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Toda economia mercantil, baseada na divisão do trabalho e na propriedade privada, incorre numa contradição entre o caráter social da produção e o caráter individual, privado, da apropriação. Nenhum produtor de mercadorias, nenhum comerciante poderia existir sem o trabalho de outros membros da sociedade; sua própria atividade deve combinar com a dos outros; entretanto, o produto criado pela sociedade para as necessidades da sociedade é propriedade de indivíduos que opõem seus próprios interesses individuais aos da sociedade.
Dai a desorganização da economia, as crises, etc.
“O capitalismo de monopólios suprime esta contradição fundamental da economia mercantil? Não. Ao contrário, agrava-a ao ponto do capitalismo se encontrar na presença de um problema que não pode resolver pelos seus próprios meios.
O desenvolvimento das forças produtivas necessita, no regime capitalista, de uma estreita ligação entre as diversas partes da economia mundial.
A continuação do grandioso desenvolvimento da técnica que acompanha o processo de concentração do capital, torna-se, na realidade, impossível no quadro dos países separados uns dos outros, os quais, na anarquia do mundo capitalista da produção, não são mais que partes da economia mundial.
A eletrificação, este coroamento da técnica moderna, exige a organização racional da economia num plano de conjunto.
Ela encontra grandes obstáculos nos países em que os limites da propriedade privada (quer se trate dos limites interiores ou das fronteiras do Estado), separam as fontes de matérias primas (carvão, quedas d’água, turfa) das usinas de eletricidade, das estradas de ferro, dos caminhos pelos quais a força motriz é transportada, e, enfim, dos lugares em que ela é consumida.
O desenvolvimento da química e da metalurgia depende, como o aperfeiçoamento dos motores, em larga escala, das relações entre os países fornecedores de combustíveis, de substâncias raras 2 de produtos químicos, e dos países de elevada técnica industrial.
A organização científica do trabalho e os princípios de direção racional e planificada da indústria, trazidos pelo moderno capitalismo, não podem ser aplicados a fundo sem que toda a economia esteja organizada num plano de conjunto.
Ora, o capitalismo de monopólios, que criou as bases técnicas de uma economia mundial única, concebida num plano de conjunto, não pode eliminar a forma privada de apropriação, isto é, a divergência dos interesses econômicos dos proprietários individuais, traço característico da sociedade capitalista. Dai uma contradição entre as forças produtivas do capitalismo de monopólios (forças que não podem desenvolver-se senão numa economia mundial única regulada por um plano de conjunto), e as relações de produção que opõem umas às outras as diversas partes da economia mundial fadadas à desorganização.
Como no passado, o capitalismo guia-se no regime dos monopólios pelo espírito de lucro, como no passado, ele esforça-se em não ampliar senão os ramos lucrativos da produção. Agora, como detentor do monopólio, ele se esforçará em regular os preços de maneira que receba o máximo de lucro. Os verdadeiros interesses das massas, o verdadeiro desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, não são levados em conta.
Os mais belos êxitos da técnica poderão permanecer inaplicáveis se não coincidirem com os interesses dos “tubarões capitalistas”.
Os interesses da sociedade burguesa tornam-se assim obstáculos para o desenvolvimento da eletrotécnica.
Uma eletrificação largamente aplicada subverteria completamente todas as relações de produção. Os possuidores das jazidas petrolíferas e de carvão de alta qualidade, tão poderosos no curso destes últimos anos, veriam decrescer sua supremacia. A indústria do ferro encontraria pontos de apoio nas novas regiões que antes não chamavam a atenção por falta de energia barata. A pesada metalurgia poderia se transportar para lá. A eletricidade revoluciona a produção do cobre, do alumínio, do estanho, do zinco, do chumbo, dos adubos químicos e inúmeras operações agrícolas; ela modifica de uma ponta a outra os dados do problema da seca das terras e da irrigação, o que ameaça subverter totalmente todas as relações estabelecidas: novos ramos de indústria podem criar-se, eliminando os antigos; novas e vastas regiões podem ser tomadas à natureza e fertilizadas por uma agricultura revolucionada.
