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É pouco encorajador que a maioria da teoria de esquerda não queira admitir a perspectiva radical de crise e crítica e, justamente no limite histórico da sociedade capitalista, se esforce por minimizar o seu carácter fetichista e por se esquivar aos problemas por ele colocados. Para o marxismo do movimento operário, em conformidade com a sua luta pelo reconhecimento burguês na história da ascensão deste modo de produção, a relação de capital reduzia-se à luta de classes imanente, enquanto o contexto formal e funcional socialmente sobrejacente e a conceptualidade de Marx que se lhe refere permaneciam um livro fechado a sete chaves. Se agora, na nova situação histórica, a questão vem a terreiro, o marxismo residual e o pós-marxismo revelam-se os herdeiros desta redução, pois recuam perante a tarefa de continuar a crítica neste sentido, por maioria de razão pegando com pinças nos respectivos conceitos de Marx, vendo a sua importância de preferência como insignificante e pretendendo denunciar a própria referência a eles como “redução”.
Assim ressoa aleivosamente do canto pós-operaista: “A redução ao conceito de fetiche apoia-se em poucas passagens da chamada secção do fetiche do primeiro capítulo de O Capital” (Hanloser/Reitter 2008, 29). Abstraindo do facto de Marx se referir ao conceito de fetiche também nos outros volumes de O Capital e tematizar o problema da dinâmica cega também em outras formulações, é óbvia aqui uma postura fundamentalmente defensiva contra toda uma linha da análise de Marx em O Capital. A Gegenstandpunkt também se opõe com unhas e dentes a que estas definições de Marx sejam agarradas como fulcrais para o conceito de relação de capital. Contra os representantes desta opinião, reclama-se que se trataria “apenas” de “cinco metáforas que se encontram em Marx. Toda a notícia delas consiste no ‘fim em si’ do ‘sujeito automático’ ‘jogado atrás das costas dos participantes’ que por isso são ´máscaras de carácter´. O seu objecto é o ‘fetiche’, ou melhor, ‘a constituição fetichista da sociedade’” (Gegenstandpunkt 1996, 84, destaque da Gegenstandpunkt). Justamente este contexto obviamente não é nem deve ser o objecto destes críticos. Eles viram-se repetidamente contra a “…revalorização (!) de que hoje são objecto as palavras marxianas de ‘fetiche’, ‘consciência necessariamente falsa’ e ‘máscara de carácter’…” (Gegenstandpunkt 2008, 107) e declaram-nas como “erros de interpretação” (ibidem).
O marxismo do movimento operário, na sua recepção redutora talhada à medida das suas necessidades de reconhecimento imanente, tinha sistematicamente “desvalorizado” e reprimido estes termos marxianos na explicação da relação de capital, os quais não são de modo nenhum meras “metáforas” ou “palavras” irrelevantes; e é quase divertido ver como agora a Gegenstandpunkt se vira contra a sua “revalorização”. É esclarecedor o motivo aduzido para este fervor contra os críticos do fetiche: “Eles tomam pela coisa em si os atributos críticos de Marx ao valor, ao dinheiro e ao capital, esquecem a economia (!) e fazem do fetiche, do sujeito automático o criador de todo um mundo de marionetes” (Gegenstandpunkt 1996, 84, destaque da Gegenstandpunkt). Aqui vem à luz do dia a contradição elementar. Para Marx, de facto, os referidos conceitos não são quaisquer “atributos críticos” apostos “à coisa” (que portanto Marx teria apresentado exteriormente à coisa, através do seu pensamento crítico), mas sim “crítica através da exposição” da própria “coisa” em si, ou seja, a essência da “coisa” e pelas suas categorias reais ou “formas de existência” que ele designa reflexivamente. Se este entendimento significa para a Gegenstandpunkt que assim “a economia é esquecida” isso só pode significar que para ela, na realidade, a “economia” é coisa diferente daquilo que surge neste plano da exposição de Marx.
