Um Outro Olhar Sobre Stáline

Ludo Martens


Introdução - A actualidade de Stáline

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A 20 de Agosto de 1991, o eco do extravagante golpe de Estado de Iánnaiev ressoou através do mundo como o prelúdio dissonante da liquidação dos últimos vestígios do comunismo na União Soviética. Estátuas de Lénine foram demolidas e as suas ideias denunciadas. Este acontecimento provocou numerosos debates no seio do movimento comunista.

Alguns disseram que se produziu de forma totalmente inesperada.

Em Abril de 1991 publicámos o livro A URSS e a Contra-Revolução de Veludo,(1) que aborda essencialmente a evolução política da URSS e da Europa Oriental depois de 1956. Após o golpe de Estado profissional de Iéltsine e a sua proclamação vociferada do restabelecimento do capitalismo, não temos nada a alterar ao que escrevemos.

Com efeito, as últimas escaramuças confusas entre Iánnaiev, Gorbatchov e Iéltsine não foram senão as convulsões de um sistema moribundo, exteriorizações de decisões tomadas quando do XXVIII Congresso, em Julho de 1990. «Este congresso», escrevemos na altura, «afirma nitidamente a ruptura com o socialismo e a passagem à economia capitalista».(2)

Uma análise marxista das subversões ocorridas na URSS tinha conduzido, já no final de 1989, à seguinte conclusão:

«Gorbatchov prega a revolução lenta, progressiva mas sistemática para a restauração capitalista. Encostado à parede, procura cada vez mais apoios, tanto políticos como económicos, no mundo imperialista. Em troca, permite aos ocidentais fazerem praticamente tudo o que querem na União Soviética.»(3)

Um ano mais tarde, no final de 1990, pudemos concluir a nossa análise nos seguintes termos:

«Depois de 1985, vaga após vaga, a direita atacou e, a cada nova etapa, Gorbatchov deixou-se levar mais longe para a direita. Frente à agressividade redobrada dos nacionalistas e dos fascistas, protegidos por Iéltsine, não é impossível que Gorbatchov escolha recuar de novo. Tal provocará sem dúvida a erosão tanto do Partido Comunista como da União Soviética.(4)

«A balcanização de África e do mundo árabe assegurou as condições ideais para o domínio imperialista. Os espíritos mais imaginativos do Ocidente começam a sonhar com a sujeição económica epolítica da URSS depois da restauração do capitalismo.»(5)

Recordamos propositadamente estas conclusões, às quais muitos marxistas-leninistas chegaram em 1989 e 1990. Com efeito, a dinamitação das estátuas de Lénine foi acompanhada de uma explosão de propaganda clamando a derrota do marxismo-leninismo. No entanto, provou-se que a análise marxista é no fundo a única válida, a única que permite descobrir as forças sociais reais que operam por detrás das palavras de ordem demagógicas de «democracia e liberdade», «glasnost e perestróika».

Em 1956, durante a contra-revolução sangrenta na Hungria, estátuas de Stáline foram destruídas; 35 anos mais tarde, estátuas de Lénine foram reduzidas a pó. O derrube das estátuas de Stáline e de Lénine marca os dois pontos de ruptura com o marxismo. Em 1956, Khruchov atacou a obra de Stáline para alterar a linha fundamental da direcção do Partido Comunista. A degenerescência progressiva que se seguiu do sistema político e económico conduziu à ruptura definitiva com o socialismo, ruptura consumada em 1990 por Gorbatchov.

Sabemos que os media nos entretêm todos os dias com a derrota definitiva do comunismo no mundo. Mas devemos sublinhar que, se há derrota na União Soviética, ela é a derrota do revisionismo introduzido na União Soviética por Khruchov há 35 anos. Este revisionismo levou ao afundamento do sistema político, à capitulação diante do imperialismo, à catástrofe económica. A erupção actual do capitalismo selvagem e do fascismo na URSS mostra bem ao que conduz no fim de contas a rejeição dos princípios revolucionários do marxismo-leninismo.