A eletricidade, lançando as bases de uma nova razão econômica, ameaça rejeitar numerosas indústrias modernas providas de maquinário aperfeiçoado, entre as indústrias atrasadas e irracionais, e depreciar os capitais nelas invertidos.
Por setes motivos, o mundo capitalista conta com numerosos agrupamentos cujas condições de existência e esperanças, já descontadas na avaliação da propriedade, estão ameaçadas pela larga e sistemática extensão da eletrotécnica na economia. Que lhes importam os interesses gerais da classe capitalista quando a eletrificação lhes ameaça os interesses privados? Aliás, eles já não consideram estes interesses gerais com os interesses exclusivos do seu grupo e até mesmo coro seus interesses individuais?(1)
As contradições da sociedade capitalista são tais que, quanto mais as forças produtivas se desenvolvem, mais aumentam a concentração e a centralização do capital e dos monopólios — e mais os interesses individuais dos monopolizadores se opõem ao desenvolvimento das forças produtivas.
O fato é que o crescimento da composição orgânica do capital e o retardamento de sua rotação são suficientes para engendrar um certo conservantismo técnico, uma atitude reservada a respeito das inovações que acarretam a eliminação das velhas máquinas muito tempo antes de seu gasto. Sendo as máquinas modernas de preço bastante elevado, toda renovação do maquinário ocasiona despesas que não podem ser compensadas pelas vantagens do emprego de máquinas novas.
Não tendo pressa de empregar novas máquinas, mas temendo ao mesmo tempo que seus concorrentes o façam, os magnatas do capital compram as novas invenções afim de abrigá-las dos “olhares indiscretos”.
Outrora, na época da livre concorrência, o capitalista procurava os melhoramentos técnicos que lhe davam, graças à diferença entre as suas despesas individuais e o custo médio social da produção, um lucro diferencial; hoje em dia, este estimulante desaparece cada vez mais, pelo menos no mercado interior. O preço de monopólio da mercadoria não é ditado pelo custo médio da produção, e, não temendo o monopolizador a concorrência, pode, em certos limites, já se vê, aumentar os preços sem melhorar a técnica, conseguindo mesmo, nas empresas mais atrasadas, um lucro médio.
Os monopolizadores estão, mesmo, quase sempre interessados em restringir a produção. Já vimos que o mais elevado preço das mercadorias, o preço mais vantajoso, pode às vezes ser atingido graças a uma certa restrição da produção.
É verdade que esta restrição criou, ao aumentar o super-lucro do capitalista, um estimulante para a acumulação ulterior e para o ampliamento da produção. Mas este fato mostra unicamente a profundidade das contradições do capitalismo de monopólio, por um lado levado ao ampliamento incessante da produção e, por outro, obrigado a se opor a este ampliamento.
Os monopolizadores esforçam-se em reduzir esta contradição entre a tendência de impôr os mais elevar dos preços e a tendência do ampliamento da produção, intervindo nos mercados exteriores.
Já vimos que eles não vacilam em lançar, com prejuízo, no estrangeiro, enormes “stocks” de mercadorias, desprezando os interesses da sociedade inteira com o único fim de provocar na sua própria “ pátria” uma alta dos preços.(2)
A procura de mercados estrangeiros, com a exportação de enormes “stocks”, quando as necessidades do país não estão satisfeitas inteiramente (em consequência da insuficiente capacidade de compra da população) mostra quanto o capitalismo se tornou incapaz de satisfazer as necessidades da sociedade. Mas a intervenção dos monopólios no mercado estrangeiro não faz senão agravar as contradições do regime, provocando entre os grupos e Estados capitalistas conflitos que terminam em guerra.
Os monopolizadores, desenvolvendo os ramos de produção que lhes dá maior lucro, e procurando vender pelos preços mais vantajosos, não têm capacidade para organizar a economia, observando estritas proporções entre suas diferentes partes, entre a produção dos meios de produção e a dos meios de consumo, entre a capacidade de compra das massas e o aumento da produção.
Uma sub-produção e uma super-produção relativa tornam-se então inevitáveis. O regime dos monopólios capitalistas não consegue evitar as crises.
