Entrevista ao Jornalista Sidney Resende

Luiz Carlos Prestes

Agosto de 1989


Primeira Veiculação: Rádio Jornal do Brasil no programa "Encontro da Imprensa".
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, novembro 2006.
Direitos de Reprodução: Reprodução autorizada pelo autor da entrevista: jornalista Sidney Resende.


Sidney Rezende — A dona-de-casa DR pergunta como o senhor está observando as próximas eleições para presidente ?

Prestes — Vejo as eleições para presidente como um grande passo no caminho da democracia. É uma das concessões feitas pela nova Constituição, promulgada a 5 de outubro de 1988. Uma constituição que, produto de um trabalho coletivo, apresenta aspectos bons e negativos. Um dos positivos é este, de assegurar ao povo o direito de eleger pelo voto direto o presidente da República, depois de 30 anos sem realização de eleições. Isso é de uma necessidade urgente. O povo já havia percebido isso instintivamente em 84, na campanha pelo ''voto direto já". O povo compreendia que o problema da inflação não é só econômico, financeiro, mas é essencialmente político, porque só um presidente da República eleito pelo povo, com prestígio popular, tem condições de exigir das diversas camadas sociais os sacrifícios que serão indispensáveis para fazer zerar esse processo inflacionário.

Sidney Rezende — Surpreende ao senhor a repercussão em torno da candidatura Fernando Collor?

Prestes — Não. Porque eu creio e tenho afirmado publicamente que o maior mal do povo é o seu atraso cultural, mantido e sustentado pelo Governo, que prefere que o povo continue atrasado, analfabeto. Os dados da ONU mostram como aumenta o analfabetismo adulto em nosso país. Além do analfabetismo adulto, há o atraso cultural, estimulado pelo Governo e os meios de comunicação de massa, principalmente pela TV Globo, e outras que têm grande influência em todo país. O atraso cultural é que leva o povo a uma escolha precipitada de um candidato que não apresenta nenhuma condição de segurança de que será realmente um estadista.

Sidney Rezende — O atraso cultural a que o senhor se refere pode levar àquela afirmação de que "o povo brasileiro não sabe votar"?

Prestes — Não. O povo brasileiro sabe votar, sim. O que há é uma emergência particular. Collor foi o único candidato que se lançou. Há dois meses ele está com sua campanha na rua e os outros não se apresentaram ainda. E o povo está descontente com a realidade presente, com a inflação, com o Governo Sarney, que descarrega as dificuldades da crise nas costas dos trabalhadores. De maneira que, apresentado esse candidato com a bandeira de acabar com os marajás — o que é completamente falso —, alguns setores da população afluíram para esse nome. Mas isso é transitório.

Sidney Rezende — MF pergunta ao senhor quais são os motivos de Collor estar à frente das pesquisas, e se ele seria o candidato da classe dominante. Uma das razões o senhor deu: é uma candidatura colocada antecipadamente, na sua opinião. Algo mais a dizer?

Prestes — Creio que ele não merece a confiança nem do imperialismo americano, que é quem manda em nossa terra, nem das multinacionais. Pode ter uma ou outra multinacional que o apóie, mas as outras ainda desconfiam, porque ele é um jovem que não mostrou ainda o que poderá fazer na presidência da República.

Sidney Rezende — O ouvinte JB não compreende muito bem sua opção por Leonel Brizola. Ele diz: "Sendo o senhor um comunista histórico, quais as razões que tem para apoiar o candidato de um partido de decisões de cúpula?"

Prestes — Ele não tem razão. O Sr. Leonel Brizola tem um passado que lhe assegura a esperança do povo. Numa parcela considerável do povo brasileiro, o único político em que se deposita ainda alguma esperança é o Sr. Leonel Brizola. Pelo seu passado de governador do Rio Grande, prefeito de Porto Alegre, governador do Estado do Rio, e que terminou o seu período governamental — ao contrário do que geralmente acontece, e está acontecendo agora com o Sr. Sarney — com o maior prestígio. Terminou com muito mais popularidade que iniciou. Em 82, ele foi eleito no Rio com uma votação relativamente pequena. No entanto, terminou seu governo com mais de um milhão de votos. O Sr. Darcy Ribeiro foi derrotado, mas teve mais votos do que Brizola, em 82. O prestígio dele aumentou. E no Sul foi a mesma coisa.