Durante 35 anos os revisionistas empenharam-se em derrotar Stáline. Uma vez Stáline derrotado, Lénine foi liquidado num golpe de mão. Khruchov encarniçou-se contra Stáline. Gorbatchov sucedeu-o, conduzindo ao longo dos cinco anos da sua glasnost uma verdadeira cruzada contra o stalinismo. Alguém terá reparado que a desmontagem das estátuas de Lénine não foi precedida de uma campanha política contra a sua obra? A campanha contra Stáline foi suficiente. Uma vez atacadas, denegridas e demolidas todas as ideias políticas de Stáline constatámos, simplesmente, que se tinha posto fim no mesmo momento às ideias de Lénine.

Khruchov começou sua obra destruidora afirmando que criticava os erros de Stáline com o objectivo de «restabelecer o leninismo na sua pureza original» e aperfeiçoar o sistema comunista. Gorbatchov fez as mesmas promessas demagógicas para desorientar as forças de esquerda. Hoje devemos reconhecer a evidência: sob o pretexto de «retornar a Lénine», fizeram regressar o tsar; sob o pretexto de «aperfeiçoar o comunismo», ressuscitaram o capitalismo selvagem.

A maioria das pessoas de esquerda leu algumas obras consagradas às actividades da CIA e dos serviços secretos ocidentais. Sabem que a guerra psicológica e política é um ramo à parte e extremamente importante da guerra total moderna. A calúnia, a intoxicação, a provocação, a exploração de divergências, a exacerbação das contradições, a diabolização do adversário, a perpetração de crimes imputados ao adversário são tácticas habituais dos serviços secretos ocidentais.

Ora, desde 1945, o imperialismo «democrático» investiu meios colossais nas guerras anticomunistas, guerras militares, guerras clandestinas, guerras políticas e guerras psicológicas. Não é evidente que a campanha anti-Stáline esteve no centro de todos os combates ideológicos contra o socialismo? Os porta-vozes oficiais da máquina de guerra americana, Kissinger e Brzezinski, elogiaram as obras de Soljenítsine e de Conquest, que por coincidência são também dois autores em voga entre os sociais-democratas, os trotskistas e os anarquistas. Em vez de «descobrir a verdade sobre Stáline», não seria melhor se esses especialistas do anticomunismo revelassem os meandros da guerra psicológica e política conduzida pela CIA?

Não é por mero acaso que, em quase todas as publicações burguesas e pequeno- burguesas «em voga» nos nossos dias, encontramos calúnias e mentiras a propósito de Stáline que se podiam ler durante a guerra na imprensa nazi. É um sinal de que a luta de classes à escala mundial é cada vez mais áspera e de que a grande burguesia mobiliza todas as suas forças para a defesa, em todos os azimutes, da sua «democracia». Em algumas conferências que fizemos sobre o período de Stáline, lemos um longo texto anti-stalinista e perguntámos às pessoas presentes o que pensavam. Quase sempre os intervenientes sublinharam que o texto, embora violentamente anticomunista, mostrava claramente o entusiasmo dos jovens e dos pobres pelo bolchevismo, assim como pelas realizações técnicas da URSS e que, de modo geral, era bastante equilibrado. Em seguida, revelámos ao auditório que o que acabava de ser comentado era um texto nazi, publicado no Signal n.° 24, de 1943, em plena guerra. As campanhas anti-stalinistas promovidas pelas democracias ocidentais em 1989-1991 foram muitas vezes mais violentas e caluniosas que as conduzidas nos anos 30 pelos nazis. Actualmente já não há as grandes realizações comunistas dos anos 30 para fazer contrapeso às calúnias. Já não há forças políticas significativas para tomar a defesa da experiência soviética sob Stáline.

