MFA e Revolução Socialista

César Oliveira


CAPITULO III
DEMOCRACIA BURGUESA OU TRANSIÇÃO PARA O SOCIALISMO?

A ACTUALIDADE DA REVOLUÇÃO SOCIALISTA E OS OBSTÁCULOS PREVISÍVEIS


capa

«O marxismo obriga-nos a ter em conta o mais exacta e objectivamente possível as relações de classe e as particularidades concretas de cada momento da história. Nós, bolcheviques, temo-nos sempre esforçado por permanecer fiéis a esta regra absolutamente indispensável em ordem a uma política fundamentada cientificamente.»
LENINE, «Cartas sobre táctica», Abril de 1917

1. No texto anterior falámos da transição para o socialismo nos actuais condições concretas da sociedade portuguesa. Sem prejuízo de retomar os temas fundamentais tratados nesse ensaio em ordem ao seu aprofundamento e discussão pública parece particularmente importante tentar descortinar, no panorama político português, os eventuais obstáculos à revolução socialista em Portugal.

2. Se bem que no texto anterior não tivesse ficado claramente explicitado o facto é que a fase de transição para o socialismo significa, no contexto exacto da sociedade portuguesa actual, o acelerar da criação de condições para a destruição do capitalismo.

A revolução socialista é um processo que se gera na própria sociedade classista e será tanto mais acelerado, tanto mais desenvolvido quanto melhores forem as condições objectivas (desenvolvimento das forças produtivas e períodos de crise da dominação económica, política e ideológica do bloco social dominante) e subjectivas (consciência de classe, organização do proletariado e seus aliados).

Pensar que a fase de transição para o socialismo definida quer como aprofundamento da crise de dominação da burguesia capitalista — o que implica o progressivo enfraquecimento do poder económico das classes possidentes e impedir a sua recuperação política nos centros de poder e no aparelho de Estado — quer como condição para a criação de contrapoderes populares entendidos como instrumentos de massas anticapitalistas e alternativo à burguesia, não constitui objectivo político fundamental da actual fase da luta de classes em Portugal, acaba por ser uma posição que redunda objectivamente, na criação de condições para a viabilidade efectiva de soluções autoritárias com fachada democrática ou até se estas não forem suficientes, para soluções neofascistas.

3. Quer se queira quer não (e as aspirações irrealistas e utópicas são normalmente apanágio de intelectuais, frustrados por não saberem ser revolucionários consequentes), sem a unidade das forças políticas de esquerda que lutam pelo socialismo e sem claros e concretos objectivos de luta, capazes de dar corpo a um poderoso movimento de massas anticapitalista, cada vez mais se tornará impossível o acelerar da formação de condições para a tomada do poder pelos trabalhadores.

É óbvio que não pode haver movimento de massas sem objectivos de luta, e, estes, são naturalmente correspondentes quer às necessidades concretas das populações trabalhadoras quer à exigência, no processo revolucionário português, do enfraquecimento da burguesia capitalista. Os trabalhadores não poderão pagar a crise da exploração capitalista em Portugal, mas para isso torna-se imperioso definir, de modo claramente perceptível pelas massas exploradas, os objectivos de uma política antimonopolista consequente que faça avançar medidas concretas anticapitalistas contra a burguesia; torna-se imperioso operar reformas imediatas nos sectores mais directamente ligados às condições de vida e trabalho dos trabalhadores, ou seja na saúde, na habitação, no urbanismo, nos transportes, na segurança social, no controlo operário nas empresas, etc., etc.

Todos os movimentos de massas se estruturam em ordem à conquista de alguma coisa de positivo à burguesia e, por conseguinte, essa conquista realiza-se na presença dos próprios instrumentos organizativos do movimento de massas, da capacidade de oposição e resistência da burguesia e da natureza do poder político. Por isso um movimento de massas anticapitalista não pode dotar-se de objectivos utópicos ou vazios de conteúdo ou situados além dos limites consentidos pela correlação de forças num dado momento concreto, isto é, os objectivos da luta não poderão definir-se para além da capacidade de luta permitida pela organização do próprio movimento de massas e pela consciência de classe e para além da correlação de forças de classe.

