Cartas de Francisco Martins Rodrigues


Cartas a AL


Carta 1
31/05/1991

Caro Camarada:

Houve bastantes respostas ao inquérito sobre a UDP(1), algumas extensas, de modo que depois de encher duas páginas da P.O. tivemos que guardar algumas para o próximo número.

É o caso da tua, que foi uma das últimas a chegar. Espero que compreendas. Como a próxima P.O. sairá em fins de Setembro, antes das eleições, portanto, ainda irá a tempo a continuação do inquérito.

Temos feito aqui umas reuniões com algumas pessoas interessadas no assunto do antinacionalismo e anti-racismo, vamos editar uma folha e fazer uma exposição de rua, por ocasião do 10 de Junho, para tentar ganhar apoios.

Abraços para vocês, até um dia destes

Carta 2
29/08/1991

Caro Camarada:

Peço-te que com a urgência possível envies para o nosso apartado uma fotografia tua, necessária para pôr junto do teu depoimento na próxima PO. Também gostaríamos queindicasses a referência correcta que deve ser posta a seguir ao teu nome, quanto a funções desempenhadas na UDP e/ou PC(R), data de afastamento, etc. De acordo?

As actividades MAR [Movimento Anti-Racista] (e todas as outras) estão em marcha lenta devido ao período de férias, mas o boletim nº 2 deve estar na rua durante o mês de Setembro.O livro com a recolha de citações também está adiantado.

Quanto à PO, vamos procurar dar cobertura condigna aos acontecimentos na URSS (e, por reflexo, no PCP). Enviei um depoimento para o “Expresso”, vamos a ver o que publicam.

Continuamos interessados em levar e exposição MAR a Alcácer! Há uma semana fomos a Samora Correia, à festa da terra, correu bem.

Abraços para vocês

Carta 3
25/09/1991

Caro Camarada:

Respondo â tua carta. Junto um recorte do “Jornal” que não sei se viste. Conseguimos pôr o figurão do Graça Moura a falar do MAR(2), já não é mau!

Boletim do MAR – vai sair o 2 com alguns depoimentos, gostaríamos que o fizesses chegar à mão de quem interesse.

Assinaturas – não está nada decidido, procuramos só saber a receptividade que haveria para um manifesto, a trabalhar melhor, mas talvez seja ainda cedo, notamos sobretudo expectativa.

Exposição sobre os Descobrimentos – fomos a uma escola da Portela de Sintra e iremos a uma colectividade de Coimbra.

Essa ideia que dás de nos dirigirmos à Câmara seria óptima. Aguardamos que nos indiques quando aches que é ocasião propícia. Estamos a completar os painéis, mas o que há feito já cobre a “gesta da expansão lusa”. 

Sketch – Não me atrevo a dizer eu o que o artista deve fazer. Julgo que seria uma coisa para 15-20 minutos, para não mais de três pessoas e que se pudesse apresentar na Praça da Figueira. Isto para te dar uma ideia. Julgo que isso implica um texto fortemente agitativo, panfletário talvez, obrigando as pessoas a reflectir se os Descobrimentos foram bons para a Humanidade, porque é que acabaram nas guerras coloniais, e deixaram a África no estado em que está? Qualquer coisa que metesse uma farpa bem funda, a doer, no chauvinismo lusitano. Como é que isso se consegue, não faço ideia. Talvez tu desencaves um diálogo apimentado que sacuda a estupidez instituída.

Quanto à questão das assinaturas de personalidades e das pessoas em geral, a nossa ideia, uma vez lançado um texto, é fazer recolha de assinaturas na rua, de cada vez que apresentarmos a exposição, Neste momento, estamos a sondar se haveria duas ou três dúzias de intelectuais, artistas, professores, dispostos a lançar o texto e, só pelo facto de lhe porem o nome em baixo, criarem uma certa celeuma na imprensa e obrigarem a que se fale do assunto. Uma forma de romper o cerco do silêncio com que iniciativas destas são abafadas. Não me parece que haja nada errado neste procedimento. Enfim, o projecto dá ainda os primeiros passos, temos esperança de que o fim do Verão nos permita concretizar mais algumas ideias.

O “livro negro da expansão portuguesa” está em bom andamento e talvez saia em Outubro. É uma recolha de citações daquelas que não é de boa educação recordar, desde o Gil Eanes aos comandos da guerra colonial. Parece assegurado o patrocínio duma editora(3). Um abraço

Carta 4
24/10/1991

Caro Camarada:

A foto esteva de facto patibular, mas a da Nazaré também não lhe ficou atrás. É o que se precisa, numa revista extremista! Espero que já tenhas recebido e que te agradasse o conjunto. Agora peço-te, com vistas ao próximo número, algo sobre essa vila e região. Uma correspondência (assinada ou não), um comentário, um recorte de imprensa local, sei lá! Lembra-te um pouco de nós. Queremos desesperadamente fazer a revista mais viva e mais inserida nos factos do dia-a-dia, mas faltam-nos contactos.

Recebeste o boletim MAR nº 2? Que te parece? Continuamos à espera da tua peça teatral ou de outros dados úteis para a campanha.

O debate sobre a questão soviética foi interessante e animado, embora sem grandes descobertas. Faremos outros assim que possível.

A terminar, um pedido, não te pareça mal: a renovação da assinatura. Mantemo-nos à tona de água com dificuldade, todos os apoios nos são imprescindíveis. E se nos angariasses um novo assinante, melhor ainda:

Um abraço

Carta 5
20/01/92

Caríssimo A:

Lamento que o teu silêncio tenha sido causado por doença. Espero que te ponhas em forma depressa. Já me constou que os professores sofrem todos dum grande stress, por terem que aturar diariamente os putos aos saltos, será o caso?

Mando-te hoje mesmo o livro da Ana, mas não à cobrança porque fica muito mais caro e nãovale a pena. Não desconfiamos que fujas sem pagar. Já telefonei à tua Mãe como pediste edisse-lhe o montante da dívida, que não é de assustar ninguém: 1.350$00 da assinatura da P.O.(ainda foi ao preço antigo) + 1.450$00  do livro. Total: 2. 800$ 00.

Ficamos interessados nas tuas hipóteses quanto ao MAR ir aí. Já fizemos sessões em Vila do Conde, Porto, Coimbra, Póvoa de Santa Iria e em Lisboa, quando do lançamento do livro da Ana, que esteve muito concorrido e deu debate. Não te quero pressionar porquê precisas primeiro de te pôr em forma. Mas talvez um dia destes eu e a Ana façamos uma incursão, de surpresa, e depois falaremos melhor de tudo isso. Abraços para ti e para a A, de mim e da Ana B.


Notas de rodapé:

(1) Sobre a decisão da UDP de formar listas eleitorais conjuntas com o PCP. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(2) MAR, Movimento Anti-Racista. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(3) O livro foi publicado pela Antígona, Livro negro da expansão portuguesa, Ana Barradas, 1991 (esgotado). (Nota de AB) (retornar ao texto)

Inclusão 12/11/2018