Quando a burguesia clama a derrota definitiva do comunismo, está a aproveitar a falência do revisionismo para reafirmar o seu ódio à obra grandiosa realizada por Lénine e Stáline. Mas ao fazê-lo, está a pensar mais no futuro do que no passado. A burguesia quer fazer crer que o marxismo-leninismo está definitivamente enterrado porque se apercebe perfeitamente da actualidade e da vitalidade da análise comunista. A burguesia dispõe de uma grande abundância de quadros capazes de fazer avaliações científicas sobre a evolução do mundo. Também encara a possibilidade de crises maiores, revoltas de amplitude planetária e guerras de todo género. Após o restabelecimento do capitalismo na Europa de Leste e na União Soviética, todas as contradições do sistema imperialista mundial se exacerbaram. Face aos abismos do desemprego, da miséria, da exploração e da guerra que se abrem diante das massas trabalhadoras do mundo inteiro, só o marxismo-leninismo poderá mostrar o caminho da salvação. Só o marxismo-leninismo pode fornecer às massas trabalhadoras do mundo capitalista e aos povos oprimidos do Terceiro Mundo as armas da sua libertação. Todo o chinfrim sobre o fim do comunismo visa apenas desarmar as massas oprimidas do mundo inteiro para as grandes lutas futuras.

A defesa da obra de Stáline, que é no essencial a defesa do marxismo-leninismo, é uma tarefa actual e urgente para enfrentar a realidade da luta de classes sob a nova ordem mundial.

A obra de Stáline é de uma candente actualidade, tanto nos antigos países socialistas como nos países que mantêm a sua orientação socialista, tanto nos países do Terceiro Mundo como nos países imperialistas.

Stáline está no centro da actualidade nos antigos países socialistas

Após a restauração capitalista na URSS, a obra de Stáline ganhou uma grande importância para se compreender os mecanismos da luta das classes sob o socialismo.

Existe uma relação entre a restauração do capitalismo a que temos assistido e a virulenta campanha contra Stáline que a precedeu. As explosões de ódio contra um homem que morreu em 1953 podem, à primeira vista, parecer estranhas, se não incompreensíveis. Durante os 20 anos que precederam a chegada de Gorbatchov, Bréjnev encarnou a burocracia, a estagnação, a corrupção e o militarismo. Mas nem na União Soviética nem no «mundo livre» se assistiu a uma crítica tão violenta, excitada, raivosa contra Bréjnev como a que caracterizou a cruzada anti-Stáline.

É evidente que no decurso dos últimos anos, todos os fanáticos do capitalismo e do imperialismo tomaram Stáline como alvo para acabar com o que restava do socialismo na URSS.

A deriva desastrosa encetada por Khruchov mostra, por oposição, a pertinência da maior parte das ideias enunciadas por Stáline. Stáline afirmava que a luta de classes continua sob o socialismo, que as antigas forças feudais e burguesas não cessam o combate pela restauração e que os oportunistas no seio do Partido, os trotskistas, os bukharinistas e os nacionalistas burgueses ajudam as classes e camadas anti-socialistas a reagruparem as suas forças. Khruchov declarou que estas teses eram aberrantes e conduziam à arbitrariedade. Mas, em 1992, a figura maçuda do «tsar» Boris vestiu-se como um monumento testemunhando a justeza da análise de Stáline.

Os adversários da ditadura do proletariado não cessaram de afirmar que Stáline encarnava não a ditadura dos trabalhadores, mas a sua própria ditadura autocrática. A palavra gulag tornou-se sinónimo de «ditadura stalinista». Ora, aqueles que estavam no Gulag do tempo de Stáline fazem hoje parte da nova burguesia no poder. Destruir Stáline equivalia a fazer renascer a democracia socialista. Mas, uma vez Stáline enterrado, Hitler ressurgiu da tomba. E todos os heróis de má memória, os Vlássov, os Bandera, os Antonescu, os Tiso e outros colaboradores nazis estão a ser reabilitados na Rússia, na Ucrânia, na Roménia e na Eslováquia. A queda do muro de Berlim marca a ascensão do neonazismo na Alemanha. Hoje, face ao ímpeto do capitalismo e do fascismo no Leste, compreende-se melhor que Stáline defendia efectivamente o poder operário.

