Conceitos Fundamentais de O Capital
Manual de Economia Política

I. Lapidus e K. V. Ostrovitianov


Livro Primeiro: O Valor Regulador do Regime de Produção de Mercadorias
Capítulo II - A forma-valor e o dinheiro
10. Desenvolvimento da forma-valor. As três formas-valor


capa

Não considerámos até agora mais que uma forma-valor, na qual cada mercadoria só pode exprimir o seu valor noutra mercadoria: o centeio só encontrava valor equivalente em fósforos. Considerámos, é certo, uma libra de centeio como a forma-valor relativa e as duas caixas de fósforos como forma de equivalente, o que era bastante convencional e unilateral. Se o possuidor de centeio só vê nos fósforos a forma de equivalente, o «espelho» em que o centeio deve reconhecer o seu valor, o possuidor dos fósforos considera duas caixas de fósforos como um valor relativo do qual a libra de centeio será a forma de equivalente, isto é, a medida com que os fósforos definirão o seu próprio valor. É naturalmente justo. Mas não deixa de ser verdade que, neste caso, cada mercadoria se opõe a uma única mercadoria pela qual expressa o seu valor. Karl Marx denomina esta forma-valor a forma-valor simples ou acidental. Mas, na realidade, a expressão do valor não termina com ela.

O desenvolvimento das trocas faz com que uma mercadoria se encontre não apenas com uma, mas com um grande número delas. A libra de centeio que hoje se troca por duas caixas de fósforos trocar-se-á amanhã por 2/3 de libra de petróleo ou por 1/10 duma vara de tecidos. Quando uma mercadoria se encontra com um grande número de outras, reconhece o seu valor em diferentes «espelhos» e obtém-se toda uma série de formas-valor simples:

  1. 1 libra de centeio = 1/2 libra de papas;
  2. 1 libra de centeio = 2/3 de libra de petróleo;
  3. 1 libra de centeio = 1/10 de vara de tecidos.

À medida que vai crescendo o número de mercadorias com que se encontra a libra de centeio, e que lhe servem para exprimir o seu valor, vai crescendo o número das formas-valor simples. Mas uma vez que uma mercadoria expressa o seu valor em muitas outras, pode-se expressá-lo assim:

  = 1/2 libra de papas;
1 libra de centeio = 2/3 de libra de petróleo;
  = 1/10 de libra de vara de tecidos.

Diferentes formas-valor simples levam-nos assim a uma nova forma-valor chamada forma-valor total ou desdobrada.

Não é difícil compreender que, apesar desta forma-valor ser mais complexa que a primeira, isto é, apesar de uma forma-valor relativa se expressar aqui em várias formas de equivalentes, a sua essência é a mesma que na forma-valor simples da qual nasceu ao desenvolver-se; também aqui a forma de equivalente tem de representar outro valor de uso; do mesmo modo, aqui a equação só é possível porque todas as mercadorias que entram nela representam trabalho humano abstracto, trabalho socialmente necessário; aqui, finalmente, o mais importante é que a expressão do valor de uma mercadoria noutra não é mais que a expressão material de certas relações de trabalho existentes entre os homens.

A diferença entre as formas-valor simples e total do valor consiste em que a forma-valor total exprime de maneira muito mais clara que a forma-valor simples a transformação de qualquer trabalho concreto num trabalho abstracto, de algum modo indiferente, criador de valor, o trabalho característico da economia baseada na troca: o trabalho do camponês que semeou o centeio não só se compara com o trabalho do fabricante de fósforos (ou do químico), mas também com o trabalho de um número infinito de homens (o trabalho do agricultor, do químico, do jardineiro, do mineiro e de muitos outros) que aparece no mercado como num crisol único. Pode ver-se como o mercado associa e reúne todas as formas particulares de trabalho num trabalho social único.

Mas a expressão do valor não se limita a estas formas-valor simples e totais. A forma-valor total ao desenvolver-se transforma-se numa forma-valor mais elevada, a forma-valor geral.

Já na forma-valor total ou desdobrada se manifesta fortemente a tendência para reduzir todos os aspectos particulares do trabalho social a uma unidade determinada. Mas ainda não há uma unidade completa. Cada mercadoria expressa o seu valor noutras mercadorias distintas. Uma libra de centeio corresponde a quantidades determinadas de fósforos, papas, petróleo, etc. Mas o valor de qualquer outra mercadoria, por exemplo do leite, pode expressar-se através de outras mercadorias diferentes. Assim, obtém-se uma série de equações que expressam a forma-valor desdobrada.