Sidney Rezende — Mas um ouvinte argumenta, Sr. Prestes, da seguinte maneira: "Por que não Lula, que é um candidato nascido no seio do movimento de trabalhadores?"

Prestes — Lula, sem dúvida alguma, é um operário de talento. Mas, no Brasil, ninguém nasce comunista. Ninguém nasce marxista. Ele precisaria estudar. Eu sou pai e sei como se educa uma criança. Os preceitos podem ser muito bons, mas entram por um ouvido e saem pelo outro. Criança aprende é com o que se vê na família. E mesmo na família operária, o que ainda predomina é a luta da concorrência capitalista. Esmagar os outros para subir sozinho. É o egoísmo burguês, a ideologia da classe dominante. Todo brasileiro nasce sob a influência dessa ideologia. Para ser um dirigente operário, ele precisaria estudar o marxismo, que é a ciência do proletariado. Ele mesmo diz na televisão que não lê. Que pega um livro e vai até a página 17. Toda crítica que eu faço ao Lula ele pensa que é uma crítica destruidora, mas não é. É uma crítica no sentido de impulsioná-lo a estudar a ciência do proletariado.

Sidney Rezende — Mas, ao lado dessa falha que o senhor está detectando, a prática do Lula não está de acordo com a luta dos trabalhadores brasileiros?

Prestes — Os interesses econômicos imediatos dos trabalhadores ele conhece, mas não basta isso. Nós vivemos num regime capitalista. Um dirigente operário precisa conhecer a ciência do proletariado, porque senão é um cego dentro dessa sociedade. O capitalismo está sujeito a leis capitalistas. Esse é o mal do Lula. Ele não avançou nesse terreno da mudança de ideologia. É uma lástima. E o pior é que ele pensa que já é marxista, dificultando ainda mais o estudo.

Sidney Rezende — Mas a grande proposta comunista hoje no Brasil não seria encampada pelo PT, mas até do que pelos PCs?

Prestes — Não, absolutamente. O PT ainda está muito longe de ser um partido marxista revolucionário. Os outros dois, o PCB e o PC do B, não têm mais nada de comunistas. Eu me separei deles por isso, desde 79. Eles adotam uma orientação de que o Brasil é um país colonial, ou semicolonial, quando o Brasil é capitalista. A formação econômico-social dominante em nosso país é, desde o fim do século passado, capitalista. O lucro do capitalista, é o salário do trabalhador. E eles aplicam no Brasil documento do Sexto Congresso da Internacional Comunista cujo título é "Teses para a luta revolucionária dos povos dos países coloniais e semicoloniais". Quer dizer, consideram que a revolução no Brasil é nacional-libertadora, estão lutando por um outro governo capitalista. Eles querem um governo capitalista democrático que vai resolver os problemas do povo. Isso é uma negação do marxismo. Porque a lei fundamental do capitalismo é a concentração do capital. Quanto mais avança o capitalismo, mais a riqueza se acumula nas mãos de uma minoria cada vez menor, e a miséria, para massas cada vez maiores. Daí que esse governo capitalista democrático que vai resolver os problemas do povo é uma utopia pela qual eles estão lutando.

Sidney Rezende — MN, de Mar de Espanha, Minas Gerais, pergunta por que o senhor apóia Leonel Brizola, quando já há um candidato do Partido Comunista, Roberto Freire. Acho que o senhor já deu algumas razões para isso.

Prestes — Não tenho nada a ver com o Partido Comunista. Eu acompanho a propaganda do Sr. Roberto Freire, que é muito interessante. É um homem que agrada a todos os auditórios. Conforme o auditório, assim ele fala. Daí que ele é aplaudido por toda parte. Mas não cita um documento do seu próprio partido. E o partido dele tem lançado documentos novos. Recentemente , a Voz da Unidade, que é o órgão do PCB, publicou um documento político da direção nacional do partido. Por que ele não cita esse documento? Nesse documento, o que o PCB propõe? Propõe a unidade dos trabalhadores com o governo e com os empresários. Quer dizer, eles vêem um capitalismo sem contradições...

Sidney Rezende — Qual a sua avaliação a respeito do Governo Sarney? O presidente afirma que nunca na história desse país houve tantas liberdades públicas.