Stáline está no centro do debate político dos países que mantêm o socialismo

Os media não deixam de nos lembrar regularmente que existe ainda, infelizmente, um último quadrado de stalinistas sobre o planeta. Fidel Castro mantém-se na sua pequena ilha como um dinossauro stalinista. Kim Il Sung ultrapassa Stáline no que respeita ao culto da personalidade. Os verdugos chineses da Praça Tien An Men são dignos herdeiros de Stáline. Alguns dogmáticos vietnamitas continuam a exibir fotografias de Hô Chi Minh e de Stáline. Em resumo, os quatro países que mantêm, de uma forma ou de outra, a via socialista são excomungados do mundo «civilizado» sob o nome de Stáline. Este ruído incessante visa também suscitar e reforçar nestes países correntes «anti-stalinistas», ou seja, burguesas e pequeno-burguesas.

A obra de Stáline ganha actualidade no terceiro mundo

Actualmente, no Terceiro Mundo, todas as forças que se opõem à barbárie imperialista são perseguidas e atacadas em nome da luta contra o «stalinismo».

Assim, o Partido Comunista das Filipinas acaba de ser «penetrado pelo demónio stalinista das purgas», segundo os termos do jornal Le Monde.(6) De acordo com um panfleto do grupo Meisone, os «stalinistas» da Frente Popular de Libertação do Tigre tomaram o poder em Addis-Abeba. No Peru, também ainda se ouvem teses maoístasstalinistas, «esta linguagem empedernida de outros tempos», escrevia Marcel Niedergang, no Le Monde. Pudemos inclusive ler que o Baath sírio dirige «uma sociedade fechada, quase stalinista».(7) Em plena guerra do Golfo, um jornal informou-nos que uma publicação soviética, após comparar as fotos de Stáline e de Saddam Hussein, tinha concluído que Saddam era um filho ilegítimo do grande georgiano. E os energúmenos que expulsaram do Haiti o bravo padre Aristide afirmaram com toda a solenidade que este tinha instalado «uma ditadura totalitária»!

A obra de Stáline é de uma actualidade candente para todos os povos empenhados no combate pela sua libertação da dominação imperialista

Tal como Lénine, Stáline representa a firmeza nas batalhas de classe mais duras e mais impiedosas. Stáline mostrou que nas situações mais difíceis só uma atitude firme e inflexível frente ao inimigo de classe permite resolver os problemas fundamentais das massas trabalhadoras. A atitude conciliadora, oportunista, derrotista e capitulacionista conduz necessariamente à catástrofe e ao revanchismo sanguinário das forças reaccionárias.

Actualmente, as massas trabalhadoras do Terceiro Mundo encontram-se numa das mais difíceis situações, aparentemente sem saída, que se assemelha à situação da União Soviética em 1920-1933. Em Moçambique, as forças mais retrógradas da sociedade foram utilizadas pela CIA e pelos serviços sul-africanos para massacrar 900 mil moçambicanos. Os fundamentalistas hindus, protegidos desde há muito pelo Congresso e apoiados por uma parte da grande burguesia indiana, mergulham a Índia no terror.

Na Colômbia, a coligação-rivalidade entre o exército e a polícia reaccionários, a CIA e os traficantes de droga provoca banhos de sangue nas massas populares. No Iraque, onde uma agressão criminosa fez 200 mil mortos, o embargo imposto pelos nossos grandes defensores dos direitos humanos continua a matar lentamente dezenas de milhares de crianças.

Em todas estas situações extremas, o exemplo de Stáline mostra como mobilizar as massas para um combate impiedoso e vitorioso contra inimigos dispostos a tudo.

Mas alguns partidos revolucionários do Terceiro Mundo, envolvidos em combates encarniçados contra o imperialismo, desviaram-se progressivamente para o derrotismo e a capitulação, e este processo de degenerescência começou quase sempre por ataques contra a obra de Stáline. A evolução recente dos partidos que constituem a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN), em El Salvador, é disto um caso exemplar.