A unidade das forças de esquerda é por outro lado indispensável quer para impedir a recuperação do poder político pela burguesia (mantendo e agravando assim a sua crise de dominação política aberta pelo 25 de Abril e reforçada pelo 28 de Setembro) quer para permitir o avanço do movimento de massas e a exequibilidade dos seus objectivos, quer ainda para permitir a transformação progressiva do aparelho de Estado burguês pela articulação de uma descentralização administrativa eficiente com os contrapoderes populares gerados pelo próprio movimento de massas.

O lucro da desunião das forças de esquerda com implantação real nas massas populares (proletariado, trabalhadores de serviços e pequena burguesia) ou permitirá a reconversão do capitalismo (CDS e PPD), necessariamente apoiada num regime autoritário de fachada democrática, ou abre passo a aventuras militaristas de esquerda sem um projecto revolucionário consequente; um projecto revolucionário consequente medir-se-á pois pela correcta avaliação das forças de classe existentes neste momento em Portugal, pelo adequado aproveitamento da crise económica da exploração capitalista, pelo aproveitamento máximo das contradições no poder político e nos aparelhos de Estado, pela definição de objectivos tácticos que possam fortalecer (e não desmobilizar e enfraquecer) a posição de classe dos trabalhadores portugueses face à burguesia capitalista.

Sem um projecto revolucionário, fundado numa teoria revolucionária imbricada nas realidades concretas da sociedade portuguesa e nas formações políticas capazes de o levarem por diante, a evolução da crise global da sociedade portuguesa conduzirá ao retardar do processo de revolução socialista.

4. A revolução socialista, entendida como um processo concreto com fases, objectivos tácticos definidos, alianças sociais necessárias e compromissos políticos (entre forças políticas da esquerda não social- -democrata) a concretizar tem, em Portugal, uma extrema actualidade.

A revolução socialista é actual porque:

  1. a sociedade portuguesa saiu simultaneamente do fascismo e do colonialismo num momento em que a crise da dependente e subalterna burguesia portuguesa se agravava no contexto da crise mundial do capitalismo; a democracia burguesa não pode satisfazer nem as exigências de estabilidade do bloco dominante, nem boa parte das reivindicações populares.
  2. Há em Portugal um M. F. A, vanguarda organizada das F. A., que tem sabido encontrar, superando as suas próprias contradições internas, soluções progressistas para a crise política da dominação burguesa. As F. A. não são em Portugal, nem serão a curto e médio prazo, o braço armado da burguesia e o sustentáculo principal do aparelho de Estado da burguesia; o M. F. A., centro decisivo do poder político, é, como por mais de uma vez se provou, uma realidade aberta a soluções políticas de claro sentido socialista. Em nenhum momento da história recente houve Forças Armadas como as que existem em Portugal e em clara comunhão de esforços com as forças de esquerda mais significativas. (Ver Alain Joxe in «Politique Hebdo», semana de 14/21 Dezembro de 1974).
  3. Há uma desorganização relativa das forças de direita onde apenas o CDS tem tido actividade assinalável. O PPD logo que se comprometa claramente com tentativas ou soluções direitistas perderá, necessariamente, a força que tem granjeado nos últimos meses. De resto, a sua potencial importância política só cabe em soluções, mais ou menos definíveis, nos quadros da democracia burguesa.
  4. São claramente hegemónicas as forças políticas de esquerda quer no quadro das forças políticas quer no aparelho de Estado, nos meios de comunicação, nos diversos aparelhos ideológicos.
  5. A descolonização rápida (resposta magnificamente concretizada pelo M. F. A. e pela capacidade dos movimentos de libertação a todos os guardiões da pureza revolucionária) foi um empate de capital decisivo no sentido de conquistar apoios internacionais fora do círculo fechado e envolvente das dependências habituais do nosso país, podendo pois fornecer uma boa base para subtrair Portugal ao jogo dos grandes blocos mundiais.
  6. Há possibilidades de construir, pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas e pela possível hegemonia dos trabalhadores assalariados sobre a pequena burguesia, um projecto revolucionário adequado às condições concretas da realidade portuguesa e que, necessariamente, não caberá em nenhum dos modelos revolucionários que se verificaram até hoje.

