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Primeira Edição: Política Operária nº 41, Set-Out 1993
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Esta é a tese original do livrinho – a clandestinidade comunista não teria sido uma defesa necessária (e corajosa) contra a repressão mas um modo de vida!
“Aquilo que melhor caracteriza a clandestinidade comunista – esclarece na Introdução do seu livro(1) o ideólogo do cavaquismo – é ela emanar de uma cultura política particular e ser mais um modo de vida e de política do que um instrumento funcional para obter determinados fins revolucionários ou resultar inevitavelmente da repressão ao partido comunista”.
Só por si, isto é já suficiente para avaliarmos a estatura moral do autor. Mas ele vai mais longe: estuda a clandestinidade como uma anomalia, como um comportamento desviante, que seria produzido pelo “carácter holístico e teleológico do marxismo-leninismo”. Traça analogias entre os partidos comunistas e os manicómios, mosteiros e conventos, como “instituições totais” que praticam o “controle administrativo dos seus membros” e que “se aproximam do modelo weberiano da variedade monocrática da burocracia”; cita Jung e os “processos da psicologia do renascer”, com a sua “forte exaltação individual e o sentido de missão, com claras conotações religiosas”; opina que a “análise psicológica da noção de tempo do clandestino mostra semelhanças com a percepção do tempo pelos doentes graves, por exemplo pelos cancerosos” (!); compara a função dos controleiros do partido à dos enfermeiros nos asilos psiquiátricos ou dos guardas prisionais, já que lhes cabia “gerir o enorme potencial de conflitos afectivos e psicológicos a favor dos interesses da organização”; e explica a passagem à clandestinidade dum número elevado de jovens, no tempo da ditadura, como efeito da “atracção adolescente pelo segredo” e do gosto pelas “conotações iniciáticas e secretas” do partido. Só lhe faltou investigar os casos de infância infeliz na origem das carreiras de militantes clandestinos…
Assim, perdida toda a noção da decência e até do ridículo, P. P. atasca-se literalmente numa psicanálise de pacotilha para tentar desvalorizar a clandestinidade comunista. A longa (e solitária) resistência clandestina do PCP à ditadura salazarista é classificada sem vergonha como uma “mitologia, com o seu cortejo de acontecimentos, reais, exagerados ou inventados”; as prisões, torturas e assassinatos da PIDE são reduzidos a quase nada, e quando são mencionados é apenas como a resposta do regime aos manejos dos comunistas procura-se chocar o leitor com a situação de isolamento em que viviam as crianças dos casais clandestinos, mas para fazer recair sobre este? o odioso da situação.
O objectivo é transparente – ao denegrir a clandestinidade como uma tara de fanáticos quer-se apagar o facto de que os comunistas foram os únicos capazes de dar voz à recusa de boa parte do povo a submeter-se à ditadura de Salazar. Mas não só. Ao minimizar a resistência, é afinal a reabilitação do fascismo e dos seus torturadores que se enceta – de forma dissimulada e sorna, como convém à personagem, Mário Soares, que se dispôs a apadrinhar com a sua presença o lançamento desta baixeza, lá sabe porquê.
Mas, enfim, nem tudo se perde. Se este extraordinário “estudo sobre a clandestinidade” em nada contribui para a história da resistência ao fascismo, em compensação ele diz muito sobre a mente tortuosa do autor, sobre os reais valores ideológicos reinantes no seu partido e sobre o que temos a esperar desta era de desforra insolente da reacção.
Notas de rodapé:
(1) A Sombra. Estudo sobre a clandestinidade comunista, José Pacheco Pereira. Ed. Gradiva, Lisboa, 1993 (retornar ao texto)
Inclusão | 05/09/2018 |