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Primeira Edição: Em Marcha, 10 de Maio de 1982
Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O espectáculo do ano aí está. João Paulo II ao vivo, agradecendo à Virgem de Fátima a prontidão com que desviou dos seus órgãos vitais as balas do maluco que o alvejou há um ano. Número fabuloso capaz de provocar verdadeiras explosões de fé. Também, vai custar-nos os olhos da cara, benza-o Deus!
Este João Paulo, não está provado que seja o líder moral do mundo, como pretendem os adeptos mais ferrenhos. Não sai das banalidades compungidas sobre os problemas que afligem a gente do trabalho. Não tem uma palavra de condenação para os maníacos nucleares, para os carniceiros do Salvador, da Turquia, da África do Sul, de Israel, da Indonésia. E vai prometendo a felicidade no céu aos submissos na terra, para grande satisfação dos vampiros de todo o mundo.
Mas que é um Papa superstar, lá isso é. Lá na Polónia onde se fez arcebispo, aprendeu a dar um toque de massas nas suas actuações, que o torna imbatível. O revisionismo é boa escola para esta coisa de hipnotizar multidões.
É também uma viagem de trabalho, não esquecer. Primeiro, para ver se faz a reciclagem dos nossos rançosos bispos, que ainda falam com saudade nos tempos do senhor D. Miguel. Depois, para explorar as perspectivas de Portugal como placa giratória de penetração nos mercados africanos, nas pisadas da CEE. Pode ser que nos traga divisas.
— Será que vamos ter finalmente a revelação da terceira parte dos segredos de Fátima? — perguntam os jornais, ansiosos. Talvez tenhamos essa felicidade, quem sabe! A ajuizar pelas duas primeiras, deve ser um assombro: “Vi os demónios e as almas mergulhadas num mar de fogo transparente, com nuvens a cair dos lados...”
Oh miséria das misérias!
Nada disto perturba os partidos de todos os quadrantes. Todos falam com ar reverente desta exibição triste, como se fosse a coisa mais natural. Unidos no instinto de sobrevivência deste mundo carcomido, a cair de podre, ajudam a escorar o pilar cambaleante da Igreja.
Amanhã lá estarão perfilados em recolhimento os adversários irreconciliáveis, desde o Freitas ao Cunhal, para o beija-mão da Santidade, a dar o exemplo da obediência. Só a UDP estará ausente, honra lhe seja. Os milhões de pobres que intimamente amaldiçoam esta farsa cara sem se atrever a dizê-lo, registarão este gesto isolado de coerência. E não faltará quem o lembre no futuro. É o que conta.
Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária
Inclusão | 06/02/2019 |