No seio do Partido Comunista das Filipinas desenvolveu-se pelo menos desde 1985 uma tendência oportunista que queria pôr fim à guerra popular e entrar num processo de «reconciliação nacional». Os defensores desta linha, partidários de Gorbatchov, atacam com violência Stáline. Este mesmo oportunismo teve uma expressão de «esquerda»: querendo chegar rapidamente ao poder, alguns propuseram uma linha militarista e uma política de insurreição urbana. Alguns responsáveis por esta tendência em Mindanau organizaram uma depuração no Partido para pôr fim às infiltrações policiais: executaram várias centenas de pessoas ao arrepio de todas as regras partidárias. Mas quando o Comité Central decidiu conduzir uma campanha de rectificação destes desvios, todos esses oportunistas se uniram clamando contra a «purga stalinista»!

José Maria Sison escreveu:

«Aqueles que se opõem mais asperamente ao movimento de rectificação são os que têm as maiores responsabilidades pela tendência militarista, pela redução importante da nossa base de massas, pela caça às bruxas que tomou proporções monstruosas e pela degenerescência para o gangsterismo. Há muito tempo que se envolveram em campanhas de calúnias e intrigas. Estes renegados juntaram-se de facto aos agentes secretos e aos peritos da guerra psicológica do regime EUA-Ramos, numa tentativa de impedir o Partido Comunista das Filipinas de se reforçar ideologicamente, politicamente e organicamente».(8)

O jornal Democratic Palestine, da Frente Popular para a Libertação da Palestina, iniciou uma discussão sobre Stáline.

«Os aspectos negativos da época de Stáline que ganharam mais relevo compreendem: a colectivização forçada, a repressão da livre expressão e da democracia no Partido e na sociedade; o ultracentralismo na tomada das decisões no Partido, no Estado soviético e no movimento comunista internacional».(9)

Todas estas pretensas «críticas» a Stáline não são mais do que a recuperação simples de velhos ataques anticomunistas da social-democracia. Tomar este caminho e segui-lo até ao fim significa, a prazo, a morte da FPLP enquanto organização revolucionária. O percurso de todos aqueles que seguiram este caminho no passado não deixa nenhuma dúvida a este respeito.

A evolução recente da Frente Sandinista de Libertação Nacional é elucidativa. Na sua entrevista com Fidel Castro, Thomas Borges atacou com palavras muito fortes o «stalinismo»: é sob essa camuflagem que se consuma a transformação da FSLN numa formação social-democrata burguesa.

A obra de Stáline adquire também um novo significado na situação criada na Europa depois da restauração capitalista no Leste.

A guerra civil na Jugoslávia mostra em que carnificinas poderá de novo afundar-se o conjunto do continente europeu se as rivalidades crescentes entre as potências imperialistas voltarem a provocar uma nova grande guerra. Tal eventualidade não pode ser descartada. O cenário mundial de hoje mostra certas semelhanças com a situação de 1900 a 1914, época em que as potências imperialistas rivalizavam pela dominação económica mundial. Hoje, as relações entre os seis grandes centros capitalistas os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, o Japão, a Alemanha, a Rússia e a França tornaram-se muito instáveis. Estamos a entrar num período em que as alianças se fazem e desfazem e as batalhas no domínio económico e comercial são conduzidas com um vigor crescente. A formação de novos blocos imperialistas dispostos a enfrentarem-se pelas armas entra no domínio das possibilidades. Uma guerra entre potências imperialistas faria de toda a Europa uma gigantesca Jugoslávia. Perante tal eventualidade, a obra de Stáline merece um novo estudo.

Nos partidos comunistas através do mundo, a luta ideológica em torno da questão de Stáline apresenta numerosas características comuns.

