tido mais votos nas zonas de grande propriedade, de grande concentração industrial, de antigo latifúndio e de Reforma Agrária, mas não só, já que teve votação significativa em diversos pontos do País, não quer dizer que ele tenha ido roubar votos à esquerda. É um conceito demasiado absurdo para ser tomado a sério, já que a candidatura de Otelo nunca apareceu como concorrente de ninguém, no sentido de pretender prejudicar alguém.
Nem sequer creio que se possa falar em termos de rivalidade com o Partido Comunista (que o Partido Comunista perdeu, que o Partido Comunista votou Otelo), já que este Partido não perdeu nem ganhou, cometeu apenas o erro inacreditável de levar o seu candidato partidário até às urnas, enfraquecendo, assim, a sua própria posição. Contrariamente, na perspectiva de jogar o jogo da democracia burguesa, o Partido Comunista foi para a campanha eleitoral defender essencialmente a tese da maioria de esquerda, tese essa que ficou mais diminuída depois dos resultados eleitorais.
Portanto, se algum erro grave existiu foi da parte do Partido Comunista, que, além da defesa da tese de maioria de esquerda, levou toda a sua campanha em atitude de oposição a Otelo, o que lhe valeu uma grande desorientação das suas próprias bases. Mas a candidatura de Otelo nunca pretendeu minar o Partido Comunista, como não pretendeu minar nada do que existe, já que o seu desejo foi, apenas, o de unir forças.
Será, pois, absurdo pensar-se que, em intenções, em factos ou em realizações, a candidatura de Otelo haja sido de enfraquecimento da esquerda, a menos que a esquerda se enfraqueça com a unidade. É claramente um projecto unitário, um projecto que agrupou uma quantidade significativa de votos do eleitorado português para poder ser considerada divisionista.
— Entretanto, há dias, em entrevista concedida à «Associated Press», Otelo disse estar disposto à um diálogo com o Partido Comunista. Na sequência da análise que o Luís Moita vem fazendo às eleições, como deverá ser entendida tal afirmação?
— Há duas maneiras de fazer política: uma é a negociação de corredor e de gabinete; outra é a política cuja prática assenta na confiança do movimento das massas trabalhadoras, porque acredita que são elas as protagonistas da História, que é nelas que verdadeiramente se situa a fonte do Poder, sobretudo a partir do trabalho produtivo da força da união dos trabalhadores.
Falar-se, portanto, de uma possível convergência entre o Partido Comunista e o general Otelo, penso que isso será viciar a relação política, sobretudo se entendida na dimensão de que, amanhã, Otelo e Álvaro Cunhal vão entrar em negociações. Não sei se isso poderá ou não acontecer, o que sei, apenas, é que isso não é o mais importante. O mais importante, com efeito, é saber-se se os trabalhadores — aqueles que votaram Otelo, aqueles que votaram Partido Comunista, aqueles que votaram Eanes ou Pinheiro de Azevedo, mas que são trabalhadores, têm interesses unitários e estão confrontados com uma classe dominante e controlados pela grande burguesia. É a partir daí que se há-de reflectir essencialmente a questão política e saber se o trabalho de convergência, de unidade e de reforço dessa mesma unidade avança, na prática, através da própria movimentação popular. Isso será muito mais importante do que o acordo por negociações.
Apesar de tudo, acho importante que o general Otelo tenha feito essa afirmação, para que se saiba que ele não tem qualquer posição de hostilidade em relação ao Partido Comunista. Aliás, pessoalmente, considero o Partido Comunista como um componente importante da esquerda portuguesa. Por isso, não lhe faço o mesmo tipo de crítica da direita e muito menos o olho na perspectiva de inimigo comum. Aliás, durante a campanha eleitoral, tivemos o cuidado de não entrar em polémica com o Partido Comunista. Quando muito, apenas o general Otelo se ia defendendo daqueles ataques mais flagrantes e mais injustos.
Aquilo que, para nós, é fundamental é, em torno de lutas concretas, procurarmos a unidade dos trabalhadores, sejam eles filiados neste ou naquele partido. E acredito sinceramente que o general Otelo possa ser um pólo dessa unidade.
— Falámos já bastante de algumas candidaturas e esquecemos um pouco a do general Ramalho Eanes. Que leitura faz dos votos por ele conseguidos e que pensa do apoio dado à sua candidatura pelo Partido Socialista? Este partido podia, sozinho, tê-lo elegido. Não pensa que seria diferente a vitória de Eanes se a sua candidatura tivesse sido apenas apoiada pelo PS?
— O general Ramalho Eeanes venceu mas não convenceu. Sobretudo a sua vitória esteve longe de ser a vitória que muitos esperavam.
Não obstante a percentagem obtida e o facto de haver sido eleito à primeira volta, muitos aspectos dos resultados eleitorais constituíram uma séria derrota para o general Ramalho Eanes. Penso, por exemplo, no facto de lhe haver «fugido» cerca de um milhão de votos. Com efeito, é altamente significativo haver um milhão de pessoas que, desobedecendo às indicações dos partidos em que votaram nas eleições legislativas, recusaram a candidatura de Eanes. E, diga-se, o que se disser, a principal vítima dessa política ambígua foi o Partido Socialista, no qual trabalham muitas pessoas de esquerda e militam muitos trabalhadores que, desde o início, se aperceberam do erro.
Aliás, factos concretos decorridos ao longo da campanha, para além de confirmarem o erro de tal atitude, prenunciaram também dificudades futuras. Recordo, por exemplo, o facto de, em alguns comícios (supostamente unitários) de apoio à candidatura do general Ramalho Eanes, dirigentes do Partido Socialista não terem conseguido falar.
