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A Primeira Revolução Russa fracassou. "Passou o ciclone e tudo ficou como dantes’', dizia um publicista, não recordamos se menchevista da direita ou kadete (naqueles tempos já era difícil distinguir um menchevista da direita e um kadete).
Foi assim, de fato? Ficou tudo, na realidade, "como dantes"?
De todas as ilusões kadetes, a ilusão kadete menchevista que acabamos de citar era mais perigosa para a burguesia.
A primeira consequência geral que se pode tirar da Primeira Revolução é a seguinte: o povo já não tinha medo de se revoltar. Antes, a "revolta" parecia alguma coisa extraordinariamente temível: "se te atreves a levantar a mão contra as autoridades, estas te reduzirão a pó, a cinza". E eis que, levado ao desespero, o povo se decidiu à "revolta". Pagou caro por isso: grande número de seus filhos foi espancado, enforcado, fuzilado, enviado ao presídio. Mas, "não se pode acabar com todos’. A terra não se fendeu para tragar os operários e os camponeses, o fogo celeste não os fulminou. Pelo contrário, o que ficou na memória do povo foi o espetáculo das autoridades acovardadas, escondendo-se em cantos ignorados ou bajulando a multidão. E apesar das autoridades saírem de novo de seus esconderijos e levantarem a cabeça, o povo vencido olhava-as com ar de mofa, pensando: "Espera, espera um pouco e verás", depois do ribombar dos canhões de Dubassov, o povo moscovita — não somente o proletariado — tinha muito menos das autoridades; o povo recebera o "batismo de fogo", e, na guerra, o soldado "batizado" vale por três novatos. Foi o que Protopopov percebeu quando, em fevereiro de 1917, colocou metralhadoras nos telhados de Petrogrado. Antes de 1905, é possível que isso produzisse efeito. Depois desse ano, o povo não se amedrontava mais.
Este "costume de revoltar-se" explica-nos porque a Segunda Revolução se realizou de um modo tão claro, unânime e rápido, como se o povo executasse uma partitura. O coro preparara-se desde 1905.
Assim, pois, o primeiro resultado do aludido ano foi a modificação da psicologia de classe. O "escravo" convertera-se em "rebelde" e não havia mais força humana capaz de transformá-lo novamente em "escravo". Foi, porém, ainda mais profunda a modificação da ideologia das massas. O czarismo ocultara ao povo durante muito tempo a sua verdadeira natureza. Por longo tempo, e frequentemente não sem êxito, apresentava-se como o tutor amoroso de todos os súditos. E havia gente ingênua que cria no pai-czar. Recordemos os sentimentos que animavam o proletariado petrogradense quando se dirigiu ao Palácio de Inverno em 9 de janeiro de 1905. Mas, ao encontrar-se face a face com a revolução, o czarismo teve que tirar a mascara. A imagem feroz do czar dos patrões, do czar dos fazendeiros, do czar dos exploradores, surgiu ante os olhos da multidão. Em princípios de 1905, a massa operária afastava-se quando ouvia o grito "Abaixo a autocracia!". Em fins de 1905 até os camponeses aprenderam a entoar a canção em que se dizia:
"O czar vampiro chupa as veias do país; o czar vampiro bebe o sangue do povo".
Nas eleições da Segunda Duma, todos os operários, sem exceção e, em muitos lugares, os camponeses, davam abertamente o seu voto aos representantes dos partidos revolucionários que, como sabiam perfeitamente, "lutavam contra o czar".
Sob o ponto de vista da organização, a revolução fora esmagada; a lição viera demasiado tarde, porém, seria útil para o futuro.
