Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro terceiro: O salário
Capítulo V - O salário na economia capitalista
27. Os factores do salário


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O salário não é mais que o preço duma determinada mercadoria, a força de trabalho. Finalmente, o nível do salário determina-se, como todos os preços, pelo valor.

Ao capitalista isolado interessa comprar no mercado de trabalho e pagá-la pelo preço mais baixo (quanto menos pagar pela força de trabalho, maior mais-valia obtém), mas do ponto de vista da sociedade capitalista no seu todo, do ponto de vista do equilíbrio social, não só interessa que a força de trabalho se pague hoje ao preço mais baixo, mas também que o fluxo de força de trabalho seja constante, isto é, que esta força não deixe de se reproduzir.

E isto só é possível se o conjunto da classe operária receber pela sua força de trabalho um equivalente que lhe permita, no futuro, reconstituir esta força de trabalho e voltar a pô-la à disposição do capitalista.

Se houvesse tantos operários como os que o capitalista precisa, cada operário receberia, exactamente, o valor da sua força de trabalho. Mas não é assim; a oferta e a procura da força de trabalho não estão equilibradas, ou melhor dizendo, quase nunca o estão. Esta a razão por que o preço da força de trabalho, o salário, se afasta sempre do seu valor, sendo este, como em qualquer mercadoria, o ponto em torno do qual oscilam os preços.

Portanto, para conhecer as circunstâncias de que depende o salário do operário na sociedade capitalista devemos ter claro:

  1. de que depende o valor da força de trabalho;
  2. como se produzem as modificações da oferta e procura da força de trabalho, que provocam variações incessantes dos salários em torno do valor.

Já sabemos de que depende o valor da força de trabalho.

Vimos que pode ser maior ou menor conforme o sexo e a idade do trabalhador, conforme o seu grau de cultura e de instrução profissional e, em certa medida, segundo a intensidade do trabalho.

A situação da força de trabalho no mercado, a procura do capitalista e a oferta dos operários dependem dum grande número de circunstâncias e, antes de mais nada, naturalmente, do estado geral da indústria e da economia.

Nas etapas de desenvolvimento, quando as velhas empresas se ampliam ou quando se criam novas empresas, a procura de mão-de-obra pode crescer. Mas como qualquer ampliação da produção é, geralmente, consequência dum progresso técnico, a procura de mão-de-obra aumenta muito mais lentamente que a produção. O capitalista introduz uma máquina mais perfeita porque lhe assegura um rendimento de trabalho superior ao da máquina precedente, e também uma maior intensidade de trabalho.

De modo que, se o capitalista duplica a produção da sua empresa, não precisará, com melhores máquinas, de duplicar o número dos operários. Por exemplo, será suficiente que aumente a quantidade de operários em 50 % o que acontece nas etapas de desenvolvimento industrial. Mas, nas condições de anarquia capitalista, crises e depressões sucedem, inevitavelmente, a épocas de prosperidade. Então compreende-se porque a mão-de-obra diminui de repente, em números absolutos. Inclusivamente, o capitalista despede uma parte do seu pessoal.

O numeroso exército dos que deixaram de trabalhar e que vai bater às portas dos capitalistas cria, como se percebe, uma situação tal que o trabalhador que teve a sorte de continuar a trabalhar na fábrica não pode, para não ser despedido, sequer sonhar com o receber o valor integral da sua força de trabalho.

O operário já não pode agora reproduzir a sua força de trabalho. Mas qual o resultado desta situação?

Ao capitalista pouco interessa que um operário vá embora por não estar em condições de trabalhar; existe a reserva dos desempregados que está à espera de o substituir; os desempregados esperam a chamada dos capitalistas para que possam trabalhar, isto é, ser explorados.

A situação do operário, quanto a nível de salário, agrava-se ainda mais pelo facto de o exército de reserva formado pelos desempregados, que está à disposição do capitalista, aumentar continuamente as suas fileiras com elementos que procedem das classes médias da sociedade, e sobretudo do campo e da pequena burguesia. O desenvolvimento do capitalismo, como mais tarde veremos, arruína estes estratos sociais e empurra-os para o proletariado. Como são pouco cultos, como têm exigências relativamente elementares e são débeis na luta contra o capitalista, transformam-se em vítimas e, ao mesmo tempo, contribuem para a diminuição dos salários dos demais operários.

Isto é que explica (juntamente com a substituição relativa e constante dos operários por máquinas) que o desemprego exista não só em épocas de decadência, mas também nos períodos de desenvolvimento normal do capitalismo.