Naturalmente que é ridícula a afirmação de que o assumir destas definições marxianas como centrais significaria “esquecer” a economia. Pelo contrário, apenas com elas é suficientemente explicado o contexto de trabalho abstracto, objectualidade do valor, produção de mais-valia e potencial de crise interno, nomeadamente como subordinação comum de todos os funcionários sociais ao fim em si autónomo e superior da máquina social da valorização. Justamente por isso é que todos os participantes, enquanto pensam e agem nestas funções, são aquelas “máscaras de carácter” ou “personificações” de relações económicas impessoais. Para o marxismo tradicional e com ele para a Gegenstandpunkt, pelo contrário, estas definições constituem apenas uma “camuflagem” da “verdadeira” relação económica, que é reduzida à relação social da representação pessoal do capital e da representação pessoal do trabalho assalariado (em última instância mera relação de vontade directa).
O “sujeito automático” da máquina da valorização dissolve-se assim sub-repticiamente na subjectividade dos interesses da classe capitalista, e o fim em si impessoal objectivado contraposto a todos os participantes e simplesmente irracional, na finalidade subjectiva e supostamente racional da exploração de uns pelos outros.(9) Assim se passa também ao lado do conceito marxiano de “riqueza abstracta” que aponta para o carácter de fim em si fetichista sem qualquer “finalidade racional”. A “riqueza abstracta” surge então apenas como um meio particularmente refinado com que os “dominantes” deitam as unhas à riqueza material concreta para com ela se abotoarem. Determinante neste sentido seria o “interesse material”, cuja forma abstracta não desmentiria esta suposta imediatidade, mas apenas a “esconderia”. As contradições especificamente capitalistas entre os diferentes funcionários da máquina da valorização surgem assim como simples contradição entre “rico” e “pobre”. Os explorados devem simplesmente impor o “materialismo” do seu interesse contra os exploradores, sem que entre em foco como objecto central da crítica a própria forma fetichista deste interesse. Esta forma da vontade é mencionada quando muito de passagem como aquele “atributo crítico” simplesmente exterior, que Marx apenas teria aposto como “metáfora” à verdadeira relação subjectiva de exploração, seja lá o que for que isso quer dizer (no palavreado da Gegenstandpunkt e não só, Marx poderia verdadeiramente ter evitado esta metáfora, como pensam também os positivistas burgueses, de quem aqueles “marxistas” são afinal metodologicamente descendentes).(10)
A Gegenstandpunkt (aqui como representante exemplar deste entendimento) esquiva-se ao problema supondo que a acentuação do carácter de fetiche consideraria os seres humanos incluídos nesta relação apenas como “marionetes inconscientes” cujo colapso objectivo as privaria da crítica emancipatória. Quanto a isto o conceito de simples marionete desde cedo foi rejeitado pela crítica da dissociação-valor num debate interno. A redescoberta e reformulação de um conceito de moderna constituição de fetiche nos anos de 1980 e 1990 tinha de facto assumido traços objectivistas em alguns representantes da velha crítica do valor, que no entanto não ficaram sem resposta.(11)
Não por acaso foi Ernst Lohoff, entretanto parqueado na crítica do valor redutora da Krisis residual, que no início dos anos 1990 veio realmente com a novidade de formular a afirmação objectivista suposta pela Gegenstandpunkt. Foi ele que de modo completamente irreflectido pôs em jogo a metáfora da marionete comandada pelo fetiche: “Mesmo quando as marionetes do valor (!) concorrendo entre si impõem o respectivo interesse (monetário), a sua acção não tem nada de incondicional em si, pelo contrário, representa sempre apenas a execução da lógica já pressuposta do valor” (Lohoff 1991, 88). Mas o facto de a acção ser condicionada não diz nada sobre a relação entre determinação e contingência, enquanto o carácter da condicionalidade não for concretamente determinado, sendo que nunca poderá ser absoluto. Porém, Lohoff não efectua a determinação exacta, pelo contrário, faz desaparecer a vontade e com ela a contingência na condicionalidade e logo na pura determinação, o que ele reitera mais uma vez contra o sociologismo do marxismo tradicional: “Uma vez que toma ingenuamente as marionetes do valor por sujeitos incondicionados e dotados de vontade própria (!), a grelha de percepção positivista tem de imputar a violência do processo social aos seus portadores pessoais” (ibidem, 103). A ingenuidade, se se pretender designar assim o deslize, está inteiramente do lado de Lohoff. Ele deturpa de tal maneira o conceito da relação de fetiche que os indivíduos nela subsumidos são privados de qualquer “vontade própria”. A relação social teria então de existir de facto literalmente fora deles, com o que naturalmente o ponto de vista marxista habitual, incluindo a Gegenstandpunkt, seria perfeitamente justificado ou pelo menos não tão rudimentar. Enquanto o chamado marxismo ocidental e particularmente o operaísmo e pós-operaísmo dissolvem a relação de fetiche numa pura relação de vontade, Lohoff apresenta apenas o reverso da mesma medalha, ou seja, a dissolução numa pura objectividade, literalmente “desprovida de vontade”. Ambos passam ao lado da relação que é preciso tematizar entre relação de fetiche e acções de vontade.