  = 1/2 libra de papas;
1 libra de centeio = 3/4 de libras de petróleo;
  = 2/4 de caixas de fósforos.

 

  = 10 ovos;
1 quarto de leite(1) = 2 libras de carne;
  = 20 caixas de fósforos.

Não é difícil perceber porque é que estas equações não estão completas: toda a mercadoria (o centeio por exemplo) pode encontrar um número infinito de expressões do seu valor, e as expressões do valor do centeio serão diferentes das do leite e das de outras mercadorias.

Se, por exemplo, o camponês decidir trocar directamente hoje o centeio por tecidos e amanhã por fósforos, como poderia saber com a ajuda da forma-valor desdobrada qual destas duas trocas lhe é mais vantajosa? O valor estabelece-se espontaneamente de maneira que a produção diminui quando as trocas são menos vantajosas e aumenta quando são mais vantajosas. Como é que o camponês poderia saber se é mais vantajoso criar vacas e vender o leite ou semear centeio, se ele expressasse o valor do leite em petróleo e o valor do centeio em tecidos?

É evidente que o processo de «nivelação» de todos os aspectos do trabalho e da sua redução a um único trabalho social abstracto, processo que vimos realizar-se na forma-valor simples, e, mais ainda, na forma-valor desdobrada, deve continuar, deve terminar na terceira forma-valor que nasce da forma-valor desdobrada, que é a forma-valor geral.

Nesta terceira forma-valor todas as mercadorias encontram uma só expressão do seu valor. O leite, o centeio e muitas outras mercadorias expressarão, por exemplo, o seu valor em fósforos:

10 libras de centeio = 20 caixas de fósforos
5 libras de papas =
2 liros de petróleo =
1 dúzia de ovos =
2 libras de carne =
3 litros de leite, etc. =

Esta nova forma-valor nasce da forma-valor desdobrada e inclusivamente pode crer-se, ao considerar esta equação, que só difere na inversão dos dois membros: escrevendo «vinte caixas de fósforos» à esquerda do sinal de equivalência e tudo o resto à direita, obter-se-ia a forma-valor desdobrada.

Mas não se trata apenas disto. Na forma-valor desdobrada, uma mercadoria tinha um número infinito de «espelhos», nos quais podia reconhecer o seu valor. A forma-valor relativa era única, as formas de equivalentes eram numerosas. Cada equivalente determinava à sua maneira o valor de uma mercadoria. Em troca, na forma-valor geral, o equivalente geral, o «espelho» de certo modo único, no qual todas as mercadorias se contemplam, é uma única mercadoria, no novo exemplo os fósforos. Na primeira forma (forma-valor desdobrada) cada mercadoria pode tomar infinitos aspectos, na segunda forma (forma-valor geral) todas as mercadorias aparecem sob um único aspecto, todas expressam o seu valor em fósforos. A unidade de todas as partes divididas da economia baseada na troca aparece aqui com mais força. Seja o que for aquilo que produzes, seja nobre ou indigno o teu trabalho, a partir do momento em que é socialmente necessário, o produto deste trabalho quando chega ao mercado exprime o seu valor, como as demais mercadorias, num único equivalente geral: deste modo perde a sua fisionomia própria, transforma-se num valor entre muitos outros e acaba por ser uma parcela do trabalho social único.

A mercadoria que começa por servir de equivalente geral, de «medida comum de valor», começa, parece, a desempenhar um papel muito particular. Vou ao mercado, quero saber quanto custa uma libra de centeio e informei-me de quanto valem duas caixas de fósforos; pergunto quanto custa o litro de petróleo e respondem-me: quatro caixas de fósforos. Os fósforos deixaram de me interessar como fósforos; servem apenas para expressar o valor das demais mercadorias.

Mas devemos ter claro, depois do anterior, que os fósforos só podem ter o papel de equivalente geral porque constituem um valor que materializa certa quantidade de trabalho socialmente necessário.

Portanto, apesar da diferença que existe entre as formas-valor, o conteúdo essencial da forma-valor simples pode comparar-se com as demais formas-valor, não sendo a forma-valor desdobrada e a forma-valor geral mais do que o desenvolvimento da forma-valor simples, como havíamos dito.


Notas de rodapé:

(1) Trata-se aqui do quarto de vedro, medida russa que equivale a treze litros. (retornar ao texto)

Inclusão 26/06/2018