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Primeira Edição: Política Operária nº 54, Mar-Abr 1996
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Quelle alternate à la crise africaine?, Bernard Founou-Tchuigoua. Col. “El Mondo Actual”. Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades, 1995, Ciudad Universitária, 04510 México, D.F.
Tem-se generalizado ideia de que o “grande desafio” dos povos africanos é aprenderem a viver em democracia pluripartidária, à ocidental. O autor, professor na Universidade das Nações Unidas em Dakar, no Senegal, mostra a hipocrisia destes conselhos e contesta que que a conquista de verdadeiros direitos democráticos pelas populações desse imenso “Quarto Mundo” seja possível sem uma mudança de sistema, claramente anticapitalista.
A democracia liberal, hoje apresentada como modelo universal, não passa dum “jogo cujas regras estão concebidas de forma a proibir às classes populares o acesso ao poder e o exercício da sua hegemonia”; os seus chamados direitos fundamentais “garantem a exploração da força de trabalho e a sua submissão ao capital”. Além disso, ela não é viável em África porque “repousa sobre a alienação política, só possível se estiverem reunidas as necessárias condições económicas”; de facto, o seu funcionamento “exige que o Estado seja rico, isto é, capaz de centralizar uma massa importante de mais-valia, para a afectar à organização da segurança dos ricos sem necessidade de manchar o poder com ilegalidades e ilegitimidades”, condições que justamente faltam em África.
Aliás, prossegue, é igualmente falso que o capitalismo não coexista facilmente com regimes ditatoriais e trabalho forçado, sobretudo na produção agrícola, como mostrou o passado e continua a demonstrar hoje o neocolonialismo. “Pela sua natureza – define mais adiante -, o Estado do Quarto Mundo é um mecanismo de extracção de excedentes das camadas populares e de endividamento externo, para benefício exclusivo dos ricos e dos credores estrangeiros”. Como exemplo, os Camarões, onde um estudo de 1983 registou uma classe dirigente, essencialmente burocrática, de um milhar de pessoas, numa população total de 6 milhões. Logicamente, esta estreiteza da base social do poder leva-o a apostar na despolitização das massas (repressão directa, coerção, atomização tribal, clientelismo), como forma de garantir a sua reprodução como Estado comprador e autocrático, sob a bandeira “indiscutível” da “união nacional”.
Seguidamente, o autor enumera alguns meios pelos quais o Estado comprador africano bloqueia o desenvolvimento das culturas agrícolas de consumo interno e impede a emergência de uma classe média rural, para cumprir os planos de reajustamento do FMI ao serviço do agro-business imperialista. A teoria reconfortante de que todos os países poderiam aceder ao capitalismo evoluído, teoria essa, aliás, há muito desmistificada por teóricos como Samir Amin, é diariamente desmentida na prática. O continente africano, conclui, está a ser sangrado por um neocolonialismo mineiro e petrolífero, apoiado na autocracia como a “forma de gestão política melhor adaptada a essa função”.
Isto não significa que não haja nenhuma esperança. As revoltas populares de 1984 contra o apartheid na África do Sul “marcam um corte na história do movimento social na África pós-colonial”, já que, pela sua repercussão, trouxeram “o fim do medo entre os jovens e os excluídos dos bairros populares”. Demais, prevê, aqui já não será possível a passagem ao neocolonialismo como no resto de África: a identificação dos proletários por etnia, linhagem ou comunidade, em que aposta o Inkhata, está condenada porque “se tornou residual face à identificação de classe”. Assim, “ao apartheid sucederá ou o desenvolvimento numa perspectiva socialista, ou o caos”. Caos a que estamos já a assistir, acrescentamos nós.
A terminar, Bernard Founou rejeita a ideia simplista de que a África será salva da crise por uma retoma do crescimento capitalista ocidental. Primeiro, porque nada é menos seguro do que essa retoma, já que “os ciclos actuais são internos a uma crise estrutural”. Por outro lado, “o Ocidente do pós-guerra fria dispõe-se tranquilamente a continuar a dominar a África, mesmo que as sociedades se desintegrem e que o Estado careça de qualquer legitimidade, contentando-se em canalizar o auxílio para o reforço dos aparelhos repressivos”.
A alternativa, conclui, está na “autonomia organizativa das camadas populares em torno de objectivos concretos” e na “busca de aliados na Europa”. Pela nossa parte, se receamos que ainda por algum tempo não sejam encontrados tais aliados, não deixamos de saudar o radicalismo e a lucidez deste trabalho, revelador duma nova geração de intelectuais marxistas africanos.
Inclusão | 16/10/2018 |