Mas se os camponeses de 1905-07 estavam preparados para acolher com indiferença a queda dos Romanov em 1917, o divórcio entre os operários e a autocracia era ainda maior. Em 1907 era ridículo falar-se do "monarquismo" dos operários, não era só isto. Os operários rir-se-iam daqueles que lhes assegurassem ter o cura Gapon um "espírito mais amplo" que os social-democratas. Para o proletariado russo, as disputas de princípios de 1905 entre bolchevistas, menchevistas e socialistas-revolucionários eram incompreensíveis e nada mais faziam que desacreditar os contendores. Segundo o talento do agitador, o operário seguia os bolchevistas ou os menchevistas. Mais tarde, em 1907, os operários seguiam uma ou outra tendência em grupos. O setor socialista-revolucionário era o menos considerável. Nas eleições na "cúria" operária, os socialistas-revolucionários seguiam invariavelmente na retaguarda e, em Moscou, por exemplo, não podia ser de outra forma. Seguiam os menchevistas os grupos de operários mais privilegiados, que foram mais sacrificados durante a revolução e, por este motivo, sentiam uma particular inclinação pelo "legalismo". A imensa maioria da massa era bolchevista.(1)
Uma vez escolhido o seu partido, os operários perseveravam nele. Nas vésperas ou nos primórdios da revolução, criaram-se "facções"; mas a tentativa, realizada em 1909 para organizar uma nova "facção" no bolchevismo, não encontrou apoio algum na massa. A classe operária compreendeu instintivamente a impossibilidade de haver mais de um partido operário e que a revolução só podia triunfar sob uma única direção.
Podemos formar uma ideia da importância disto se observarmos o movimento operário da Europa ocidental de nossos dias. No Ocidente, gera-se dolorosamente, agora, este partido operário revolucionário único que na Rússia se formou em 1907. A precocidade política do proletariado russo foi, precisamente, fruto dessa primeira ação fracassada. Conclui-se que mesmo as revoluções fracassadas são as "locomotivas da História".
Mesmo para esse partido operário, 1905 foi uma utilíssima lição. Os bolchevistas já sabiam, antes da revolução, o que deviam fazer, mas não como fazer. Parecia suficiente "proclamar" o armamento geral do povo para surgir do ventre da terra um exército disposto a lutar contra o inimigo. Depois de dezembro de 1905 apreciamos o valor das palavras de Marx: a revolução é uma arte; compreendemos, pela experiência melhor que pelos livros, que a revolução tem a sua estratégia e a sua tática nada inferiores à estratégia e à tática militares e que, sem possuir esta ciência militar, é impossível obter resultado satisfatório. 1917 provou que a lição não fora inútil: não se repetiram nenhum dos erros de 1905.
Com os seus resultados objetivos, o fracasso de 1905 predeterminou toda a marcha ulterior da História russa. Como, na Rússia, os resíduos do feudalismo não desempenhavam diretamente o papel que desempenharam na França em 1789, o aumento do mercado interno e o desenvolvimento ulterior do capitalismo industrial dependiam do êxito da revolução agrária. Só a passagem às mãos dos camponeses do imenso fundo agrário, que até então servira de meio de exploração, podia criar uma base sólida para o desenvolvimento posterior da indústria. O fracasso, neste sentido, reduzia inevitavelmente o mercado interno e obrigava fatalmente o capital a procurar mercados externos. O imperialismo prematuro da burguesia russa explica-se, antes de mais nada, pelo fracasso da Primeira Revolução Russa. A burguesia de nosso país não necessitaria de nenhum Dardanelos se, diante dela, se encontrasse um camponês com terras novamente adquiridas e preços "firmes" do trigo no mercado mundial. Esses "preços" firmes foram suficientes para determinar um período de prosperidade sem precedentes, como o que a indústria russa atravessou depois de 1909. Qual teria sido a situação se, por hipótese, as terras dos camponeses aumentassem vez e meia?
O ciclone não se deteve num lugar, pois levava uma direção determinada; impulsionou a massa popular russa para a esquerda e arrojou, finalmente, para além das fronteiras do país, os "valentes" de 1905. Jamais Nêmesis voara com tanta rapidez como na Rússia do século XX, dando a impressão de que essa deusa se servira do aeroplano. Em outros séculos e em outros lugares, os homens esperaram, durante gerações, a vingança das violências de que tinham sido vítimas; em nosso país, o crime e a expiação processaram-se aos olhos de uma só geração.
Notas de rodapé:
(1) No Congresso do Partido, em Londres, no ano de 1907, os menchevistas tiveram uma considerável maioria devido ao apoio da pequena burguesia do ocidente da Rússia (Bund) e do Cáucaso. A sua representação puramente proletária era insignificante em comparação com a dos bolchevistas. (N. do A.). (retornar ao texto)
Inclusão | 20/01/2015 |