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Camaradas!
Antes da Revolução de Outubro, em alguns círculos socialistas da Europa Ocidental havia-se difundido a convicção de que a revolução socialista poderia estalar e ter êxito antes de tudo em países desenvolvidos do ponto de vista capitalista; além disso, uns profetizavam que um país desse tipo seria a Inglaterra; outros a Bélgica, e assim por diante. Mas quase todos diziam que a revolução socialista não podia ter início em países atrasados do ponto de vista capitalista, onde o proletariado é pouco numeroso e pouco organizado, como por exemplo na Rússia. A Revolução de Outubro refutou, essa opinião, uma vez que a revolução socialista teve início justamente num país atrasado do ponto de vista capitalista, isto é, na Rússia.
Além disso, alguns dos que tomaram parte na Revolução de Outubro estavam convencidos de que a revolução socialista na Rússia poderia ser coroada de êxito e que esse êxito poderia ser duradouro somente no caso de que imediatamente após a revolução russa estalasse no Ocidente um movimento revolucionário mais profundo e importante, que apoiasse e impelisse para a frente a revolução na Rússia; pressupunha-se, além disso, que esse movimento estalaria sem falta. Essa opinião também foi refutada pelos acontecimentos, uma vez que a Rússia socialista, embora não tendo tido um apoio revolucionário direto por parte do proletariado ocidental e apesar de rodeada por Estados hostis, continua a existir e a desenvolver-se com êxito há já três anos.
Verificou-se que a revolução socialista não só pode ter início num país atrasado do ponto de vista capitalista, como também pode ser coroada de êxito, pode ir para a frente e servir de exemplo aos países desenvolvidos do ponto de vista capitalista.
Dessa maneira, a questão da situação atual da Rússia, colocada na ordem do dia pela Conferência, assume este aspecto: pode a Rússia, que está mais ou menos abandonada a si mesma e representa de certo modo um oásis de socialismo, rodeada por Estados capitalistas inimigos dela, pode essa Rússia durar também no futuro, derrotando e aniquilando seus inimigos, como o fez até agora?
Para resolver esse problema é necessário antes de mais nada esclarecer quais são as condições que asseguram e podem também de futuro assegurar a existência e os êxitos da Rússia Soviética. Essas condições são de duas espécies: condições permanentes, independentes de nós, e condições transitórias, dependentes dos homens.
Entre as primeiras condições devemos antes de mais nada incluir o fato de que a Rússia é um país imenso extensíssimo, em cujo território se pode resistir por muito tempo, retirando-se para o interior do país no caso de insucesso, para passar de novo à ofensiva após ter-se reorganizado as forças. Se a Rússia fosse um país pequeno, como a Hungria, onde uma forte pressão do inimigo decide rapidamente da sorte do país, onde é difícil manobrar, onde não se pode retirar profundamente para o interior, se a Rússia fosse um país pequeno assim, dificilmente teria resistido tanto tempo como país socialista.
Existe além disso uma segunda condição, também de caráter permanente, que favorece o desenvolvimento da Rússia socialista. É a circunstância de que a Rússia é um dos poucos países do mundo ricos, no interior, de todos os tipos de combustíveis, de matérias-primas e de gêneros alimentícios, isto é, um país independente do estrangeiro quanto aos combustíveis, gêneros alimentícios, etc., um país que, desse ponto de vista, pode dispensar o estrangeiro. Não há dúvida de que se a Rússia vivesse com trigo e combustíveis importados, como a Itália, por exemplo, encontrar-se-ia numa situação critica no segundo dia da revolução, visto como seria suficiente bloqueá-la para que ficasse sem trigo e sem combustíveis. Ao invés, o bloqueio imposto pela Entente à Rússia prejudicou os interesses não só da Rússia, como também da Entente, uma vez que esta última ficou privada das matérias-primas russas.
Mas além das condições permanentes há as condições transitórias, necessárias à existência e ao desenvolvimento da Rússia Soviética, a par das permanentes. Quais são essas condições? São as condições que asseguram reservas à Rússia. O fato é que nessa guerra encarniçada entre a Rússia e a Entente, uma guerra que dura há três anos e pode durar outros três, em tal guerra o problema das reservas militares é um problema decisivo.