E estas crises são tão terríveis que, em consequência da estreita interdependência das partes constituintes da economia moderna, chegam a abalar o sistema inteiro e tornam-se verdadeiras catástrofes.
Do mesmo modo que o capitalismo é incapaz de organizar a economia num plano de conjunto, nem que fosse num só país, também o monopólio não é capaz de suprimir, mesmo dentro das fronteiras de um Estado, as consequências da propriedade privada dos meios de produção. Os capitalistas monopolizadores dominam no mercado as empresas não organizadas, com a ajuda da regulamentação espontânea: e mesmo eles estão interessados, como já vimos, na existência de empresas não organizadas.
No quadro da economia mundial sobressai melhor a incapacidade do capitalismo em organizar a produção num plano de conjunto.
Ainda que o capitalismo dos monopólios tenha criado as bases técnicas de uma economia mundial Única, ainda que ele contribua, pela intervenção do capital nos mercados estrangeiros e pelo desenvolvimento internacional, para o estabelecimento de relações mundiais, ele se opõe, pelo modo individual de apropriação, ao desenvolvimento de um sistema mundial e agrava o antagonismo existente entre as diversas partes de uma economia única, mas estraçalhada pelos interesses individuais dos monopolizadores.
Todo monopólio capitalista tende, guiado por seus interesses na caça ao lucro, para a expansão além de suas fronteiras nacionais; mas a necessidade de combater os monopólios dos outros países capitalistas determina nele, por outro lado, uma tendência em sentido contrário, a autarquia, isto é, a uma organização econômica do país que lhe permita uma existência independente vis-à-vis dos outros Estados.
Toda guerra rompe as relações mundiais e obriga os países beligerantes a contar principalmente com seus próprios recursos. Também, toda dependência econômica de um país em relação a outros, é, no ponto de vista dos capitalistas, um perigo.
Está aí porque todo Estado capitalista quer ter sua indústria própria capaz de criar máquinas e material de guerra, assim como quer ter suas próprias matérias primas, etc.
Esta tendência para a criação de unidades econômicas nacionais completas opõe-se brutalmente à tendência das forças produtivas que, em seu desenvolvimento, procuram sair dos quadros nacionais. As invenções que, no ponto de vista da autarquia, não podem ser postas em prática por um país, são compradas e escondidas afim de que os concorrentes não possam beneficiar-se.
As invenções exploradas por um Estado em sua indústria são, pelas mesmas razões, guardadas em segredo; os Estados que dispõem de importantes reservas de matérias primas, esforçam-se por manter o monopólio, impedindo assim seus concorrentes de ampliar a produção.(3)
O capitalismo moderno entrava assim o desenvolvimento das forças produtivas quando estas, rompendo os quadros de um Estado, ameaçam os estreitos interesses imperialistas das pequenas minorias capitalistas.
Só este fato mostra que o capitalismo esgotou suas possibilidades criadoras e que passou da fase evolutiva de seu desenvolvimento à fase de sua decomposição interior.
Notas de rodapé:
(1) I. STEPANOV: A eletrificação da República Socialista Federativa dos Soviets da Rússia. Livraria do Estado, 1923, 116 e 117. Uma outra razão ainda impede os capitalistas de recorrerem à eletrificação: “A centralização da produção de energia elétrica num número relativamente restrito de fábricas criaria tais centros nervosos, que bastaria ferí-los para por em perigo de morte toda a sociedade capitalista”. (Mesma obra). Este perigo seria particularmente grande no caso de uma insurreição operária ou de uma guerra. (retornar ao texto)
(2) Há alguns anos os negociantes americanos lançaram seus stocks de cereais no Mississipi, afim de impedir uma baixa dos preços. E dez milhões de pessoas nesse momento não tinham pão para comer. (retornar ao texto)
(3) A Inglaterra, por exemplo, detêm presentemente o monpólio mundial da borracha e opõe-se, numa certa medida, ao desenvolvimento das indústrias da borracha e do automóvel. A Espanha detem o monopólio do mercúrio. (retornar ao texto)
Inclusão | 10/06/2023 |