A crise global de dominação burguesa, colocou às forças de esquerda e nomeadamente aquelas que estão descomprometidas com transposições mecânicas ou com estratégias internacionais ou com cópias simplistas de modelos e no geral a todos os revolucionários um dilema real: ou se permite a recuperação da burguesia da sua própria crise económica e política, implicando soluções autoritárias ou fascistizantes ou se avança num projecto revolucionário consequente que acelere simultaneamente o enfraquecimento socio-político do bloco social dominante e as condições para a tomada do poder pelos trabalhadores e a construção do socialismo.

Para ser possível o segundo termo desta alternativa é imperioso remover, tão rapidamente quanto possível, do horizonte político quatro obstáculos: as tentações neo-anarco-sindicalistas, o «golpismo» reformista de esquerda, a desorientação económica e ideológica da pequena burguesia, o desemprego e situações de miséria generalizadas da população assalariada.

5. O neo-anarco-sindicalismo não tendo as virtudes que aquele que, organizado até 1926 em torno da C. G. T., chegou a possuir entre nós, tem todavia os vícios e os preconceitos do anarco-sindicalismo histórico agravados no contexto do presente.

O neo-anarco-sindicalismo que muitas vezes nos surge disfarçado em vestes que, no plano teórico, nada tem a ver com ele, está instalado sobretudo na prática política de algumas organizações da esquerda não-reformista e tem-se sobretudo manifestado em algumas lutas não inseridas numa perspectivação política global e numa táctica política de alianças altamente oscilante, imediatista, sem objectivos tácticos definidos e sem uma perspectiva estratégica adequada à sociedade portuguesa.

Eivada de obreirismo, esta posição pretende-se construir como capaz de proporcionar uma alternativa global à sociedade capitalista, bastando, para o seu advento, uma luta de massas centrada na instância económica —daí o seu economicismo direitista— susceptível de criar contrapoderes populares (a partir dos locais de trabalho e habitação).

Recusando-se a questão do poder político e do domínio do aparelho de Estado, tal posição permanece num continuado atentismo obreirista pois, no seu horizonte, está a perspectiva de que um poderoso movimento de massas e estruturado por contrapoderes receba, de um momento para o outro, o poder quando a crise de dominação da burguesia tiver atingido o seu limite e saturação. A luta de massas acaba por se confundir com a acção directa do anarco-sindicalismo histórico e traduz o afrontar directo e permanente do patronato e do poder político (que é sempre identificado ao poder económico, mesmo que, como é o caso agora em Portugal, tal identificação seja apenas muito parcial).

Este neo-anarco-sindicalismo, obreirista e economicista, repousa no fundo numa visão parcelar do processo revolucionário, pois que para ele não é nunca possível instrumentalizar o poder político à luta de massas, aproveitar, em ordem a uma linha proletária, as contradições no aparelho de Estado, propor objectivos tácticos, conquistar posições políticas irreversíveis. A luta de massas, para esta posição, faz-se fundamentalmente no terreno da luta económica e, como se mostra incapaz de definir objectivos de luta com um conteúdo concreto e exequível pelo seu horror à luta na instância político-ideológica, redunda na sectorização e parcelização das lutas, na recusa em fazer repercutir no poder político e no aparelho de Estado a dinâmica do próprio movimento de massas. No fundo, é a luta de massas pela luta de massas, a crise pela crise, a incapacidade de articular a luta económica com a luta política e com a luta social, a incapacidade de inserir o movimento de massas anticapitalista num projecto revolucionário alternativo à dominação burguesa e ao reformismo e que possa, a cada momento e fase da luta de classes, fazer uma síntese política de que resulte um correcto aproveitamento das potencialidades globais do actual momento político português.

O neo-anarco-sindicalismo conduzirá assim, inexoravelmente, ou à desagregação das potencialidades reais do movimento revolucionário das massas trabalhadoras (por incapacidade de propor objectivos concretos e etapas tácticas) ou na muleta esquerdista do «golpismo» reformista de esquerda.