Lohoff tem o descaramento de exemplificar o seu entendimento extremamente objectivista justamente na moderna relação entre os sexos: “Os homens não comandam um regimento patriarcal arbitrário, mas apenas executam (!) nas mulheres a relação fetichista de poder que é pressuposta. A coerção que exercem sobre as mulheres tem o seu fundamento original não na vontade masculina, mas no princípio de síntese social já sempre pressuposto a estes ‘dominadores’” (ibidem, 99). Ora a dominação nunca é de facto um puro “arbítrio”, mas está ligada a um contexto formal social cujo carácter fetichista de modo nenhum consiste em simples “ausência de vontade”. Se o próprio Lohoff fala de uma “relação de poder” esta não é pensável sem acções de vontade; nesse caso o “fetiche” seria então entendido com toda a seriedade como meta-pessoa agindo à parte, que até mandaria as suas “marionetes” distribuir pancada. A violência, sobretudo manifesta, mas mesmo muda ou estrutural, tem de passar por acções de vontade conscientes, pois para além da acção humana não existe qualquer outra instância de suporte da relação social, nem esta constitui qualquer contexto da “primeira natureza”, como uma formação geológica ou uma cadeia alimentar, pelo contrário, apresenta apenas traços análogos, que é preciso decifrar como “aparência real”.
Sendo o próprio momento estruturante inconsciente um resultado de actos de vontade humanos históricos condensado na forma da reprodução, ele não corta a vontade, mas desterra-a para o espaço interno desta constituição autonomizada face aos membros da sociedade. Mas isto é algo completamente diferente do agir de uma “marionete”, pela qual seria necessário alguém puxar para a fazer parecer entrar em acção, enquanto os contextos naturais como tais não incluem qualquer acção de vontade. Do ponto de vista social, pelo contrário, é a própria vontade que, pela determinação da sua forma histórica, cria a objectividade negativa e a ela volta a reagir.
Com isto a relação de vontade já não é qualquer relação imediata, mas sim uma relação mediada pelo contexto formal da máquina de fim em si. Isso nada modifica o facto de se tratar de uma relação de dominação, ainda que ela não se resolva numa vontade subjectiva imediata de exploração e de dominação, mas sejam exercidas funções de dominação por portadores pessoais e institucionais, no sentido da forma da reprodução também contra eles autonomizada. A “reificação” da dominação, no entanto, não revoga a vontade, mas apenas a medeia. O problema, obviamente difícil de pensar, tornou-se não por acaso exemplarmente claro naquela discussão da antiga crítica do valor em primeiro lugar na moderna relação entre os sexos. A falsa reinterpretação de Lohoff da subjectividade burguesa numa simples “marionete” do valor corresponde à classificação da relação entre os sexos como momento secundário: “A tarefa da teoria revolucionária só pode consistir em desenvolver a moderna relação burguesa entre os sexos como momento do contexto de reificação dominante. A crítica do valor, do sujeito automático desta sociedade de modo nenhum precisa de ser completada pela crítica da família e da relação entre os sexos, mas a sua concretização tem de incluir estes planos” (Lohoff, ibidem, 125 sg.). O valor brilha aqui perfeitamente como um ídolo masculino autocrático, perante o qual o homem macho real, mesmo na pretensa crítica, renuncia auto-afirmativamente à sua vontade, como “marionete” dele, surgindo aí puro e no seu auge o entendimento redutor da relação entre os sexos androcêntrico-universalista e na lógica da derivação; como mera “concretização” num plano subordinado.