Quais são as reservas da Entente?
Quais são as nossas reservas?
As reservas da Entente são antes de mais nada as tropas de Wrángel e os jovens exércitos dos jovens Estados burgueses, por ora ainda não contagiados pelo "veneno dos antagonismos de classe" (Polônia, Rumânia, Armênia, Geórgia, etc.). A esse respeito, o ponto fraco da Entente consiste no fato de que ela não possui um exército contra-revolucionário próprio. Em conseqüência do movimento revolucionário no Ocidente ela não está em condições de enviar para a Rússia as suas tropas, isto é, os exércitos inglês, francês, etc., e deve por isso servir-se de exércitos estrangeiros, que financia, mas dos quais não pode dispor a seu talante, completamente, como se fossem seus próprios exércitos. O fato de esses exércitos operarem segundo as diretivas da Entente não desmente em absoluto a existência daqueles atritos que existem e continuarão a existir entre a Entente e os interesses nacionais dos Estados cujos exércitos são utilizados pela Entente. A paz com a Polônia, assinada apesar das sugestões da Entente, mais uma vez confirma a existência desses atritos. Mas essa circunstância não pode deixar de minar o poderio interno das reservas militares da Entente.
As reservas da Entente consistem, em segundo lugar, nas forças contra-revolucionárias que operam na retaguarda de nossos exércitos, organizando toda a espécie de operações de guerrilhas e similares.
Finalmente, há ainda as reservas da Entente que operam nas colônias e nas semicolônias por ela subjugadas, que servem para sufocar o movimento revolucionário que está se iniciando naqueles países.
Nem falemos sequer das reservas que a Entente possui na própria Europa, representadas pelos indivíduos venenosos de toda a espécie, inclusive os da II Internacional, que perseguem o objetivo de sufocar a revolução socialista no Ocidente.
As reservas da Rússia consistem antes de mais nada no Exército Vermelho, composto de operários e camponeses. Ele difere dos exércitos recrutados e assoldadados pela Entente porque luta pela liberdade e pela independência do seu país, porque seus interesses coincidem com os interesses do país, pelo qual derrama o seu sangue, e com os interesses do governo sob cuja direção combate. Nisso consiste o inesgotável poderio interno das reservas fundamentais da Rússia Soviética.
As reservas da Rússia consistem, em segundo lugar, nos movimentos revolucionários do Ocidente, que, desenvolvendo-se, se transformam na revolução socialista. É fora de dúvida que, se não houvesse esse movimento revolucionário no Ocidente, a Entente teria exércitos contra-revolucionários próprios e se decidiria a arriscar uma intervenção militar direta nos assuntos da Rússia.
Enfim, as reservas da Rússia consistem na crescente fermentação do Oriente e das colônias e semicolônias da Entente, que, transformando-se em movimento revolucionário aberto pela libertação dos países do Oriente do jugo do imperialismo, ameaça deixar a Entente sem fontes de matérias:primas e de combustíveis. Deve-se recordar que as colônias são o calcanhar de Aquiles do imperialismo, que se forem golpeadas, colocam a Entente numa situação crítica. Não há dúvida de que o movimento revolucionário do Oriente criará em torno da Entente uma atmosfera de incerteza e de desagregação. Essas são as nossas reservas.
Qual é o desenvolvimento histórico desses fatores? Em 1918 a Rússia Soviética era representada pela Rússia interior, separada das fontes de matérias-primas, de gêneros alimentícios, de combustíveis (Ucrânia, Cáucaso, Sibéria, Turquestão), sem um exército digno de menção especial, sem apoio por parte do proletariado da Europa Ocidental. Então a Entente podia falar de uma intervenção militar direta nos assuntos da Rússia, coisa que efetivamente fez. Dois anos depois, a Rússia já apresenta um quadro totalmente diverso. A Sibéria, a Ucrânia e o Cáucaso, com o Turquestão, já foram libertados. Iudénitch, Koltchak e Deníkin foram derrotados. Uma parte dos novos Estados burgueses (Finlândia, Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia) foi neutralizada. Os restos do exército de Denikin (corpo de exército de Wrángel) estão às vésperas da derrota. O movimento revolucionário nos países ocidentais está em ascensão e reforça o seu instrumento de luta, a III Internacional; além disso, a Entente já não ousa mais pensar numa intervenção militar direta nos assuntos da Rússia. O movimento revolucionário no Oriente contra a Entente desenvolve-se tirando do seu seio um núcleo, representado pela Turquia revolucionária, e criando seu instrumento de luta, o Comitê de Ação e de Propaganda.[N113]
Em suma: as reservas da Entente dissolvem-se dia a dia, e as da Rússia Soviética reforçam-se.
