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Primeira Edição: A nota do PTB sobre o falecimento de Ludo Martens está disponível em francês em: http://www.ptb.be/nieuws/artikel/en-memoire-de-ludo-martens-1946-2011.html
Fonte: Para a História do Socialismo
Tradução: Tradução do inglês (cotejado com a versão em castelhano) por CN, 18.04.2012.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo
Ludo Martens faleceu no domingo, 5 de Junho de 2011, após prolongada doença, segundo informou o Bureau do Partido do Trabalho da Bélgica.
Nascido a 24 de Março de 1946, no pequeno município belga de Wingene, na Flandres Ocidental, Ludo Martens foi um destacado dirigente comunista, jornalista, escritor e historiador conhecido nos vários continentes. Legou-nos uma importante obra sobre o movimento de libertação congolês, de denúncia do imperialismo e do neocolonialismo em África, mas é como estudioso e historiador da revolução soviética que realiza um trabalho percursor, essencial para a desmontagem e refutação dos mitos e falsificações sobre a história da construção do socialismo na URSS, para a análise das causas da sua derrota e para o desmascaramento e combate ao revisionismo moderno.
Filho primogénito de um fabricante de móveis, cedo revelou talento para as letras, tornando-se redactor principal do jornal da sua escola, escrito em holandês-padrão. Envolve-se no movimento estudantil quando ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade de Louvain, em 1965, de onde vem a ser expulso pelas suas posições progressistas e internacionalistas. Participante activo na contestação estudantil de Maio de 1968, descobre as obras de Marx e de Lénine junto de estudantes alemães em Berlim. O livro Que Fazer? impele-o a propugnar uma frente unida de estudantes e trabalhadores para lutar contra as injustiças. Já na Universidade de Gand, prossegue a sua actividade política, fundando, no final dos anos 60, sob a influência da corrente maoísta, a organização Alle macht aan de arbeiders, AMADA (Todo o Poder aos Trabalhadores), e o jornal Solidaire. Dez anos mais tarde, a AMADA transformar-se-á no Partido do Trabalho da Bélgica, do qual foi presidente até 2007, mantendo-se o jornal como seu órgão central.
Como assinala o comunicado do Bureau do PTB,
«durante os anos 60, os jovens fundadores do PTB assistiram à erosão progressiva dos princípios marxistas na União Soviética. Viram o regime afastar-se do povo e outorgar-se privilégios crescentes. Viram a solidariedade internacional evaporar-se em benefício de uma política de conciliação com o imperialismo. O revisionismo do Partido Comunista da União Soviética era fustigado e isso desembocou com frequência em vivos debates com o Partido Comunista Belga. Sob a influência da China, fomos mesmo ao ponto de pretender que a União Soviética tinha irremediavelmente enveredado pela má via e adoptado um comportamento imperialista. Assim que, em meados dos anos 80, em Moscovo, se lançou o debate, Ludo não hesitou em reexaminar de maneira crítica as ideias do partido. Continuou a criticar o imobilismo do sistema e a erosão dos princípios, mas propôs uma análise da realidade mais matizada, que não se limitava a uma análise simplista ou esquerdista.»
Esta disponibilidade para a crítica e a autocrítica, para admitir os próprios erros e aprender com eles corrigindo-os, é patente no livro A URSS e a Contra-revolução de Veludo (1991), no qual Ludo Martens analisa com prodigalidade — praticamente em tempo real e mesmo com antecipação — o derrubamento, um atrás do outro, dos regimes socialistas no Centro e Leste Europeu e na URSS. Procura compreender as causas desta derrocada e prevê as consequências catastróficas da restauração do capitalismo para os povos do bloco socialista e para todo o movimento operário mundial.
Três anos depois publica o seu mais célebre livro, no qual se propõe, como refere no prefácio,
«abordar frontalmente os ataques contra “Stáline a que estamos mais habituados: o “testamento de Lénine”, a colectivização imposta, a burocracia sufocante, o extermínio da velha guarda bolchevique, as grandes depurações, a industrialização forçada, a coligação de “Stáline com Hitler, a sua incompetência na guerra, etc.»