Talvez a força do Partido Socialista esteja na sua heterogeneidade, mas a amálgama de opiniões existentes no seu interior constitui um grande obstáculo à sua coerência política. Aqui se irão colocar, na minha opinião, as grandes dificuldades à sua próxima governação. Ainda que o futuro seja bastante imprevisível (há, no entanto, algumas coordenadas que se vão já desenhando), receio que a fórmula de Governo homogéneo e dito eficiente do Partido Socialista acabe por ser também uma forma transitória, que os partidos de direita, agora a reclamarem-se da tão apregoada maioria presidencial, saberão aproveitar.
Não se esqueça que os partidos de direita tudo irão fazer para inflectir gravemente a política do País para uma solução de direita, mais ou menos autoritária. Então, o Partido Socialista, tal como Eanes, ver-se-á enredado pelas próprias contradições e é bem possível que, a menos que haja qualquer evolução imprevista no desenrolar dos acontecimentos, o desfecho seja uma viragem da orientação política do País a favor dos partidos da direita mais reaccionária.
— Quer dizer, que o Partido Socialista, ao entrar neste jogo, cometeu um erro?
— Isso foi, de facto, um erro evidente.
Mas na candidatura de Eanes houve muitos outros erros, aconteceram muitas outras ilusões.
A mais significativa, por exemplo, foi a do consenso militar, que, pouco a pouco, se revelou não existir de facto. Aliás, e ainda que seja muito difícil a um civil entrar nos meandros militares, tal consenso parece nem ter chegado a existir no seio do próprio Conselho da Revolução, como o almirante Pinheiro de Azevedo, mais tarde, o veio a confirmar.
—Há pouco deu a entender que um Governo minoritário PS não constituirá solução. Entretanto, durante a campanha eleitoral, Otelo afirmou que, se viesse a ser eleito, convidaria Mário Soares a formar Governo. Ora, nessa ocasião, já era conhecida a posição do Partido Socialista em constituir Governo sozinho...
— Otelo nunca disse que convidaria o dr. Mário Soares. O que disse é que, no caso de ser eleito, respeitaria a Constituição, ou seja, consultaria o Conselho da Revolução e os partidos políticos com assento na Assembleia, tendo, no entanto, em conta os resultados eleitorais.
A única referência a Mário Soares aconteceu por ocasião da primeira conferência de Imprensa, quando, perante uma resposta semelhante a esta, um jornalista estrangeiro instou com ele: «Mas, se for o dr. Mário Soares o escolhido, como é que o senhor funciona com ele?». Então, afirmou Otelo: «Se for o dr. Mário Soares o escolhido, eu confiarei nas suas qualidades de patriota que, apesar de tudo, imagino que ele tem. Acredito que ele irá fazer uma política de independência nacional, de acordo com a minha concepção das opções que, neste momento, se colocam ao povo português.»
Clarificando um pouco a posição de Otelo em relação ao futuro Primeiro-Ministro e admitindo que ele nunca se pronunciou taxativamente pelo dr. Mário Soares, a única coisa que ele sabia é que o Partido Socialista é o partido maioritário do povo português. Ora, se ele se comprometia a respeitar a Constituição e se ela diz que a escolha do Primeiro-Ministro deve ter em conta os resultados eleitorais, o general Otelo nunca poderia, no caso de ser eleito, constituir um Governo ou convidar para Primeiro-Ministro uma personalidade que não desse ao Partido Socialista um lugar de grande responsabilidade na governação do País.
O critério político teria, portanto, de, no caso de Otelo ser eleito, ser balizado por algumas coordenadas: um Governo que, em primeiro lugar, não fizesse uma política antipopular, que fosse da confiança dos trabalhadores e que não consentisse em qualquer sistema de repressão sobre os trabalhadores. Um Governo, pois, que cumprisse a Constituição, não traindo nenhuma das conquistas fundamentais nela consagradas, mas, sem dúvida nenhuma, um Governo que contasse com a colaboração do PS, onde, aliás, como partido maioritário que é, teria de ocupar o primeiro lugar.
— Mas, apesar de tudo, sempre uma posição antigoverno minoritário?
— Sim, de certo modo, é isso.
Quer dizer, de certo modo, é reconhecer a existência de vectores fundamentais da opção que o general Otelo incarna, ou seja, de uma política ao serviço das classes trabalhadoras, que não são da exclusividade do Partido Socialista. De modo que, muito provavelmente, se o general Otelo tivesse sido eleito Presidente, o Partido Socialista não governaria sozinho.
(Entrevista publicada no Século Ilustrado, em 23 de Julho de 1976, conduzida pelo jornalista Alexandre Manuel).
Inscritos | 6 467 480 |
Votantes | 4 881 125 |
Abstenções | 1 586 355 |
Ramalho Eanes (percentagem de 60,79%) |
2 967 137 |
Otelo Saraiva de Carvalho (percentagem de 16,24 %) |
792 760 |
Pinheiro de Azevedo (percentagem de 14,18%) |
692 147 |
Octávio Pato (percentagem de 7,49%) |
365 586 |
Votos brancos (percentagem de 0,41%) |
20 253 |
Votos nulos (percentagem de O,89%) |
43 242 |
O distrito de Setúbal foi onde Otelo obteve maior votação e o primeiro dos candidatos mais votados: 135 495; o distrito de Ponta Delgada foi exactamente o único círculo onde Otelo ficou em último lugar.
Para se verificar por distritos a votação no candidato da UNIDADE POPULAR, ver o mapa.