Zapatistas Aplaudidos ou o Amor da Burguesia pelos Derrotados

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 2001


Primeira Edição: Política Operária nº 79, Mar-Abr 2001

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Em resposta a um questionário do Jornal de Letras a propósito da recente marcha zapatista sobre a cidade do México, o director da P. O. enviou o seguinte comentário: 

Fala-se, a propósito do zapatismo, em “nova esquerda”. Parece-me tratar-se antes de uma esquerda tímida, mesmo raquítica, de modo nenhum à altura do grandioso movimento popular que representa.

O estilo poético de Marcos, que tanto enlevo causa na Europa, não é só politicamente ambíguo; exprime uma castração, bem resumida na sua declaração ao entrar na cidade do México: “O problema não está em conquistar o poder mas na relação dos cidadãos com o poder”. Pretendem alguns encontrar uma profundeza excepcional naquilo que é na realidade a expressão de um reformismo, hoje ingénuo, amanhã talvez acomodado. Porque os direitos de cidadania dos camponeses índios que Marcos reivindica, se não forem ganhos em luta aberta contra o poder instituído acabarão por servir de bandeira à ascensão de uma nova franja burguesa — veja-se o que sucedeu ao movimento negro nos EUA. É nesse caminho que o presidente Fox procura levar os zapatistas. Há boas razões para recear que o momento de glória actualmente vivido pelo zapatismo prenuncie derrotas amargas para os índios em cujo nome fala.

A fonte da popularidade internacional do zapatismo é justamente essa sua postura de audácia ordeira de raiz cristã. Daí a sedução que exerce sobre certos meios progressistas europeus que aspiram a disputar aos EUA uma parte da influência sobre a América Latina (e, claro, dos seus mercados) e que na mesma linha inspiraram o recente Fórum de Porto Alegre. É sintomático que o carinho e a projecção mediática que rodeiam o zapatismo não se estendam a movimentos populares bem mais massivos e eficazes, como o que já libertou vastas áreas da Colômbia ou o que desde há dois anos abala o Equador, ou o das ocupações de terras no Brasil. A burguesia progressista sempre sentiu uma simpatia enternecida pelos rebeldes inócuos.

A verdade é que há um verdadeiro abismo a separar o audacioso guerrilheirismo de Guevara da “guerrilha sem espingarda” de Mar­cos. E o surgimento de Marcos a corrigir Guevara só se entende porque entretanto o movimento popular latino-americano foi afogado em sucessivos banhos de sangue orquestrados pelo Big Brother americano (Argentina, Chile, Brasil, Uruguai, Salvador, Guatemala, Nicarágua, Colômbia…).

São de prever, mesmo assim, revoluções (isto é, derrubamentos violentos da burguesia) no século XXI? Sem dúvida. A mesma doença requer a mesma cura. O sistema capitalista entrou numa fase terminal, que está aí à vista de todos e os seus avanços tecnológicos ditam a sua ruína porque exercem uma pressão irresistível para passar a formas sociais modernas. Os vindouros olharão com espanto e piedade o pântano sangrento que hoje forma o nosso dia-a-dia. É por isso que prometer liberdade e democracia dentro deste horror é servir ópio ao povo.                                          


Inclusão 10/06/2018