MIA > Biblioteca > Mao Zedong > Novidades
Por que é que criámos o Exército Vermelho? Para utilizá-lo na liquidação do inimigo. Por que razão estudamos as leis da guerra? Para aplicá-las na guerra.
Aprender não é fácil, mas realizar na prática o que se aprendeu é ainda mais difícil. Muitos indivíduos, quando tratam da ciência militar numa sala de aulas ou nos livros, dão a impressão de ser competentes, mas se a guerra chega a estalar, uns conquistam vitórias e outros sofrem derrotas. Isso está confirmado pela história das guerras e pela nossa própria experiência na guerra.
Onde está então a chave do problema?
Na prática, não podemos exigir que os generais sejam sempre vitoriosos. Generais assim a História conhece muito poucos. O que necessitamos é de generais intrépidos, clarividentes, que se tenham mostrado geralmente vitoriosos no decurso das guerras — chefes dotados de sagacidade e de coragem. Para transformar-se num desses chefes militares, é necessário assimilar um método. Tal método é indispensável tanto no estudo como na actividade prática.
Que método é esse? O método consiste em conhecer a fundo e sob todos os seus aspectos, tanto a situação do adversário como a nossa própria situação, descobrir as leis que regem as acções das duas partes e respeitá-las nas nossas acções.
Nos manuais militares de vários países encontram-se recomendações sobre a necessidade de "aplicar os princípios com flexibilidade, segundo a situação", bem como indicações sobre as medidas a tomar em caso de derrota. As primeiras põem em guarda os comandantes contra as faltas de carácter subjectivo que podem nascer duma obediência cega aos princípios. As segundas dizem como um comandante deve agir quando tenha cometido uma falta de carácter subjectivo ou quando, na situação objectiva, tenham intervindo mudanças imprevistas e inelutáveis.
Por que razão se produzem os erros de carácter subjectivo? Porque a maneira como as forças são dispostas e dirigidas, na guerra ou nos combates, não corresponde às condições do momento e do lugar; porque não há harmonia, acordo, entre a direcção subjectiva e as condições existentes na realidade objectiva, ou, noutros termos, porque a contradição entre o subjectivo e o objectivo não foi resolvida. Em toda a actividade é difícil evitar tais situações, mas há pessoas que dão provas de ser mais competentes que outras. Qualquer que seja a tarefa, é necessário que os homens que a tenham de cumprir sejam, relativamente, os mais competentes. Se se trata do domínio militar, é preciso ter ganho mais vitórias ou ter sofrido menos derrotas. O essencial é fazer corresponder, como convém, o subjectivo e o objectivo.
Tomemos um exemplo do domínio da táctica. Suponhamos que escolhemos o ponto de ataque sobre um dos flancos do adversário, que o ponto fraco do adversário se encontre justamente aí e que, por consequência, o nosso assalto tenha êxito. Nesse caso, o subjectivo correspondeu ao objectivo, isto é, as informações de que dispunha o comando, a sua apreciação e decisão, correspondiam à situação real do adversário e ao seu dispositivo de combate. Se, pelo contrário, se optou por levar o ataque sobre o outro flanco ou sobre o centro do adversário e, em consequência, caímos num beco e não pudemos avançar, isso quer dizer que não houve correspondência entre o subjectivo e o objectivo. Se o momento de ataque foi escolhido de maneira justa, se as reservas foram transportadas a tempo e se todas as disposições tomadas no decurso do combate e todas as acções empreendidas foram em nosso favor e desfavoráveis ao inimigo, isso significa que, ao longo do combate, a direcção subjectiva correspondeu inteiramente à situação objectiva. Tais exemplos de correspondência plena, no decurso duma guerra ou combate, são extremamente raros, pois os beligerantes são colectividades de seres vivos armados que operam dissimulando, cada uma, os seus segredos. De maneira nenhuma as coisas se passam como quando se tem de fazer face a objectos inanimados ou a actos da vida quotidiana. Todavia, se as directivas dadas pelo comando correspondem nas suas grandes linhas à situação real, isto é, se os seus elementos de importância decisiva correspondem à situação real, as condições da vitória estão realizadas.