Com o seu artigo O valor é o homem (Scholz 1992) Roswitha Scholz introduziu então uma nova teoria completamente diferente, em que a relação entre os sexos como relação de dissociação foi retirada desta subordinação androcêntrica e elevada ao mesmo nível de abstracção teórica que o valor, donde resultou o novo entendimento da totalidade da sociedade moderna como uma totalidade desintegrada em vez de coerente. Esta “desagradável surpresa”, até hoje não entendida ou não entendida realmente por muitos críticos do valor toscamente machistas “estabelecidos”, no entanto, não só se referiu ao conteúdo da dissociação sexual, mas ao mesmo tempo abriu uma dimensão de crítica do conhecimento para suplantar a crítica do valor objectivistamente redutora em geral. Esta abordagem permitiu reassumir o conceito de relações de dominação de forma modificada (já não reduzida à imediatidade sem pressupostos da vontade de poder dos actores sociais). Assim se revela também o problema da vontade como carecendo de uma abordagem diferente, não podendo desaparecer num entendimento de “marionetes”.
Por isso, na formulação do seu conceito de dissociação, Roswitha criticou simultaneamente o carácter objectivista da crítica do valor de então: “No conceito assexuado de indivíduo abstracto e ‘puntiforme’, os textos do grupo KRISIS (até aqui) ofuscam o carácter sexual específico da lógica do valor. A minha crítica refere-se também ao facto de que o conceito de patriarcado (e, com ele, o carácter de dominação da relação entre os sexos na forma do valor) é em parte evitado ou mesmo conscientemente negado invocando o carácter fetichista da sociedade das mercadorias... O problema pode culminar na seguinte alternativa: ou o trabalho abstracto e o valor são compreendidos, já em seu nexo constitutivo e portanto em seu núcleo essencial, como princípio masculino, ou se volta a uma hierarquia conceitual em que a distribuição dos papéis sexuais é remetida, como simples ‘problema derivado’ ou de ‘concretização’, a uma correlação secundária” (Scholz 1992, 21, destaque de Scholz).
Nesta crítica o carácter da relação de dominação patriarcal moderna já foi referido de forma modificada ao carácter de fetiche, sem escamotear o problema da vontade: “Nesse contexto, para evitar mal-entendidos que possam surgir do conceito de patriarcado, esclarecemos que, ao falar de dominação masculina, não queremos dizer obviamente que o homem se poste ao lado da mulher constantemente de chicote em punho, para fazer valer a sua vontade. No sentido aventado aqui, a dominação baseia-se essencialmente na internalização de normas sancionadas pela colectividade e na institucionalização… Esse conceito diferenciado de dominação tampouco contradiz o carácter fetichista do valor. Nos debates do grupo KRISIS, ao menos até recentemente, o conceito de fetiche foi frontalmente contraposto ao conceito de dominação e, portanto, ao de patriarcado. Para tanto foi preciso supor um conceito de dominação simplificado e subjectivamente reduzido” (Scholz ibidem, 21). Esta crítica também teve de se virar directamente contra a ideia das “marionetes” de Lohoff: “Sem contar o facto de que a cultura teórica feminista já tenha, em geral, ultrapassado uma noção assim tosca de dominação como a suposta por Lohoff, nota-se aqui que o ‘princípio de síntese social’ é superficialmente contraposto à relação assimétrica entre os sexos… Além disso, (e justamente numa situação histórica em que o embate entre os sexos está na ordem do dia), não é preciso que o homem se ponha a si mesmo em questão com tais figuras argumentativas. Ora, dessa forma ele estará, literalmente, reduzido a uma ‘marionete’ do fetiche do valor” (ibidem, 22).