O neo-anarco-sindicalismo aproxima-se por outro lado, pelas razões atrás expostas, da táctica esquerdista pois parte de uma leitura falsa e truncada da realidade actual da sociedade portuguesa e da correlação das forças de classe em luta. Se o sistema (o conjunto de relações de produção produzidas pelo capitalismo) se mantém e o poder político é sua expressão, e os seus detentores são também a expressão do domínio burguês e, portanto, devem ser combatidos como inimigos de classe, nada, portanto, haverá a fazer na instância política e no aparelho de Estado. Para o neo-anarco-sindicalismo o poder político nunca é autónomo do poder económico e nunca é possível de crises susceptíveis de agravar, pela sua correcta exploração, a crise de dominação da burguesia. No fundo, a expressão esquerdista, ao nível político, assumida pelo neo-anarco-sindicalismo em Portugal reflecte o economicismo de que pretende revestir a luta de massas e é uma táctica de resistência que não comporta a ofensiva global, adequada e revolucionária, a totalidade da sociedade capitalista. Para o neo-anarco-sindicalismo a evolução socialista não tem etapas, estádios, objectivos intermédios mobilizadores do movimento de massas e alianças políticas consequentes, pois o poder conquistado à burguesia de uma vez por todas, quando os «contrapoderes» (criados apenas no papel e na cabeça de intelectuais, que transpõem mecanicamente a luta na universidade para a luta na sociedade capitalista em geral) criarem, como coisa fatal e acto único, a inevitabilidade da derrocada do poder político da burguesia.

Como economicismo direitista, o neo-anarco-sindicalismo, é um fatalismo fundado numa teoria apocalíptica da tomada do poder.

No entanto, o espontaneismo e o basismo acéfalo de que também se reveste o neo-anarco-socialismo é susceptível de trair grande parte dos pequenos burgueses que, impotentes para se implantarem nas massas para proporem objectivos claros, realistas e exequíveis, capazes de gerar um movimento de massas que se supere após cada momento de luta, tendem sempre a práticas organizativas estalinistas, pois também eles são os verdadeiros donos da pureza revolucionária e dos segredos da luta de massas e os aparelhos partidários são condição da sua sobrevivência.

O neo-anarco-sindicalismo pode ser pois um factor negativo para a revolução socialista, caso venha a iludir certos sectores operários e sindicais a quem o reformismo nada tem oferecido.

6. O «golpismo» reformista de esquerda nasce de uma dupla constatação; por um lado, da impossibilidade da democracia burguesa o que implica o abandono dos projectos gradualistas de democracia avançada nos quadros da legalidade burguesa; por outro de eventual vitória eleitoral das sociais-democracias que, com o apoio da Europa Setentrional, poderia levar a uma gestão avançada do capitalismo que, no entanto, excluiria a democracia avançada, dada a debilidade da burguesia nacional.

O «golpismo» reformista de esquerda, aflorado já numa ou noutra manifestação epidérmica dos últimos meses, joga numa via peruana como solução política para a crise em Portugal em que o «militarismo» seria mitigado pelo domínio no aparelho de Estado do reformismo civil.

O capitalismo de Estado que sairia, como solução necessária, do golpismo reformista de esquerda estruturaria um modelo pseudo-socialista burocratizado, onde as massas populares teriam um papel altamente secundário e seriam inexoravelmente submetidas ao reforço e centralização do aparelho de Estado.

Os eventuais apelos que o golpismo reformista de esquerda poderá encontrar em outros sectores do M. F. A. necessitariam, porém, para se tornarem politicamente viáveis, quer de muletas políticas à direita (está criada) quer de uma muleta de feição esquerdista, mas desmiolada, que, garantindo uma e outra o leque político conveniente, seriam progressivamente manipuladas até à sua decapitação final.

A perspectiva de um poder revolucionário, fase final de uma via portuguesa para o socialismo que desse corpo a uma verdadeira democracia operária capaz de construir a sociedade sem classes (o comunismo) está portanto condenada se for possível o golpismo reformista de esquerda. O monolitismo, a estatização burocrática de todas as actividades, a destruição da capacidade criadora do proletariado e das massas populares, seriam pois as notas dominantes do capitalismo de Estado de fachada socialista que a vitória do golpismo reformista de esquerda acarretaria.