A correcta disposição das tropas decorre da correcta decisão do comando, a qual é um resultado da justa apreciação da situação, apreciação fundada num minucioso e indispensável reconhecimento, cujas informações passaram pelo crivo duma reflexão sistemática. O comando utiliza todos os meios de reconhecimento possíveis e necessários, pesa as informações recolhidas sobre o inimigo, rejeita a casca e conserva o grão, afasta o que é falso e guarda o verdadeiro, vai duma coisa a outra, do externo ao interno; depois, tendo em conta as suas próprias condições, procede a um estudo comparativo da situação das duas partes e das suas relações mútuas. É assim que ele forma o seu juízo, toma a sua decisão e estabelece o seu plano. Tal é o processo completo de conhecimento duma situação por que deve passar um chefe militar antes de elaborar os seus planos estratégicos, os seus planos de campanha ou combate. Um chefe pouco consciencioso não procede assim. Ele fantasia os seus planos, baseando-se naquilo que deseja; desse modo, tais planos resultam ilusórios, não correspondem à realidade. Um chefe impulsivo, que se remete de maneira exclusiva ao seu entusiasmo, cai inevitavelmente nas armadilhas que o adversário lhe prepara; deixa-se abusar pelas informações superficiais e fragmentárias que recolhe sobre este, deixa-se arrastar pelas sugestões irresponsáveis, de curtas vistas e infundadas dos seus subordinados, e quebra inevitavelmente o pescoço, justamente porque não sabe ou não quer saber que todo o plano militar deve basear-se em informações indispensáveis e num estudo minucioso da sua própria situação, da do adversário e das suas relações mútuas.
Esse processo de conhecimento da situação não intervém somente antes da elaboração do plano militar; ele intervém igualmente depois dessa elaboração. No decurso da execução do plano, desde que se inicia a execução até ao final da acção, desenrola-se um novo processo de conhecimento da situação: o processo de aplicação do plano à realidade. Torna-se então necessário verificar de novo se o plano elaborado no decurso do processo precedente corresponde à situação real. Se não corresponde, ou se apenas corresponde incompletamente à realidade, é preciso, à luz dos novos dados, fazer uma nova apreciação do problema, tomar uma nova decisão e modificar o plano inicial, a fim de que corresponda à nova situação. Em quase cada uma das acções militares intervém uma modificação parcial do plano; e pode mesmo acontecer que o plano se encontre completamente modificado. Um impulsivo, que não sabe ou não quer modificar o seu plano, age às cegas, e bate inevitavelmente com a cabeça na parede.
O que acabamos de dizer aplica-se tanto a uma acção estratégica como a uma campanha ou combate. Sendo modesto e estando sempre pronto a aprender, um chefe experimentado será sempre capaz de conhecer perfeitamente as suas próprias forças (os comandantes, os combatentes, o armamento, o reabastecimento, etc, assim como a resultante de todos esses factores), as forças do inimigo (os comandantes, os combatentes, o armamento, o reabastecimento, etc, e a resultante de todos esses factores), bem como todas as outras condições relacionadas com a guerra: condições políticas, econômicas, geográficas, de clima, etc; um chefe assim estará sempre mais seguro de si próprio ao dirigir uma guerra ou ao dirigir qualquer acção militar, e aumentará as suas possibilidades de sucesso. Isto porque, a longo prazo, acabou por conhecer a situação no seu próprio campo e no campo do adversário, descobriu as leis da acção e resolveu as contradições entre o subjectivo e o objectivo. Esse processo de conhecimento é extremamente importante; sem essa experiência adquirida a longo prazo é difícil compreender e dominar as leis que governam a guerra no seu conjunto. Não se pode ser realmente um bom comandante superior enquanto se permanece um noviço ou enquanto se não conhece a guerra a não ser no papel; por isso, é necessário aprender no próprio decorrer da guerra.
Todas as leis da guerra e todas as teorias militares que revestem um carácter de princípio são o balanço da experiência feita pelos nossos predecessores ou contemporâneos. É preciso estudar seriamente essas lições, pagas a preço de sangue, que nos legaram as guerras passadas. Essa é uma das nossas tarefas. Mas há ainda uma outra: verificar essas conclusões com a ajuda da nossa própria experiência, assimilar o que elas oferecem de útil, rejeitar o que nelas há de inútil e acrescentar só o que nos é próprio. Essa segunda tarefa é duma grande importância; se não agimos assim não podemos dirigir a guerra.