Prestes — Isso é uma negação da verdade. Mesmo porque, quem governa o Brasil hoje não é o Sr.Sarney. Os generais continuam dominando, eles é que governam. O Sr. Sarney é um boneco na mão dos generais. Quando ele declara que não pode mais governar, ou que não tem mais condições para isso, por que ele não renuncia? Um homem de caráter não aceitaria uma situação semelhante, ter o cargo de presidente da República e confessar publicamente que não tem mais condições para governar!!!

Sidney Rezende — Mas, e em relação às liberdades públicas, o senhor concorda com o presidente?

Prestes — Não, exceto com o fato de que os generais tiveram que ceder nessa questão do terreno democrático. Eles falaram tanto de abertura, que negar a democracia seria realmente insensato. Mas é uma democracia bastante limitada. Em novembro do ano passado, os operários de Volta Redonda faziam uma greve unânime de todo o proletariado, e o Exército interveio com três mil homens, canhões, tanques, parecia que iam destruir a fábrica. Porque, para enfrentar uma greve, não precisariam de canhões e tanques. E é certo que mataram pelo menos três operários. Essa é a democracia do Sr. Sarney?

Sidney Rezende — Partindo dessa realidade, por que o novo presidente iria governar numa base diferente? Os mesmos generais, que o senhor diz hoje estarem no poder, não continuarão no próximo Governo?

Prestes — Não, porque um Presidente eleito com o apoio popular não se submeteria a essa situação que o Sr. Sarney aceita. Qualquer presidente pode reagir contra isso, não admitir e não se submeter. A dignidade, o caráter do indvíduo não permitirá isso. O Sr. Leonel Brizola jamais se submeterá a qualquer general.

Sidney Rezende — Já que o senhor citou Leonel Brizola, é interessante lembrar que em dado período da campanha, ele chegou a se referir ao período Vargas. E CM, servidor público, de Duque de Caxias, pergunta que influências negativas ou positivas pode haver do período Vargas na candidatura Leonel Brizola.

Prestes — Isso é passado. O Sr. Vargas era um político complexo. Ele tinha aspectos negativos e positivos. Isso é do ser humano, não há ninguém que seja um anjo, sem pecados ou defeitos. Não há dúvida alguma que ele contribuiu para o movimento social. Ele substituiu Washington Luiz, para quem a questão social era caso de polícia. Vargas, quando assumiu o governo, já em março procurou dar atenção ao problema social, criando o Ministério do Trabalho, a organização sindical. Mas errada, até hoje prejudicial ao nosso povo, porque baseou-se na Carta del Lavoro de Mussolini. Mas de qualquer maneira foi um passo adiante, comparada à política de Washington Luiz.

Sidney Rezende — Então, pertencendo Vargas ao passado, o senhor considera um equívoco que Leonel Brizola traga a imagem de Getúlio Vargas para a campanha, na medida em que o eleitor pode não se sensibilizar com isso?

Prestes — Eu disse diretamente ao Sr. Leonel Brizola que ele está equivocado pensando que levantando o nome de Vargas hoje vai conseguir algum voto. O operário que chamava Vargas de “pai dos pobres” já desapareceu. Essa juventude operária não sabe quem foi Vargas. Na escola primária não se ensina história, não é? É um anacronismo, Brizola não ganha nada com isso. Mas é uma questão pessoal do Sr. Brizola, porque ele defende muito o seu passado. E tem razão, porque tem posições positivas no passado. E tem essa integridade que o povo admira, de não ceder no terreno de suas opiniões anteriores. O seu passado, ele defende com unhas e dentes. Ele se aproxima às vezes de elementos reacionários. De generais, mesmo. Mas qualquer um que se alie a Brizola não impõe a sua vontade a ele. O aliado é que se submete a ele, que tem uma integridade muito forte.

Sidney Rezende — O senhor citou a necessidade de transformar o regime do nosso país do capitalismo para o socialismo. E JST, advogado, de Copacabana, pergunta: o exemplo da Perestroika, na União Soviética, não significa que o marxismo está perdendo terreno?

