Notas Críticas ao Programa

Círculo Cultural de Setúbal

1975?


Fonte: Documento interno do Círculo Cultural de Setúbal.

Nota: Este documento é o primeiro de três documentos escritos por facções diversas que apresentam alternativas à Proposta de Programa de Acção. As páginas encabeçadas “I“ e “III“ estão nos dois versos do papel, de modo que parece que a página II ou nunca existiu ou não foi apresentada.

Transcrição e HTML: Graham Seaman.


NOTAS CRÍTICAS AO PROGRAMA APRESENTADO POR CANDIDATOS A CORPOS GERENTES

Primeira página
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I. INTRODUÇÃO

Como reflexo do aumento demográfico de caracteristaças proletárias (rural e industrial), e em ligação estreita com à crescente organização reivindicativa, política e cultural dos trabalhadores, e aproveitando as condições políticas do momento, surge em 1969, sob o regime fascista o C.C.S.

Com ele pretendia-se responder, de forma parcial, pelo associativismo, pela mobilização e intervenção cultural (politica) às necessidades dos trabalhadores no momento, aproveitando ao máximo as possibilidades existentes geradas pelas contradições politicas que se verificavam no seio da sociedade portuguesa no seu conjunto, e na zona de Setúbal em particular,

É assim, que desde o seu início o C.C.S., e embora inicialmente quase exclusivamente composto por elementos vindos da pequena burguesia (estudantes e intelectuais), desempenha um papel activo na vida cultural da cidade, Bastantes realizações culturais promovidas pelo Círculo movimentam em Setúbal largas camadas das massas trabalhadoras.

Contudo, é com a criação da secção escolar que a actividade do C.C.S. ganha uma nova dimensão, Esta secção trará à colectividade muitos trabalhadores, dos quais muitos se tornam colaboradores activos da colectividade,

A intensa actividade desenvolvida nessa época (colóquios sobre vários temas ligados à vida do povo português, sessões de teatro, música, mais tarde cinema), fizeram com que o Círculo ganhasse um lugar único no panorama cultural de Setúbal, Porém, não foi apenas nisto que residiu a importância da colectividade; todas estas actividades culturais estiveram intimamente ligadas a uma perspectiva política anti-fascista e anti-capitalista, para lá de todas as divergências que pudessem existir entre os colaboradores, Foi no Círculo que muitos trabalhadores através de uma práctica de trabalho colectivo motivado pela sua vontade de transformação social, formaram a sua consciência política ou pelo menos encontraram aí ós seus instrumentos de intervenção,

Foi do C.C.,S., que saíram muitos camaradas que são hoje quadros Sindicais ou de outras organizações de trabalhadores.

Após o 25 de Abril toda esta perspectiva de intervenção tem sido mantida procurando-se ligar a nossa actividade aos órgãos dé classe dos trabalhadores (CTs, CMs, Sindicatos, C. de aldeia, cooperativas), e pode dizer-se que o Círculo tem continuado a desempenhar um papel positivo na vida da Cidade, não só através das suas actividades culturais regulares mas também através da suá presença em muitos momentos de luta das massas trabalhadoras em Setúbal e mesmo noutras Zonas.

Porém, as condições em que se desenvolve a nossa actividade depois do 25 de Abril são inegàvelmente diferentes, Se por um lado a nossa 1iberdade de acção é imcomparàvelmente maior, por outro, surgem dificuldades novas, algumas de difícil detecção e superação, Estas dificuldades traduzem-se quer ao nível de algumas actividades, quer ao nível de colaboração e até mesmo ao nível das divergências profundas da concepção de colectividade.

Pensamos contudo, que através de uma práctica colectiva, e uma ôrgânica interna da colectividade adequada, estas dificuldades podem ser superadas.