A condicionalidade da vontade através de formas e relações estruturais não exclui, portanto, a conduta voluntária, pelo contrário, inclui-a; o indivíduo masculino não se move como um robot no campo de controlo da dissociação, mas é preciso exigir-lhe, na tensão desta relação, que a si mesmo se observe e se ponha em questão na sua condicionalidade, o que por sua vez só pode acontecer de forma conscientemente voluntária e exclui a absolutidade de um automatismo. O ensaio de então Dominação sem sujeito (Kurz 2004/1993) constituiu uma tentativa de prosseguir estas reflexões com recurso ao estado de então da teoria da dissociação, incluindo a dimensão de dominação das relações de fetiche para além da relação entre os sexos. Aí também foi submetida a uma forte crítica a ideia das “marionetes” de Lohoff: “À primeira vista, poderia parecer que, com o conceito de constituição de fetiche não só o antigo conceito subjectivo-iluminista de dominação se tornaria obsoleto, mas o próprio conceito de dominação em geral. A destruição do sujeito teria então de ser apreendida no conceito de simples marionete. Um tal abandono imediato do conceito de dominação seria por assim dizer tacticamente inaceitável. Primeiro, ele pareceria fazer os homens esquecer as coerções experimentadas na realidade (e sentidas em todo o seu peso), que se insinuam até nos poros do quotidiano das sociedades-fetiche secularizadas do mercado total e do Estado democrático de direito. Em nada altera o carácter dessa repressão e de ela ser digna de ódio o facto de ela não poder ser remontada a um sujeito determinado, de ela ser ‘estrutural’. Segundo, esse conceito de marionete desculparia de certa maneira a ‘dominação do homem pelo homem’. Assim que se percebe o caráter sem sujeito das determinações sociais, assim que os conceitos de ‘papel’ e ‘estrutura’ descem do Olimpo científico para a consciência quotidiana, eles são instrumentalizados de forma mais ou menos ingénua para justificar e apaziguar os detentores de certas funções de dominação” (Kurz, ibidem, 185 sg.).
Esta crítica foi ainda exemplarmente precisada na objectivação e branqueamento da conduta masculina de dominação e poder no quotidiano das relações entre os sexos: “A autocomplacência do homem compulsoriamente heterossexual e não verdadeiramente interessado em superar a si mesmo, apesar das corteses reverências ao feminismo, é notória quando se afirma que, no fundo, não é ele próprio como pessoa o veículo de certas manifestações autoritárias na relação entre os sexos, mas que ele ‘apenas’ executa, forçado e a contragosto, uma estrutura socio-histórica sem sujeito e superior. Isto é evidente em diversos graus e em expressões implícitas (‘mudas’) ou explícitas de um trabalho de recalcamento masculino pseudo-reflectido” (ibidem, 186).
Entretanto o entendimento extremamente objectivista das “marionetes” da acção no espaço social das relações de fetiche deixou de ser mantido até pelos seus defensores originais, mas sem qualquer revisão crítica. Em vez disso, a evolução regressiva da Krisis residual e da Streifzüge tendia para completar o objectivismo da ligação automática “sem vontade” da consciência, ou para fintá-la, através do rebaixamento a uma metafísica do quotidiano reformadora da vida, que propaga um agir “diferente”, em última instância moral, em pequenos espaços pseudo-experimentais. Este subjectivismo do quotidiano alimentado vitalistamente e invocando “a vida” e “o sentido”, eles próprios de modo meramente abstracto, constitui apenas o reverso da mesma medalha; a relação de fetiche ou o “sujeito automático” e a vontade permanecem aí tão pouco mediados como no objectivismo das “marionetes”. Não se esclarece nada, mas gostariam de fazer desaparecer as próprias pegadas de um pensamento objectivista apenas ideologicamente virado ao contrário, na realidade teoricamente não suplantado. Assim constata o autor da Krisis residual Karl-Heinz Lewed no seu artigo Eine ‘Theory zur Verletzbarkeit von Herrschaft’? [Uma teoria sobre a vulnerabilidade da dominação?] (Lewed 2007, Krisis 30): “(A) descoberta e reformulação da crítica do fetiche de Marx pelos autores da Krisis moveu-se ela própria inicialmente no horizonte teórico de uma totalidade objectivada” (Lewed 2007, 135). Ora, em vez de indicar em que consiste o problema e donde veio a maneira de dizer errada, Lewed acrescenta hipocritamente: “O artigo de Robert Kurz Subjektlose Herrschaft [Dominação sem sujeito], outrora relativamente central na Krisis para a crítica do sujeito… ainda foi formulado nesta perspectiva. O sujeito (masculino) é definido como pura ‘marionete’ (!!) da própria forma social” (ibidem, 135).