Prestes — Não, ao contrário, está ganhando. Os sucessores de Lênin erraram muito. Lênin era um caso exepcional. Lênin conhecia bem a teoria e a realidade da Rússia czarista, e depois, da Rússia Soviética. O difícil é a aplicação do marxismo. O marxismo não é dogmático, não tem modelos, não tem cópias. O marxismo deve ser aplicado a determinada realidade. Se não se conhece essa realidade, como acontece no Brasil, vamos errar muito. A realidade nacional é desconhecida, o Brasil é muito complexo. Cada estado, cada município é um caso diferente. Quando se pergunta qual é a taxa de inflação no país, surgem logo três números. O Tesouro lhe dá um número, o ministro da Fazenda dá outro, a Fundação Getúlio Vargas, outro. Qual é a verdadeira? Voltando à União Soviética, os sucessores de Lênin não conheciam essa realidade, e erraram muito. Esses erros é que estão sendo corrigidos agora pela Perestroika, que está substituindo tudo de falso que foi feito por Stalin e seus sucessores. Stalin, através da violência e do arbítrio, matando muita gente, como diz o camarada Gorbatchev, crimes imperdoáveis. Mas Gorbatchev reconhece também que na industrialização do país, a partir do ano de 30, foi muito importante o papel de Stalin no estímulo à classe operária, naquele momento crucial para a União Soviética. Hitler estava avançando, ameaçando todo mundo. Eu estava em Moscou em novembro de 31, e ouvi o discurso de Stalin em que ele dizia: “Se dentro de dez anos não tivermos uma indústria à altura da do Ocidente, seremos esmagados.” E realmente, em dez anos, conquistou isso. Quando foi atacada, a União Soviética, em 41, pôde reagir e esmagar o nazismo. Foi a força da URSS que esmagou o nazismo, a ajuda norte-americana naquele momento foi insignificante. Os Estados Unidos não ofereceram mais do que 3% do consumo de munição e armamento. Foi toda a indústria soviética criada de 30 a 41. Mas os erros de Stalin foram realmente muito graves.

Sidney Rezende — Talvez o senhor fique aborrecido comigo, mas é que em outra entrevista aqui no Encontro, falamos a respeito de democracia, do pluripartidarismo, das transformações na União Soviética. E o senhor se demonstrou tímido para fazer uma revisão a respeito da história daquele país, como está fazendo agora. O senhor acha que com a administração Gorbachev passou-se a falar da URSS com mais liberdade, a criticá-la de maneira mais franca?

Prestes — Eu, como comunista, jamais atacaria a União Soviética. E mesmo a Stalin. Não atacava porque conhecíamos a verdade. Para um comunista, a União Soviética foi o primeiro passo no caminho da conquista do socialismo. Seria um crime atacar a URSS. Agora, os próprios soviéticos reconhecem os erros cometidos por Stalin. Estamos de acordo, achamos que essa crítica é justa, necessária, vai contribuir para realçar o papel do socialismo e abrir um futuro novo e promissor para o socialismo no mundo inteiro.

Sidney Rezende — O senhor acha que é possível rebater a afirmação que corre no mundo ocidental de que as transformações ocorridas nos países do Leste Europeu são na direção do capitalismo? O senhor acha que eles estão caminhando para uma economia de mercado?

Prestes — Não. Houve uma concepção muito falsa de Stalin e de outros dirigentes soviéticos sobre dialética. E alguns comunistas no Brasil cometeram muito esse erro. Havia companheiros aqui que ficavam indignados porque a União Soviética estava fabricando Coca-Cola. Comprou a licença e está fabricando porque a juventude soviética gosta de Coca-Cola, e o turista que visita o país também. A dialética não é assim. O socialismo não é a negação completa do capitalismo. É a superação. É eliminar o mau e aceitar o bom. Toda sociedade, todo o passado histórico, toda humanidade acumulou riquezas, que são utilizadas pelo socialismo. Por que não? Então, essa negação total é que estava errada.

Sidney Rezende — OL, aposentado, do Engenho de Dentro, que diz conhecer bem a sua trajetória, fala que “50 anos depois, o senhor parece um teólogo, dá mais importância à doutrina do que à prática da vida”. O senhor concorda?

Prestes — Não, absolutamente. O marxismo se distingue exatamente pela prática. Não é possível ser marxista sem praticá-lo. Teoricamente, não se forma um marxista. É aí que está a maior dificuldade da aplicação do marxismo à realidade, que é pouco conhecida, em toda parte do mundo. Lênin, com 25 anos de idade, já escrevia, com conhecimento da teoria e da realidade, um livro — não publicado até hoje no Brasil — sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia. Esse livro foi publicado lá em 1899. E ele aplicou o marxismo àquela realidade, com acerto, levando à vitória a Revolução. Durante os sete anos de vida dele depois da vitória, ele soube defender o Estado Soviético, apesar de atacado por 14 nações imperialistas, depois de guerra civil e muitos percalços. Posteriormente é que os erros foram cometidos porque seus sucessores não conheciam a realidade objetiva da época.

