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Primeira Edição: Em Marcha, 5 de Fevereiro de 1981
Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando Araújo.
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Insolente e fascista foi a atitude do general Figueiredo ao excluir os três presidentes de comissões parlamentares que são membros do PCP da recepção oferecida pela embaixada brasileira no palácio de Queluz. Insolente e fascista porque quis dizer que o regime dos generais não aprova que o PCP possa estar representado na Assembleia da República em Portugal e sugere a sua ilegalização.
É confrangedor o silêncio da Assembleia, do Governo e do Presidente perante esta provocação às instituições do país. Não faltará quem aprove o protesto do PCP ao decidir alhear-se das restantes cerimónias que rodearam a visita do Presidente do Brasil.
O incidente, contudo, encobre um monte de questões à medida que lhe passamos da casca para o miolo.
É que o PCP só pôde ser excluído da recepção porque estava disposto a lá ir e só pôde boicotar as restantes cerimónias porque ia participar nelas. Ou seja: a dignidade do PCP só acordou depois que foi grosseiramente posto fora da festa. Porque não antes? Porque é que o PCP se sujeitou a ser excluído pelo ditador brasileiro e não tomou a iniciativa de ser ele, PCP, a denunciar e excluir publicamente do seu convívio o visitante, como fascista e inimigo do povo irmão do Brasil?
Será que se promove a paz e a amizade entre os povos indo beber taças de champanhe às embaixadas dos regimes fascistas e imperialistas? Será que o PCP precisa de comparecer às recepções de todos os figurões reaccionários que passam por Lisboa — para aproveitar bem as possibilidades legais? Ou é para se ligar melhor às massas?
Mas o caso não se esgota aqui. É que a embaixada do Brasil, depois de dar a bofetada, alegou, com o cinismo habitual nestas coisas, que houvera apenas um lapso. E logo os serviços do PCP se apressaram a "registar a correcção" e a esclarecer, para quem tivesse dúvidas, que se tivessem sido convidados "teriam estado presentes". E na sessão solene em honra do ditador, na Assembleia da República (que o deputado da UDP honrosamente boicotou), o grupo parlamentar do PCP descobriu uma solução engenhosa: fez sair uma parte dos seus deputados, para poder dizer ao país que o PCP marcou o seu protesto contra a cerimónia. E fez ficar a outra parte, para mostrar a Eanes, ao PS, aos "sensatos" da AD, à CEE, à NATO, ao diabo, que o PCP sabe comportar-se como um partido responsável".
Tanta dignidade põe os cabelos em pé.
Inclusão | 04/08/2019 |