Um Outro Olhar sobre Stáline (1994), reconstituindo a colossal dimensão histórica do líder soviético, é sobretudo uma reflexão profunda sobre o revisionismo que emergiu no XX Congresso do PCUS (1956) e alastrou, dividindo e devastando, ao conjunto do movimento comunista internacional. Como afirma o autor na introdução desta obra,
«o revisionismo introduzido na União Soviética por Khruchov há 35 anos (...) levou ao afundamento do sistema político, à capitulação diante do imperialismo, à catástrofe económica».
Esta visão, na altura mal compreendida por grande parte dos comunistas, é hoje partilhada e aprofundada por um número crescente de investigadores e militantes revolucionários marxistas-leninistas. E foi em torno dela que Ludo Martens procurou contribuir para o reforço da unidade do movimento comunista internacional organizando, a partir de 1992, o Seminário Comunista Internacional de Bruxelas.
Em vários textos notáveis, Ludo Martens não hesita em submeter a uma severa crítica as concepções maoístas erróneas defendidas pelo seu partido no passado. A este propósito cabe recordar uma passagem do seu relatório «Sobre alguns aspectos da luta contra o revisionismo - pela unidade dos comunistas, pela defesa do internacionalismo proletário», apresentado em Março de 1995, no seminário internacional realizado na Índia:
«É importante voltar a estes erros nas obras de Mao Tsé-Tung porque eles exerceram uma grande influência no jovem movimento marxista-leninista que se desenvolveu na Europa a partir de 1963. Este movimento foi marcado pelas ideologias pequeno-burguesas, cuja característica comum era o anti-stalinismo. As posições de Mao Tsé-Tung que discutimos facilitaram uma interpretação do “maoísmo” como uma nova teoria oposta ao stalinismo e logo ao leninismo. O nosso partido defendeu sempre as posições expressas no texto do PCC “A Questão de “Stáline”. Mas na realidade o estudo das obras e da prática de Stáline foi negligenciado, isto é, francamente abandonado. Sabemos que o PCC afirmou a partir de 1966: “O camarada Mao Tsé-Tung desenvolveu o marxismo-leninismo de forma genial, criadora em todos os domínios; ele fê-lo aceder a uma etapa superior, completamente nova.” No nosso partido generalizou-se a convicção de que, “em todos os domínios”, as ideias de Mao Tsé-Tung eram “superiores” às de Stáline ou até às de Lénine. Não se considerou necessário efectuar um estudo para mostrar em que matérias precisamente Mao Tsé-Tung tinha produzido um enriquecimento real da teoria marxista-leninista.»
A partir de 1997, após o derrubamento da ditadura de Mobutu, Ludo Martens passa a maior parte do seu tempo na República Democrática do Congo, onde apoia a revolução liderada por Laurent Désiré Kabila. A direcção do partido é então assegurada por Nadine Rosa-Rosso, secretária-geral entre 1999 e 2003, depois substituída por um órgão colectivo composto por Baudouin Deckers, Lydie Neufcourt e Peter Mertens. Este último assumirá a presidência do PTB a partir de 2008.
No Congo, onde passará os últimos dez anos de vida activa, Ludo Martens entrega-se à tarefa de escrever a história da antiga colónia belga e da luta do seu povo pela conquista da independência e da liberdade: «É necessário devolver a história aos que a fazem». Este havia sido já o objectivo dos seus livros Pierre Mulele ou la seconde vie de Patrice Lumumba (1985), Sankara, Compaoré et la révolution burkinabé (1989), Abo: Une femme du Congo (1992).
Em 2002, publica o primeiro volumoso tomo de Kabila et la révolution congolaise: panafricanisme ou néocolonialisme?. Entretanto, a doença intromete-se, não lhe permitindo concluir o segundo tomo desta obra sobre o movimento revolucionário congolês.
O desaparecimento de Ludo Martens constitui uma grande perda irreparável para o movimento comunista internacional. Fica-nos o seu exemplo de lutador abnegado e de intelectual corajoso, dotado de uma extraordinária capacidade analítica, cuja obra permanecerá uma referência fundamental e uma preciosa fonte de ensinamentos para todos os que lutam pela transformação socialista da sociedade.
| Inclusão | 19/04/2015 |