Só a unidade de todas as forças de esquerda que lutam pelo socialismo pode criar uma alternativa simultânea às soluções autoritárias de direita com fachada democrática e ao capitalismo de Estado com fachada socialista. Só a unidade revolucionária da esquerda pode gerar um projecto político que, agravando a crise de dominação da burguesia capitalista em Portugal, aproveite o feixe de contradições em aberto no sentido de uma solução global de acordo com a actual correlação de forças, mas que institucionalize e dinamize um movimento de massas anti- capitalista e antiburguês a um tempo económico, social, político e ideológico. Mas a unidade revolucionária da esquerda não social-democrata envolve o acordo e o compromisso rigoroso quanto a medidas imediatas e concretas em claro favor dos trabalhadores, quanto ao eventual adiamento das eleições — que só assim ganharia significado, quanto à fórmula política a consolidar. A unidade revolucionária da esquerda é, por outro lado, a garantia da unidade entre as massas populares e o M. F. A., mas unidade em movimento, ou seja, unidade para a construção do socialismo.

A unidade de esquerda seria também, se se atender à correlação de forças, a garantia da coesão do M. F. A. onde, ao que parece, poderão existir outras alternativas para além das tentações «peruanas» ou da democracia formal.

A actualidade da revolução socialista exige assim o afastamento da possibilidade do golpismo reformista de esquerda.

7. O agravar da crise económica reforçada pela recusa do capital financeiro em apoiar a precaridade e transitoriedade do actual poder político, a alta do custo de vida, o processo de inflação galopante, a possível dependência financeira, a muito curto prazo, do imperialismo, e o desemprego de milhares de trabalhadores, podem criar toda uma situação de crise económica e política cujo grau de agravamento, na ausência de um projecto revolucionário em marcha e claramente explicitado às massas trabalhadoras, será susceptível de tornar viável o triunfo de soluções messiânicas, fundadas em homens providenciais... (o general Spínola está na reserva da República esperando uma hora que poderá chegar).

O desemprego maciço, o agravamento das condições de vida, a pauperização das camadas populares, a desorientação da pequena burguesia que não se vê apoiada nem pelo grande capital nem por um projecto revolucionário do proletariado que dê um destino à sua própria crise, são factores que sempre conduziram, nas sociedades contemporâneas, a soluções políticas fascistizantes. Esta possibilidade em Portugal será tanto mais real quanto menores forem as possibilidades quer da democracia burguesa quer da unidade da esquerda cimentada por um projecto revolucionário. No primeiro caso porque a estabilidade política das classes dominantes exigirá uma solução pró-fascista, dado que nem o PPD nem o CDS serem governo viável. No segundo caso porque a ausência de um projecto revolucionário que unifique a esquerda por intermédio de objectivos tácticos realizáveis e claramente definidos fará perder «actualidade» à revolução socialista e, assim, facilitará as manobras de extrema-direita que poderá sempre utilizar o aparelho político do CDS e os militares reaccionários não-saneados.

Historicamente, a Itália de 22, a Alemanha de 33, Portugal de 1926/30, o Brasil recente, a Espanha de Primo de Rivera, a Grécia de 67, são exemplos típicos onde uma situação de miséria generalizada e de desemprego, com uma pequena burguesia importante politicamente e desorientada produziu soluções fascistas. Esta solução não revestirá, originariamente, tal forma em Portugal, mas conterá, necessariamente, o carisma de um salvador da pátria, a providencialidade de um qualquer messianismo que andará muito perto do fascismo. De resto, o fascismo, produto típico da pequena burguesia, começou sempre pelo ataque formal ao capital e acabou sempre por se transformar na ditadura terrorista do grande capital sobre os trabalhadores. Com fome, sem consciência de classe, desempregados, sem um projecto revolucionário que corresponda exactamente às suas aspirações concretas, os trabalhadores assalariados portugueses poderão ser, a curto prazo, hegemonizados por soluções políticas típicas da pequena burguesia desesperada e com nítido pendor fascista.


Inclusão: 23/05/2020