Ler é uma forma de aprender, mas praticar é também uma forma de aprender, sendo até a forma mais importante de aprender. O nosso método principal é aprender a fazer a guerra fazendo-a. Uma pessoa que não tenha tido a possibilidade de ir à escola também pode aprender a fazer a guerra — pode aprender no próprio combate. Uma guerra revolucionária é uma empresa de massas; nela acontece com frequência que as pessoas, em vez de combaterem depois de terem aprendido, começam por combater e depois aprendem. Combater é pois aprender. Existe uma certa distância entre um civil e um militar, mas não há entre eles Grande Muralha, podendo a distância existente ser rapidamente eliminada. A via para eliminar essa distância é tomar parte na revolução, participar na guerra. Quando dizemos que não é fácil aprender e aplicar, queremos dizer que não é fácil aprender a fundo e aplicar com sabedoria. Quando dizemos que os civis podem muito rapidamente transformar-se em militares, queremos significar que não é difícil iniciar-se na arte da guerra. Para resumir essas duas afirmações podemos citar o ditado chinês que diz: "Nada no mundo é difícil para aquele que se decide a agir bem". Iniciar-se não é difícil, aperfeiçoar-se não é impossível; basta que as pessoas se dediquem e saibam aprender.
As leis da guerra, como as leis de todos os outros fenómenos, são o reflexo, no nosso espírito, da realidade objectiva. Tudo o que está fora do nosso espírito é realidade objectiva. Em consequência, a nossa intenção de aprender e conhecer incide, simultaneamente, sobre o inimigo e sobre nós próprios. São esses dois aspectos que devem ser considerados como objecto do nosso estudo, enquanto que o sujeito que estuda é unicamente o nosso espírito (a nossa capacidade de pensar). Há pessoas capazes de conhecer--se bem a si próprias, mas incapazes de conhecer o adversário; outras são capazes de conhecer bem o adversário, mas não de se conhecerem a si próprias. Nem umas nem outras estão à altura de dominar o estudo e a aplicação prática das leis da guerra. O preceito contido na obra do grande teórico militar da China antiga, Suen Vu-tse(1): "Conhece o teu adversário e conhece-te a ti próprio, que poderás, sem riscos, travar um cento de batalhas", refere-se às duas fases — a do estudo e a da aplicação prática dos conhecimentos; tal preceito diz respeito tanto ao conhecimento das leis do desenvolvimento da realidade objectiva, como à determinação, na base dessas mesmas leis, da nossa própria acção destinada a vencer o adversário. Não se deve subestimar o valor desse preceito.
A guerra é a forma suprema de luta entre nações, entre Estados, entre classes ou grupos políticos; as nações, os Estados, as classes ou os grupos políticos empenhados numa guerra utilizam as leis da guerra a fim de alcançarem a vitória. Não há dúvidas de que a vitória e a derrota na guerra são determinadas principalmente pelas condições militares, políticas, económicas e naturais em que se encontram ambas as partes. Mas isso não é tudo; o resultado da guerra é igualmente determinado pela capacidade subjectiva de cada parte na condução da guerra. No seu esforço para ganhar a guerra, um estratega não pode ultrapassar os limites impostos pelas condições materiais. Todavia, dentro desses limites, ele pode e deve fazer o máximo para conquistar a vitória. A cena cm que se desenrola a sua acção é constituída pelas condições materiais objectivas mas, nessa cena, ele pode dirigir a representação de muito drama vivo, cheio de som e cor, de poder e de grandeza. É assim que, sobre uma base material objectiva dada, quer dizer, em condições militares, políticas, económicas e naturais dadas, os chefes do nosso Exercito Vermelho devem pôr cm pleno jogo todo o nosso poderio, dirigindo todas as forças de que dispõem no sentido de esmagar os inimigos da nação, os nossos inimigos de classe, e transformar esse mundo de corrupção. É aí que pode e deve exercer-se a nossa capacidade subjectiva dc dirigir a guerra. Não permitiremos que os comandantes do Exército Vermelho se transformem nuns impulsivos, golpeando a torto e a direito; devemos encorajar cada oficial do Exército Vermelho a tornar-se num herói bravo e clarividente que, além da coragem para ultrapassar todos os obstáculos, tenha ainda a capacidade para dominar todo o curso da guerra, em todas as suas vicissitudes e desenvolvimento. Nadando no oceano próprio da guerra, um chefe militar deve não só evitar afogar-se, mas também saber atingir a margem oposta com toda a segurança e a braçadas medidas. As leis que regem a condução duma guerra integram a arte de nadar no oceano da guerra. Eis cm que consiste o nosso método.
Notas:
(1) Suen Vu-tse (Suen Vu), célebre teórico militar chinês do século V A.C., autor do Tratado de Suen Tse em 13 capítulos. A citação é extraída do "Plano do Ataque", Suen Tse, capítulo III. (retornar ao texto)
Inclusão | 22/03/2010 |