É claro que as possibilidades de que a Rússia seja derrotada são hoje, em 1920, menores, incomparavelmente menores que as de há dois anos atrás. É claro que, se então a Rússia pôde agüentar a pressão da Entente, com maior razão pode resistir agora que as reservas da Rússia aumentam em todos os setores de luta.
Acaso significa isso que a guerra com a Entente está chegando ao fim, que possamos depor as armas, dissolver as unidades e dedicar-nos ao trabalho pacífico?
Não, não significa isso. A Entente, resignando-se a contragosto à conclusão da paz com os poloneses, a crer nas informações, não está disposta a depor as armas; ao que parece, tem a intenção de transferir o teatro das operações militares no sul, para a zona da Transcaucásia, e é bem possível que a Geórgia, pelos deveres que lhe impõe a sua qualidade de concubina da Entente, não se recuse a prestar-lhe um serviço.
Evidentemente, a Entente e a Rússia sentem-se demasiado apertadas na face da terra; uma delas deve desaparecer para que se consolide a paz no mundo.
Se o problema é colocado nesses termos, se assim o coloca a Entente, e ela o coloca só assim, é claro que a Rússia não pode depor as armas. Pelo contrário, devemos envidar todos os esforços no sentido de movimentar todas as forças do país, de modo a repelir o novo golpe. O fortalecimento e a consolidação do Exército Vermelho, que defende a liberdade e a independência do nosso país, o apoio de toda a espécie à revolução socialista do Ocidente, o apoio com todas as forças, com todos os meios aos países do Oriente que lutam contra a Entente pela sua libertação, esses são os nossos deveres do momento, que devemos cumprir sem falta, com toda a energia, se quisermos vencer.
E certamente venceremos se cumprirmos com honra esses deveres.
Terminando o meu discurso, desejaria recordar uma condição, sem a qual a vitória da revolução no Ocidente seria muito mais difícil. Refiro-me à constituição de um fundo de abastecimento para a revolução do Ocidente. As coisas estão no seguinte pé: os Estados ocidentais (Alemanha, Itália, etc.) estão num estado de completa dependência da América, que abastece a Europa de trigo. Se a América burguesa se recusasse a fornecer-lhes o trigo, o que é bem provável, a vitória da revolução nesses países colocaria o proletariado diante de uma crise alimentar desde o segundo dia da revolução. A Rússia não possui reservas alimentares especiais, contudo poderia acumular uma certa quantidade delas e, visto como as perspectivas que delineamos para o setor alimentar são de provável realização e oferecem possibilidades, seria necessário agora apresentar a questão da formação na Rússia de um fundo de abastecimento para os nossos camaradas do Ocidente. Alguns camaradas não dispensam a devida atenção a esse problema, mas ele, como se vê, pode ter uma importância de primeira ordem para o prosseguimento e o êxito da revolução no Ocidente.
Notas de rodapé:
(1) Informe apresentado a 27 de outubro de 1920 na Conferência regional das organizações comunistas do Don e do Cáucaso, realizada na cidade de Vladikavkaz. (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N113] O Comitê de Ação e Propaganda, ou Conselho da Propaganda e da Ação dos Povos Orientais, foi constituído no I Congresso dos Povos Orientais em Baku, em setembro de 1920. O Comitê tinha por tarefa organizar a propaganda, apoiar e unificar o movimento de libertação no Oriente. Existiu durante cerca de um ano. (retornar ao texto)
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Inclusão | 22/05/2008 |