Sidney Rezende — O professor LF, de Botafogo, diz que é militante do PCB. Ele fala o seguinte: “Luiz Carlos Prestes não deve ler a Voz da Unidade, ou, se lê, não está sendo correto” — ele usou até uma expressão forte, disse que o senhor estaria “mentindo”. E acrescenta que “o que o PCB propõe é a união de todas as forças para debelar a crise atual, mas o socialismo será construído pela unidade dos trabalhadores. O marxismo do Prestes parou nos anos 20, e o marxismo do PCB é o marxismo atual, da Perestroika”.

Prestes — Eu discordo completamente dessa opinião. O que está escrito nesse documento da Voz da Unidade é a luta pela unidade dos trabalhadores com o Governo do Sr. Sarney e com empresários. Quer dizer, é um capitalismo sem contradições, o que é inviável. O capitalismo gera uma série de contradições. E nem o socialismo é unir trabalhadores, governo e empresários. Esse senhor está completamente equivocado. O que me separou do Partido Comunista foi justamente o fato de eles estarem numa posição anacrônica, aplicando um documento do Sexto Congresso da Internacional Comunista, cujo título está em evidente contradição com a realidade brasileira, como já falei: “Teses para a luta revolucionária dos povos de países coloniais e semicoloniais”. O Brasil conquistou a independência política desde o princípio do século passado. Todos os grandes países da América Latina tornaram—se independente nesta época. Em 1810, a Argentina expulsava o vice-rei espanhol. Pedro I proclamou a independência em 1822, e em seguida trouxe soldados portugueses para o Brasil, mas a 7 de abril de 1831 o Exército brasileiro foi para a rua e mandou D. Pedro I para Portugal. Não aceitou que ficasse aqui no Brasil o imperador que estava querendo recolonizar o país. E então o capitalismo se desenvolveu. Desde o fim do século passado, o Brasil é profundamente capitalista, é a formação econômico-social predominante no país, baseada no lucro do empresário e no salário do trabalhador. Querem negar isso, chamando o Brasil de país colonial e semicolonial. Qual é o objetivo do PCB e do PC do B hoje? E o Lula acompanha isso, porque está lutando pelo mesmo objetivo, o de conquistar um governo capitalista democrático, que vai resolver os problemas do povo. Isso é negação da lei fundamental do capitalismo, que é da concentração do capital. Ora, a grande burguesia brasileira que obtém lucros é aliada dos monopólios. As camadas médias estão se proletarizando aceleradamente.

Sidney Rezende — CR, estudante de Economia, pergunta o que o senhor acha que aconteceria no Brasil se Fernando Collor de Mello fosse eleito. Será que continuaríamos na mesma toada? É, o ouvinte traz uma hipótese, e o Luiz Carlos Prestes não gosta de fazer política com hipóteses...

Prestes — O marxismo não nos dá o dom da profecia. É difícil.

Sidney Rezende — PR, advogado, de Copacabana, pergunta o que o senhor acha de Fidel Castro fazer uma eleição em Cuba. O senhor acha que teremos em breve eleição em Cuba?

Prestes — Ora, mas em Cuba, de quatro em quatro anos, realizam-se eleições. Só O Globo é que nega. O Globo é que diz que não há eleições, chama o Fidel de ditador. Há eleições de quatro em quatro anos, e muito mais livres que no Brasil. As eleições cubanas, como as da União Soviética, são muito mais democráticas, com menos fraude. Quem escolhe os candidatos são as organizações de massa, e não os partidos políticos. São os sindicatos, as associações de mulheres e de jovens que escolhem as listas de candidatos e os apresentam. O voto é secreto. Por que o Fidel é eleito de quatro em quatro anos? Porque o povo tem um grande afeto e uma grande admiração por ele.

Sidney Rezende — O senhor acha que foi politicamente acertado aquele ato de execução sumária dos integrantes de uma quadrilha de tráfico de drogas, alguns deles até heróis da Revolução?

Prestes — Eles foram julgados de acordo com a lei cubana, livremente, e foi um processo até demorado. E foram condenados à morte porque o crime que cometeram realmente atinge a honra do Estado cubano.

