O sino da capelinha branca espalhava pelos campos o som soturno das seis badaladas.
A tarde recolhia seus últimos raios de luz. Ave-Maria. É a hora roxa da saudade para os que vivem de ilusões. É a hora verde da esperança para os que vivem do trabalho quotidiano.
Ao ouvir as badaladas tristes e compassadas da Ave-Maria, Taciana lembrava-se do famoso quadro de Millet, que tanto admirava pela simplicidade artística e pela profunda poesia mistica daquele casal de camponeses. Angelus. Aquele par venturoso que trabalhara o dia todo, de sol a sol, ceifando os trigais, ali está contrito, de cabeça baixa, fazendo a sua oração, feliz, cheio de fé, de esperança, ouvindo o badalar do sino anunciando o fim do dia. Ave-Maria.
Millet interpretou na sua obra-prima o verdadeiro sentido da vida. O amor aliado ao trabalho. A fé ligada à Esperança.
Como é divino sentir-se a vida através da natureza do trabalho e do amor num ciclo só! Os dois camponeses do celebre quadro de Millet são a expressão máxima da felicidade, porque na sua doce humildade sentem apenas a febre do trabalho, a doçura suprema do amor-amizade, longe do mundo infame e traidor.
Ao chegarem à choupana os camponeses experimentam a doce sensação de haver cumprido um dever sacrossanto. Ao deitarem-se em busca do sono calmo, após a labuta de um dia fatigante, nos braços amigos um do outro, eles já estão pensando no trabalho do dia seguinte, na colheita, no pequeno lucro, nas economias, no vestido novo de chita, no calçado novo para irem à missa aos domingos. Amor e trabalho. Fé e esperança.
Era assim que Taciana desejava viver: interpretando no palco da vida a poesia do poeta:
“Viver feliz com o seu amor... e nada mais”.
O seu noivado inesperado a preocupava muito. Ela jurara que seria somente de Luiz, mas o seu próximo casamento seria o único pretexto de sair da fazenda onde não mais poderia viver. O tédio a matava lentamente. Seria o único meio de ir ao encontro daquele que levara seu coração, seu pensamento, sua alegria.
Ela não sentia a menor emoção pelo próximo matrimônio. Não sentia nenhum remorso de se entregar a Venâncio com o único intuito de se aproximar do homem que amava. Ela explicara ao noivo o estado de alma em que se encontrava. Expusera claramente as suas intenções. Emprestava-se a ele, unicamente. Venâncio aceitara todas as condições expostas pela noiva.
Também ele estava cego de amor. Tinha a convicção de que o bizarro romantismo da noiva passaria depois do casamento.