Em todos os países capitalistas, a pressão económica, política e ideológica exercida pela burguesia sobre os comunistas é extremamente forte. É uma fonte permanente de degenerescência, de traição, de lento resvalar para o outro campo. Mas toda a traição necessita de uma justificação ideológica aos olhos daqueles que a cometem. Em geral, um revolucionário que se desvia para a rampa escorregadia do oportunismo «descobre a verdade sobre o stalinismo» e adopta a versão burguesa da história do movimento revolucionário sob Stáline. De facto, os renegados não fazem nenhuma descoberta, copiam simplesmente a burguesia. Por que é que tantos renegados «descobriram a verdade sobre Stáline» (certamente para aperfeiçoar o movimento comunista), e nenhum deles «descobriu a verdade sobre Churchill»? Esta seria uma descoberta muito mais importante para «aperfeiçoar» o combate ao imperialismo! Tendo no activo meio século de crimes ao serviço do império britânico (guerra na África do Sul, terror nas Índias, I Guerra Mundial inter-imperialista, seguida da intervenção militar contra a República Soviética, guerra contra o Iraque, terror no Quénia, desencadeamento da guerra fria, agressão contra a Grécia antifascista, etc.), Churchill é sem dúvida o único político burguês deste século a ter igualado Hitler.

Todo o escrito político e histórico está marcado pela posição de classe do seu autor. Dos anos 20 até 1953, a maioria das publicações ocidentais sobre a União Soviética serviu o combate da burguesia e da pequena burguesia contra o socialismo soviético.

Os escritos dos membros dos partidos comunistas e dos intelectuais de esquerda defendendo a experiência soviética constituem uma fraca contracorrente de defesa da verdade sobre a experiência soviética. Ora, a partir de 1956, Khruchov e o Partido Comunista da União Soviética perfilharam, pedaço a pedaço, toda a historiografia burguesa sobre o período de Stáline.

Desde então, todos os revolucionários do mundo ocidental estão sujeitos a uma pressão ideológica incessante em relação aos períodos cruciais do ascenso do movimento comunista, sobretudo o período de Stáline. Se Lénine dirigiu a Revolução de Outubro e traçou as orientações centrais para a construção do socialismo, foi Stáline que realizou a edificação socialista durante um período de 30 anos. Todo o ódio da burguesia se concentrou sobre o trabalho titânico realizado sob a direcção de Stáline. Um comunista que não adopta uma posição de classe firme frente à informação orientada, unilateral, truncada ou mentirosa divulgada pela burguesia perder-se-á irremediavelmente. Por nenhum outro sujeito da história recente a burguesia revela tanto interesse em denegri-lo e difamá-lo. Os comunistas devem adoptar uma atitude de desconfiança sistemática em relação às «informações» que lhe são fornecidas pela burguesia (e pelos khruchovistas) sobre o período de Stáline. Devem pôr tudo em questão para descobrirem as raras fontes alternativas de informação que defendem a obra revolucionária de Stáline.

Contudo, os oportunistas nos diferentes partidos não ousam opor-se frontalmente à ofensiva ideológica anti-Stáline, cujo objectivo anticomunista é, no entanto, evidente. Os oportunistas cedem à pressão, dizem «sim» à crítica a Stáline, mas alegam criticar Stáline «pela esquerda».