Massas enormes de desempregados não se limitam a procurar trabalho próximo das suas casas. O desenvolvimento das comunicações permite-lhes ir a qualquer parte onde têm a esperança de encontrar trabalho. Em todos os países, os operários das regiões agrícolas deslocam-se para as regiões industriais. Deste modo, na Rússia, um grande número de camponeses muda-se dos campos para Moscovo — e para Leninegrado —, e de maneira mais geral para os subúrbios industriais destas cidades. Os camponeses emigraram em massa das regiões do Volga para Baku, quando nesta cidade se desenvolveu a indústria petrolífera.

A mão-de-obra não se desloca unicamente dentro das fronteiras dum estado: massas de desempregados deixam os países atrasados, onde existe uma numerosa classe camponesa miserável e uma pequena burguesia arruinada, para ir para os países industriais onde a mão-de-obra é insuficiente e melhor paga. O Império Russo, Polónia e Itália, desde há tempo, proporcionavam mão-de-obra à nascente indústria dos Estados Unidos. Nos últimos vinte anos uma nova reserva de força de trabalho se ofereceu ao capitalismo mundial: é o oceano humano do Oriente, da China e, sobretudo, do Japão(1).

Tal é, em geral, a situação da força de trabalho no mercado.

Ainda que o operário e o capitalista se apresentem no mercado ambos como proprietários de mercadorias, um como proprietário da força de trabalho e o outro como proprietário do dinheiro que transformará em salário, sabemos que nesta luta o operário está condenado a perder. Vimos que o capitalista tem o monopólio dos meios de produção, monopólio esse que obriga o operário a vender a sua força de trabalho; falámos do imenso exército de reserva que são os desempregados, que está à disposição dos capitalistas e dispostos a facilitar-lhes a diminuição dos salários. Através das mais variadas medidas para intensificar o trabalho, através do progresso da técnica, através do trabalho à peça, através do trabalho das mulheres e crianças, através do prolongamento da jornada de trabalho, o capitalista tenta diminuir o salário ou, pelo menos, a participação do operário na massa dos valores criados e aumentar, portanto, a mais-valia absoluta ou relativa.

Às aspirações do capitalista opõe-se a resistência dos que vendem a sua força de trabalho, quer dizer, da classe operária. Da força desta resistência podem depender, em certa medida, a participação do operário no produto do trabalho e o salário. Quanto mais débil é a classe operária, menos organizada e menos possibilidades de êxito tem. O capitalista prefere tratar com operários que não estão unidos e que se apresentam cada um por seu lado. Em contrapartida os interesses vitais dos operários levam-nos a organizar-se para lutar juntos contra o capitalista. A moderna empresa capitalista, onde centenas, e às vezes milhares, de proletários trabalham juntos, contribui para os unir. O sindicato é, na história, a primeira forma de associação de operários. Os sindicatos apareceram há duzentos anos no país onde o capitalismo industrial conheceu o seu primeiro desenvolvimento, a Inglaterra, e hoje em dia organizam em quase todos os países do mundo a formidável massa de quase cinquenta milhões de proletários.

É imenso o papel dos sindicatos na luta pelo aumento de salários e pela melhoria das condições de trabalho.

Dos meios de acção que os sindicatos conhecem, a greve é o primeiro.

Os sindicatos, reconhecidos pelo capitalista, esforçam-se por lhe impor o contrato colectivo que fixa as condições de salários, contratação, despedimento de operários, jornadas de trabalho, etc.

Os sindicatos, ajudados pela acção política da classe operária, actuam directamente contra o capitalista ou grupos de capitalistas. No regime capitalista esta acção combinada tem, por vezes, como resultado limitações da jornada de trabalho, do trabalho das mulheres e das crianças, etc.

Mas seja qual for a importância dos êxitos da classe operária na luta pela melhoria das condições de trabalho e aumento de salários, estes êxitos são, há que confessá-lo, de pouco alcance dentro do regime capitalista.

A luta dos operários pela melhoria de vida depara, em primeiro lugar, com um grande obstáculo: os capitalistas detêm, além do poder económico, o poder político, o que não permite aos operários ultrapassar certos limites. À greve os capitalistas opõem o lock-out, isto é, o encerramento das empresas, o que condena os operários à miséria.