O despudorado descaramento com que Lewed falsifica e inverte aqui a discussão teórica no contexto da velha Krisis é realmente notável. Prudentemente não se cita nada do texto Dominação sem sujeito, mas é simplesmente atribuída a este de forma denunciatória uma posição que ele não inclui e pelo contrário critica. Pelos vistos Lewed conta que uma grande parte do público não conheça os textos antigos e que ninguém os vá conferir e mesmo que os atingidos deixem passar impune a sua desavergonhada falsificação da história teórica da crítica do valor. Se assim não fosse, não seria necessário esclarecer que ele procura imputar o conceito de “marionetes” justamente ao texto que tinha contestado esta definição errónea, apoiado na crítica já antes efectuada por Roswitha Scholz e naturalmente não mencionada por Lewed. O verdadeiro autor da tosca ideia das “marionetes”, Ernst Lohoff, é levado para a segurança do esquecimento do seu erro crasso, a fim de imputar este dolosamente logo aos seus críticos e críticas, qual prova falsificada. A singeleza desta é caso para detectives infantis. Mas é assim que a “teoria política” é feita por pessoas que não só tentam enfeitar-se com plumas alheias, mas também procuram colocar nos outros as suas próprias orelhas de burro.
Voltando à acusação da Gegenstandpunkt, de que a teoria radical da crise, com o conceito de fetiche, veria os seres humanos apenas como “marionetes sem vontade”, ela recebe uma boa ajuda de cobertura graças à imputação contrafactual da história teórica da crítica do valor pela Krisis residual; mas o produto desta oficina de falsificação não propriamente profissional volta a cair sobre os seus autores. Na realidade a crítica ao “teatro de marionetes” teórico de Lohoff, que inicialmente partiu da relação de género e depois se generalizou, já apresentava as bases para uma contra-argumentação. O ponto fulcral já então residia desde logo no problema da dominação. Impôs-se, portanto, a ideia de que com o reconhecimento da valorização do valor como o “sujeito automático” da sociedade, o conceito de dominação de modo nenhum se torna obsoleto em geral, pelo contrário, a dominação tem de ser definida de modo diferente; já não como relação de vontade imediata sem pressupostos, mas sim como relação de fetiche determinada historicamente quanto à forma e que não fica absorvida nas acções dos sujeitos. Mas, justamente por isso, a dominação de modo nenhum é um simples automatismo; por isso também a responsabilidade dos portadores da dominação foi tematizada como “funcionários” e não como “robots”.
Ora onde está a diferença decisiva? A vontade não pode ser hipostasiada e tomada em falsa imediatidade como fundamento último, nem inversamente pode ser eliminada sem substituto. Se a vontade consciente é mediada por uma forma social, como tal surgida e pré-determinada inconscientemente, então surge também o paradoxo real de uma “inconsciência consciente”. A acção singular é feita conscientemente, mas a determinação da sua forma sócio-histórica, que de certo modo a orienta, é encontrada inconscientemente. A analogia com processos naturais ou mecânicos apenas poder servir de ilustração crítica, mas não constitui qualquer relação de identidade. Pois, ao contrário do processo digestivo, duma transformação química ou de um processo mecânico, a consciência e a vontade entram no processo formalmente determinado de modo inconsciente a priori; por isso mesmo são acções.