Hoje podemos fazer o balanço de 70 anos de «críticas de esquerda» formuladas contra a experiência do partido bolchevique sob Stáline. Dispomos de centenas de obras escritas por sociais-democratas e trotskistas, por bukharinistas e intelectuais de esquerda «independentes». Os seus pontos de vista foram retomados e desenvolvidos pelos khruchovistas e pelos titistas. Hoje podemos compreender melhor o verdadeiro sentido de classe dessa literatura. Terão todas essas críticas resultado em práticas revolucionárias mais consequentes do que aquela que a obra de Stáline encarna? Afinal, as teorias julgam-se pela prática social que suscitam. A prática revolucionária do movimento comunista mundial sob Stáline agitou o planeta inteiro e imprimiu uma nova orientação à história da humanidade. No decurso dos anos 1985-1990 pudemos ver que todas as pretensas «críticas de esquerda» contra Stáline foram como incontáveis ribeiros que desaguaram no rio do anticomunismo. Sociais-democratas, trotskistas, anarquistas, bukharinistas, titistas, khruchovistas, ecologistas, juntaram-se todos no movimento «pela liberdade, pela democracia, pelos direitos do homem», que liquidou o que restava de socialismo na URSS. Todas essas «críticas de esquerda» contra Stáline puderam ir até às últimas consequências da sua opção política e todas contribuíram para a restauração de um capitalismo selvagem, para a instauração de uma ditadura burguesa impiedosa, para a destruição das conquistas sociais, políticas e culturais das massas trabalhadoras e, em numerosos casos, para a emergência do fascismo e de guerras civis reaccionárias.

As campanhas anti-stalinistas fizeram-se sentir de modo particular sobre os comunistas que resistiram ao revisionismo em 1956 e tomaram a defesa de Stáline.

Em 1956, o Partido Comunista da China teve a coragem de defender a obra de Stáline. O seu documento «De novo a propósito da experiência da ditadura do proletariado» forneceu uma ajuda considerável aos marxistas-leninistas do mundo inteiro. Na base da sua própria experiência, os comunistas chineses também expressaram críticas sobre certos aspectos da obra de Stáline. O que é perfeitamente normal numa discussão entre comunistas.

No entanto, agora com um maior distanciamento, vemos que muitas de suas críticas foram formuladas de modo muito geral. E isso influenciou negativamente muitos comunistas que deram credibilidade a todo o tipo de críticas oportunistas.

Assim, por exemplo, os camaradas chineses afirmaram que Stáline, por vezes, não distinguiu claramente dois tipos de contradições: as existentes no seio do próprio povo, que podem ser superadas pela educação e pela luta, e as que opõem o povo ao inimigo, que necessitam de formas de luta adequadas.

Desta crítica geral, alguns concluíram que Stáline não tinha tratado bem as contradições com Bukhárine e acabaram por abraçar a linha política social-democrata de Bukhárine.

Os camaradas chineses também afirmaram que Stáline se ingeriu muitas vezes nos assuntos de outros partidos e que lhes negava a sua independência. Desta crítica geral, alguns concluíram que Stáline tinha condenado erradamente a política de Tito e terminaram por aceitar o titismo como a forma específica jugoslava do marxismo-leninismo. Os acontecimentos recentes na Jugoslávia permitem compreender melhor a política nacionalista-burguesa seguida por Tito depois de romper com o partido bolchevique e cair na malha norte-americana.

As hesitações e os erros ideológicos relativos à questão de Stáline que acabamos de referir produziram-se em quase todos os partidos marxistas-leninistas.

Podemos tirar uma conclusão de ordem geral. Para ajuizarmos sobre todos os episódios do período 1923-1953 é necessário esforçarmo-nos para conhecer integralmente a linha e a política defendidas pelo partido bolchevique e por Stáline. Não se pode subscrever nenhuma crítica à obra de Stáline sem verificar os dados fundamentais da questão e sem se conhecer a versão apresentada pela direcção bolchevique.


Notas:

(1) Ludo Martens, L’URSS et la contre-révolution de velours, EPO, Bruxelas 1991. (retornar ao texto)

(2) Ibidem, p. 215. (retornar ao texto)

(3) Ibidem, p. 186. (retornar ao texto)

(4) Ibidem, p. 253. (retornar ao texto)

(5) Ibidem, p. 245. (retornar ao texto)

(6) Patrice de Beer, Le Monde, 7/8/1991, «La lente érosion». (retornar ao texto)

(7) International Herald Tribune, 5/11/I99l, p. 1. (retornar ao texto)

(8) Statement, 8/12/1992. (retornar ao texto)

(9) Democratic Palestine, Julho-Setembro de 1992, p. 31. (retornar ao texto)

Inclusão 19/11/2015