Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro oitavo: A acumulação do capital e a reprodução das relações capitalistas
Capítulo XVIII - Noção geral da reprodução
98. A acumulação primitiva do capital


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Estudamos os reguladores da economia capitalista, a natureza da exploração capitalista e a repartição da mais-valia entre os diferentes grupos das classes dirigentes da sociedade capitalista.

Não foi possível considerar, no curso destes estudos, como um belo dia surgiu a economia capitalista toda pronta e continuou invariável: o capitalismo sucedeu, como vimos, a formas econômicas tais como o feudalismo e a simples economia mercantil; certas sobrevivências dessas relações de produção pré-capitalistas ainda se manifestam frequentemente no seio do capitalismo desenvolvido. Vimos que o capitalismo se desenvolve, que a composição orgânica de capital se eleva no curso deste desenvolvimento, que a rotação do capital se modera, que a taxa de lucro baixa, etc.

Mas ainda não nos tem sido possível apresentar em toda a sua amplitude as questões seguintes:

1.°) Como se estabeleceu a sociedade capitalista, como nasceu das relações sociais pré-capitalistas?

2.°) Como se desenvolve a economia capitalista considerada em conjunto, e quais são suas tendências de desenvolvimento?

Vejamos o primeiro ponto.

Como as relações capitalistas se estabeleceram e se desenvolveram?

O capitalismo, dissemos, nasce da decomposição do regime feudal e da simples produção de mercadorias.

As condições necessárias para a criação de um novo tipo de relações sociais originaram-se na época chamada da acumulação primitiva do capital.

A significação histórica dessa época foi preparar as condições necessárias para a exploração capitalista, isto é, de concentrar os meios de produção e de subsistência nas mãos de pequeno número de capitalistas, de liberar seus servos da sujeição jurídica e os artesãos da posse dos meios de produção e subsistência, o que tinha por efeito transformar a uns e outros em proletários “livres”.

A decomposição do regime feudal foi um processo extremamente doloroso. O regime feudal era, em seu conjunto, baseado 11a economia natural. O senhor, sua corte, seus homens d’armas e seus servos ou camponeses, viviam em geral da produção do seu próprio domínio. A esfera de troca limitava-se principalmente aos artigos de luxo de que os senhores desejavam se abas* tecer; os artigos de primeira necessidade não eram geralmente objetos de trocas. Estas relações naturais explicam em larga medida a opulência dos feudos, a existência de suas tropas e suas cortes, sua “hospitalidade”, seu desprezo pelo cálculo e pela economia. Enquanto a troca não se incorpora mais ou menos profundamente às relações sociais do feudalismo, enquanto o valor de consumo — e não o de troca — continua como objetivo da produção, a exploração do camponês pelo senhor está contida em limites bastante estreitos: “O trabalho — diz Marx — tornava-se excessivo e terrível na sociedade antiga, quando se tratava do valor da troca. O trabalho produtivo que mata o trabalhador era então a forma oficial do trabalho excessivo”.

O desenvolvimento do comércio desagrega a economia natural feudal, rompendo desapiedadamente “os laços feudais que ligam o homem a seus suseranos hereditários” e não deixa subsistir entre os homens nenhuma relação além das relações baseadas no interesse, no desapiedado “pagamento à vista” (Marx). A produção já não tem por objetivo produzir para o consumo, mas sim criar valores de troca; a hospitalidade outrora famosa é substituída pela necessidade econômica de se bastar a si mesmo, os impostos e tributos em espécie transformam-se em dinheiro, e a exploração do camponês pelo senhor atinge a um grau desconhecido anteriormente.

As cortes numerosas e as tropas dos senhores tornam-se supérfluas; sendo muito dispendiosas e não podendo bastar-se a si mesmas, desapareceram.

A acumulação primitiva toma formas particular; mente dolorosas na Inglaterra, onde o desenvolvimento da indústria manufatureira da lã aumenta rapidamente o pedido de matérias primas, o que incita os senhores a transformar as terras cultivadas em pastagens. Usando de todos os meios de que dispunham, violência, constrangimentos jurídicos, dependência econômica, eles arrebatam as terras dos camponeses e dos pequenos proprietários para ocupá-las com seus rebanhos de carneiros. Esta desagregação do regime feudal — exploração sem limites dos cultivadores, licenciamento das tropas e de uma numerosa criadagem, exploração e expulsão dos pequenos fazendeiros — teve coino resultado a criação de numeroso proletariado “livre”.

Por outro lado, os “ofícios” se desagregam. Os artesãos mais acomodados aumentam nas suas oficinas o número de aprendizes e semi-operários, não obstante as medidas baixadas pelas corporações. O antagonismo entre o mestre-artesão e os aprendizes e operários aumenta sem cessar. As corporações tornam-se organizações de mestres. As trocas se desenvolvem; os mercados se alargam. A necessidade de intermediários faz-se sentir nas trocas, aumentando o mercado ao ponto de tornar-se impossível para os artesãos oferecer diretamente suas mercadorias aos consumidores. O capital comercial aparece e escraviza pouco a pouco os artesãos. À medida que se desenvolvem as relações comerciais e aumenta a extensão do mercado, os antigos ofícios vão de mais em mais ficando incapazes, em consequência da sua técnica atrasada, de satisfazer os pedidos crescentes. O capital comercial intervem cada vez mais na produção artesã, não sem explorar cada vez mais os artesãos e grande número deles, arruinados, tornam-se “livres” proletários.

A expropriação dos pequenos produtores passa-se simultaneamente nos campos feudais e nos ofícios das cidades. Sob a influência destes dois fatores, nasce do sofrimento uma classe de “livres” proletários. Esta separação do produtor e dos meios de produção é o traço essencial do processo da acumulação primitiva do capital.

Este processo histórico prepara o aparecimento no mercado de uma nova mercadoria ainda desconhecida: a força de trabalho, preparando igualmente o aparecimento do grande capitalista industrial. Com a ruína dos artesãos, os meios de produção concentram-se nas mãos do capital comercial que, com a exploração de um ofício, obtém belíssimos lucros. Ao comércio colonial, sempre irmão da pirataria e da pilhagem das colônias e do tráfico dos negros, ajunta-se mais esse fator de enriquecimento. O capital comercial, explorando simultaneamente o produtor e o consumidor, acumula grandes reservas monetárias.

Existem, pois, as condições para o aparecimento da grande produção capitalista.

continua>>>
Inclusão 06/06/2019