III. NOTAS CRÍTICAS AO PROGRAMA APRESENTADO POR CANDIDATOS A CORPOS GERENTES (enviado para casa dos associados)

Este ponto do nosso trabalho além de nota crítica ao programa já apresentado, pretende ser um contributo para a análise, reformulação e reforço de alguns objectivos do C.C.S; a nosso vêr desvirtuados naquele projecto.

Não pretendemos criticar ponto a ponto o referido programa, pois achamos que isso seria cair num dos principais erros dos seus subscritores: considerar a actividade do Círculo rigidamente seccionada. Aliàs o carácter de indefinição e ambiguidade do programa, de certa forma também o impedem.

Passamos a expôr resumidamente o que nos leva a rebater algumas ideias (pressupostos objectivos) deste programa:

- Nele o C.C.S. é considerado na práctica não como um instrumento de intervenção na realidade social que nos cerca, mas sim como um CLUBE, fechado sobre si próprio, em que as várias secções para lá de terem actividades com pouca ou nenhuma relação entre si não estão voltadas para a actividade exterior existindo puro e simplesmente pará "consumo" dos associados. Desta forma a cultura é encarada não como um instrumento de transformação da realidade social, mas como um somatório de conhecimentos desarticulados e de carácter "enciclopedesco" que vão sendo transmitidos ano a ano, "pacientemente" aos novos associados.

Não negamos a necessidade urgente de dinamização interna da colectividade, discordando porém que ela sirva de pretexto para por de lado o carácter de intervenção na vida social, que tem sido à razão de existência desta colectividade, e o motor de arránque das actividades que se têm sucedido, assim como do alargamento do Círculo, É de notar que esse tipo de intervenção apenas uma vez é citado no programa, e como se estivesse a cargo de uma ou outra secção em exclusivo.

É de frisar ainda, que se o facto da preconizada reorganização das secções inserida no programa, visa uma mais eficaz intervenção da colectividade na cidade, tal não é traduzido nesse programa que reveste o carácter de descrição das secções desarticuladas e desobjectivadas em si mesmas, e na actividade global do C.C.S.

- Consideramos, também, que o aludido programa reveste um carácter dirigista por parte dos C. Gerentes, partindo do princípio e defendendo que os associados devem constituir uma base dé apoio acrítica, não lhes concedendo a participação activa e sistemática em todos os assuntos da colectividade (como expresso estatutàriamente). Tal facto determina que nem uma só vez neste programa sejam referidas às reuniões de todos os colaboradores (consagradas em estatutos), nem mesmo, em questões disciplinares, Algumas transcrições traduzem de forma clara o que acabamos de dizer:

"Que a direcção arranje o seccionista responsável... da confiança da direcção para evitar deslizes",

"Se se notar que indivíduos tentam estragar o ambiente,.,.deve a direcção ser imediatamente informada para lhe dar o caminho correcto",

Alguns exemplos entre outros.

Ainda neste aspecto comete-se outro erro que consideramos grave: A integração dos associados na vida da colectividade, é considerada não como um processo evolutivo a partir de uma prática e um convívio colectivos, assim como de uma livré discussão dos problemas, mas sim como o produto de uma acção paternalista (na melhor das hipóteses), por parte dos C. Gerentes, sendo o resto dos associados considerádos como uma massa amorfa,

Curioso, para quem se queixa "que há pessoas no C.C.S. que quase têm medo de falar com outras" e se propõe a "criar um ambiente de confiança e amizade, um ambiente que seja de facto colectivista e não de grupo",

— Concluimos manifestando o desacordo no que se propõe que sejam algumas secções (cinema, Desporto, Campismo, Arqueologia, Imprensa), manifestando a nosso vêr desconhecimento da realidade do C.C.S.

De estranhar ainda que no referido programa não sejam referidas quaisquer alternativas a nivel financeiro, uma vez possuir essa 1ista elemento(s) tão solícitos a criticar, por vezes de maneira pouco leal a política financeira dos corpos gerentes cessantes,



Inclusão: 04/05/2023