Sidney Rezende — Mas foi uma agressão aos direitos humanos, Sr. Prestes.

Prestes — Não. A pena de morte às vezes é uma necessidade, quando se trata de um crime como esse. Um homem que teve todas as honras que o Estado podia conceder e cometeu tal crime... Se a lei garante a pena de morte, por que não aplicá-la?

Sidney Rezende — Será que o senhor não está apenas sendo cauteloso, por estar falando de Cuba, assim como fazia em relação à União Soviética, antes da Glasnost?

Prestes — Não. Eu penso que o crime cometido foi realmente muito grave, muito sério. Se a pena de morte existe em Cuba, está na Constituição daquele país, então ela é aplicada de acordo com a lei.

Sidney Rezende — Mas aí não seria admitir que a lei, se existe, é necessariamente justa ou correta?

Prestes — Eu estava em Cuba quando o país elaborou a sua Constituição. Ela foi feita com a contribuição direta do povo cubano. Milhares de emendas foram apresentadas pelo próprio povo, e uma assembléia democrática, eleita pelo povo, aprovou essa Constituição, incluindo a pena de morte para alguns crimes.

Sidney Rezende — O senhor me permita insistir que nesse tocante nós discordamos, mas é bom esclarecer à opinião pública a sua idéia a respeito do tema. AS, professor, de Botafogo, pergunta quais as condições efetivas de ocorrer no Brasil a reforma agrária?

Prestes — Depende do que se chame de reforma agrária. Recentemente, houve um debate na TV Bandeirantes entre os presidenciáveis. E o Sr. Caiado, com aquele dom da palavra que incontestavelmente possui, conseguiu embrulhar muito a situação. Ninguém soube contestar. Não se trata de direito de propriedade. O mal do Brasil, e que exige uma reforma agrária, é o monopólio de propriedade da terra nas mãos de uma minoria. E o próprio Sr. Collor reconhece. Setenta por cento da terra estão nas mãos de um por cento. Por que eles têm esse privilégio e não exploram essa terra? Eles chamam de “terra improdutiva” , mas exploram apenas 10% da propriedade deles, enquanto isso temos 80% dos trabalhadores do campo no Brasil que não têm um palmo de terra. Isso é um terrível paradoxo. Acabar com esse monopólio é uma necessidade , é uma fatalidade que vai ter que se realizar. Noventa por cento das terras dos latifúndios estão improdutivas, esperando oportunidade para se valorizar, para que os donos possam vendê-las por preços mais altos. Enquanto isso, o povo não tem terra. Confesso que foi isso que me fez comunista. Foi na Marcha da Coluna, através do Brasil, que eu via homens, às vezes de cabelo branco, ajoelhados. Eu ia examinar e lá estavam eles lavrando a terra com uma faquinha de mesa. Eu perguntei a um, uma vez: “Mas o senhor não tem uma enxada?” E o homem respondeu: “Há muitos anos que não vejo uma nota de um mil-réis.” Era o meeiro. Trabalhava na terra alheia, e metade do que produzia tinha que entregar ao dono da propriedade. Daí em diante, tratei de terminar a Marcha da Coluna para poder estudar. É só encontrei explicação para esse fenômeno no marxismo. Vi o monopólio da terra como um mal, que precisa ser eliminado.

Sidney Rezende — O senhor dedica a sua vida à transformação desse país. Em alguns momentos defendeu até uma mudança radical, revolucionária. Pergunto: hoje, grande parte da população vive nos grandes centros urbanos e há um elemento aglutinador que são os meios de comunicação, basicamente a TV. Esse fato não poderá propiciar uma transformação no Brasil, permitindo um pleno entendimento dos problemas brasileiros?