O exemplo mais notável neste aspecto foi a greve dos mineiros ingleses, que defenderam durante vários meses, com um heroísmo incomparável, o seu direito à jornada de sete horas e às tarifas em vigor. A burguesia empregou todos os meios possíveis para os vencer. O Governo, o Parlamento, a Igreja, a imprensa, a polícia, a tropa, os emigrados russos brancos e até as organizações sindicais inglesas e seus dirigentes reformistas foram mobilizados pela burguesia nesta luta contra os mineiros. Finalmente, os operários capitularam sob a pressão da fome, da miséria e da traição dos seus próprios chefes. A derrota dos mineiros ingleses deu o sinal para uma nova ofensiva contra a classe operária na Inglaterra e noutros países. E não é preciso ser profeta para prever que a situação da classe operária piorará depois desta luta.

Veremos mais adiante, no capítulo da acumulação capitalista, que existe uma tendência geral para a diminuição da participação dos operários no rendimento social. Com o seu trabalho, os operários criam quantidades sempre maiores de mais-valia; mas a parte dos bens que corresponde aos próprios produtores não deixa de diminuir. O facto de o operário europeu e norte-americano receber hoje em dia um salário superior ao de há cinquenta ou cem anos atrás não está em contradição com a diminuição da participação do operário no total do rendimento, porque a intensidade e o rendimento do trabalho cresceram muito mais e a receita do capitalista cresceu infinitamente mais que a dos assalariados. Um país tão rico como os Estados Unidos dá-nos o exemplo mais surpreendente desta tendência: «O país do capitalismo próspero não escapou a esta tendência para a diminuição da participação da classe operária no rendimento nacional. O prodigioso aumento do rendimento do trabalho do operário obtido na indústria não corresponde ao aumento de salários. Entre 1916 e 1919 o rendimento médio do trabalho de um operário norte-americano aumentou cerca de 30 %, enquanto o salário nominal apenas aumentou 11%(2)»

Já falámos, a propósito da mais-valia, das consequências desastrosas que tem para a classe operária o desenvolvimento da técnica no regime capitalista; e dissemos que, por isso, todas as vantagens de aumento salarial acabam muitas vezes por se reduzir a nada.

Quanto à Europa capitalista do pós-guerra, não só se observa uma diminuição relativa da participação do operário no total do rendimento, mas também uma diminuição absoluta dos salários.

G. Zinoviev indicava na sexta sessão do comité executivo alargado da Internacional Comunista (3) que o salário real dos operários europeus, comparado com o seu salário de antes da guerra, era, em fins de 1925: Inglaterra, 99 %; França, 90 %; Alemanha, 75 %; Itália, 90 %; Balcãs, 50 %. Havia na Europa cinco milhões de desempregados.

Nos dois anos que se seguiram, a situação da classe operária não melhorou. Já mencionámos a ofensiva dos capitalistas ingleses contra a classe operária (imitada por outros capitalistas) depois da derrota dos mineiros. Também analisámos o que a racionalização mais recente traz aos operários.

Temos alguns dados sobre o custo mínimo de subsistência duma família operária e o salário real em Itália e na Polónia.

  Polónia Itália
Custo mínimo de vida (mensal) 350 a 500 zloty 900 a 1000 liras
Salário (mensal) 200 a 300 200 a 700

A mesma diferença observa-se noutros países.

Estes factos demonstram claramente que os operários não obterão uma melhoria radical da sua situação em nenhum país capitalista.

Só com a destruição do regime capitalista e com a passagem a uma nova sociedade, que já não estará baseada na exploração, é que a situação da classe operária pode mudar radicalmente.

Seria um erro concluir do que ficou dito que a luta económica não tem significado no quadro do regime capitalista e que, portanto, os sindicatos são supérfluos. Além do êxito relativo que mencionámos na luta pela jornada de trabalho, por salários, etc., há que assinalar que a própria acção dos sindicatos habitua a massa operária a organizar-se e a lutar, e deste modo prepara-a para a acção decisiva para o socialismo.

A queda do capitalismo, única solução para abrir novas perspectivas à classe operária, aparecer-nos-á com clareza quando examinarmos o problema do salário e do trabalho na URSS.


Notas de rodapé:

(1) Do mesmo modo que hoje em dia a Espanha, Portugal, Polónia, Itália e Hungria proporcionam à França moderna uma parte importante da sua mão-de-obra. Calcula-se em dois milhões o número de operários estrangeiros que trabalham em França. (N. do T./1976) (retornar ao texto)

(2) N. BOUKHARINE, Estabilidade Capitalista e Revolução Proletária. (retornar ao texto)

(3) Em 20 de Fevereiro de 1926. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018
Última alteração 16/08/2018