Prestes — A transformação já está se dando. O Brasil de hoje não é o mesmo de há 50 anos. Avançou-se, progrediu-se alguma coisa, ninguém nega isso. Mas a verdade é que o regime social está entrando em contradição com o próprio desenvolvimento do país, negando-o. Olha, eu sou nascido em Porto Alegre, mas desde os seis anos fui educado aqui no Rio de Janeiro. Conheço muito a cidade, e nunca vi tanta miséria aqui como atualmente. Nunca. Temos no Rio mais de um milhar de famílias sem teto, dormindo debaixo dos viadutos. Na rua onde moro, que podemos chamar de aristocrática, arborizada, etc., apaga-se a luz da confeitaria da esquina, vêm dois casais que aproveitam a platibanda de uma casa, botam os jornais na calçada e ali dormem. Um casal tem uma criança de colo, o outro tem dois filhos. E os governantes não se preocupam. É um problema que pode ser imediatamente solucionado: dar um pedaço de teto para eles. O verão e o inverno foram chuvosos. Houve época em que havia dez casais morando na beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. Essa é a realidade brasileira. É a miséria econômica. E esse salário, para que serve? Esse salário mínimo do Sr. Sarney de 120 cruzados novos, de menos de 30 dólares. Na Espanha, o salário mínimo é de 500 dólares, na França, 539, nos Estados Unidos são 800, no Paraguai é maior que o do Brasil. E o que se compra com 30 dólares? Dá para sustentar uma família? Dá para comprar um pacote de chicletes.

Sidney Rezende — Só que o país gera riquezas. Há produção anual bastante grande. Apesar disso, há a dívida externa, tirando mais de 95% do que o país gera...

Prestes — O saldo da balança comercial vai todo para o pagamento dos juros, só dos juros.

Sidney Rezende — Qual a solução? Não pagar a dívida?

Prestes — É a única solução. Um governo que se preze, que se apóie no povo, pode perfeitamente dizer “não podemos pagar”, e está acabado. Não vai acontecer nada. Os burgueses que têm ligações com os monopólios não podem fazer isso porque sabem que então vão ter prejuízo, pois terão suas esmolas negadas. Um governo apoiado no povo pode tomar essa decisão. Hoje, o imperialismo, sozinho, não domina o mundo todo. Existem outras forças, mesmo capitalistas, que se interessam em manter boas relações comerciais com o Brasil, e que não permitirão ao imperialismo qualquer ato desesperado. E o Brasil não é São Domingos, não é um país que eles podem invadir sem conseqüência. Se invadirem, o povo brasileiro saberá responder. Durante a guerra, já se verificou que a peixeira do nordestino vale mais que um fuzil ou metralhadora do soldado americano.

Sidney Rezende — Quanto à sucessão presidencial, que observações o senhor faria a mais para os candidatos?

Prestes — Estamos diante da campanha. Todo patriota deve aproveitar esses três meses de oportunidade de falar para o povo, para lutar pela elevação do nível de consciência política e ideológica de nosso povo, que é muito atrasado. O povo perdeu o hábito de ler. Mesmo aqueles que aprenderam a ler e a escrever nao lêem coisa alguma — até o jornal está caro, o operário não compra mais jornal.

Sidney Rezende — Há até um ouvinte, WM, que acha que os nossos intelectuais “deveriam ensinar ao povo o que é socialismo”. Ele faz um elogio aqui ao senhor e acrescenta que “as informações a respeito do mundo socialista são deturpadas pela burguesia”. Ele pergunta, então, se o senhor acha que se deveria ensinar ao povo o que é socialismo?

Prestes — É o que eu venho procurando fazer. Contato com as massas, com os trabalhadores, para mostrar a eles a necessidade dessa substituição do regime capitalista por um socialista. Isso é que se chama Revolução. Revolução não siginifica aquilo que pensa a Dona Erundina, prefeita de São Paulo, obrigatoriamente luta armada. É possível, mesmo nas condições brasileiras, chegar ao poder com a pressão das massas. Basta compreender o seguinte: todas as empresas de 10, 15, 30 mil operários estão concentradas no Brasil em três cidades: São Paulo, Rio e Belo Horizonte. Formam um triângulo de 400 quilômetros de lado. Agora, imagine essa classe operária organizada — ainda não está — e unida numa mesma central sindical. Nenhum governo resistirá mais do que dois, três dias, se essa massa fizer uma greve geral. As próprias Forças Armadas se dividirão num momento desses. Não podem empregar a força armada contra o povo.

Sidney Rezende — O senhor Umberto Eco disse, certa vez, que escrevia para ser imortal. O senhor tem uma consciência de que está na História do Brasil como um ativista político, um homem que viveu experiências históricas fundamentais?

Prestes — Confesso que isso não me preocupa. O que me preocupa é trabalhar, falar com o povo, contribuir diariamente para a elevação do nível de consciência ideológica e política dos trabalhadores brasileiros. Esse é o meu esforço, desde que cheguei ao Brasil, vai fazer 10 anos em outubro.


Inclusão 24/11/2006
Última alteração 12/06/2013