A vontade consciente enfeitiçada nesta forma não é linearmente dirigida, mas está sob as contradições internas do contexto formal e funcional assim constituído, as quais não se movem por si mecanicamente, mas têm de passar através da vontade aprisionada, sendo assim conscientemente processadas. A prisão na forma histórica inconsciente exige portanto um permanente “processamento da contradição” consciente (sobre isto detalhadamente ver Kurz 2007) que produz as formas de desenvolvimento contingente. Neste processamento da contradição já entram sempre construções ideológicas, como contribuições próprias da consciência, por maioria de razão de modo nenhum mecanicamente determinadas. Por outro lado, todos estes modos de agir decorrem na relação coerciva da concorrência universal, que simultaneamente constitui através do seu contexto total cego um processo objectivado na sua constituição e tendência e de certa maneira determinado. Tanto esta determinação objectiva é produzida pela acção dos seres humanos determinada pela forma capitalista e portanto enquanto concorrência descoordenada, como também o é a relativa contingência das formas de desenvolvimento do processamento da contradição como reacção a ela. O que constitui a constituição de fetiche é justamente que o contexto formal e funcional, e portanto o processo global, são objectivamente autónomos, mas em cada situação existem alternativas imanentes de acção. Estas no entanto não só são limitadas, como o seu campo de acção histórico também se vai estreitando até à paralisia histórica, a qual por sua vez tem de ser processada conscientemente; seja em direcção a uma barbarização ideologicamente mobilizada, seja através do romper emancipatório da relação subjacente. Ambas as formas de desenvolvimento pensáveis terão então de abandonar o horizonte das alternativas de acção imanente. Em lado nenhum uma vontade livre, incondicionada e repentina; em lado nenhum uma marionete sem vontade.
É preciso, portanto, em primeiro lugar distinguir três planos:
Em todos os três planos ocorrem acções de vontade conscientes, com orientações alternativas, que no entanto permanecem fechadas na prisão categorial do sujeito automático, ao qual é posto um limite objectivo pela dinâmica cega, ela própria produzida inconscientemente pelas acções desta vontade. Dado que o processo não se desenvolve automaticamente, os portadores das acções de vontade imanentes também devem ser responsabilizados, ainda que em planos diversos e de maneira diferente; isto aplica-se, naturalmente, sobretudo às construções ideológicas projectivas.
O critério da responsabilidade é no entanto insuficiente se se referir apenas a alternativas de acção imanente. O resultado é então uma Realpolitik que em geral e sobretudo na esquerda desemboca na questão do “mal menor”. O conflito em torno das alternativas de orientação e de acção imanentes teve a sua importância na história da imposição, ascensão e desenvolvimento do capitalismo; assim, por exemplo, seria importante mencionar, acerca da mais decisiva mudança de via imanente, que a vitória do nacional-socialismo no período entre guerras naturalmente não foi de modo nenhum objectivamente determinada, mas sim o resultado de padrões de interpretação e de acção ideológicos e políticos imanentes do tratamento da contradição, ainda produzidos no interior de uma dinâmica não esgotada de um surto historicamente sem par de “barbárie organizada” na base da moderna constituição de fetiche. Na situação histórica modificada, oitenta anos depois, desfazem-se as alternativas de acção imanentes a todos os níveis no limite interno objectivo atingido e tendem para um estado de excepção global que desemboca na decomposição da própria constituição capitalista e ameaça conduzir a novas formas de uma “barbárie de dissolução”. Justamente por isso se mostra a paralisação das alternativas de acção imanentes.(15)
Com isto chegamos ao problema decisivo. Estará a humanidade calibrada para o tratamento da contradição imanente ou poderá ir para além disso? O facto de os seres humanos não serem marionetes do fetiche, sendo este pelo contrário reproduzido através das suas acções voluntárias e surgindo aqui permanentemente alternativas de acção, esse facto em si não faz ir pelos ares a “jaula de ferro” (Max Weber) da relação social. A questão, portanto, é saber se se consegue atingir aquele meta-plano da crítica que toma por objecto a própria jaula em si. Teoricamente a questão já está respondida nos seus traços fundamentais. Também relativamente a este meta-plano o fetiche não é o “criador de um mundo de marionetes”. O facto de se tratar de “formas de existência objectivas” e correspondentes “formas de pensamento objectivas” não significa fundamentalmente que este carácter não possa ser reconhecido. A objectividade não é inelutável nem natural, mas sim surgida historicamente e, portanto, também criticável e suplantável. Caso contrário Marx não teria aberto a porta para este conhecimento nem ele poderia ter continuado a desenvolver-se.
Também esta crítica que vai mais longe está historicamente condicionada, na medida em que ela mesma se relaciona com a própria relação de fetiche moderna e só pode ser constituída a partir da digestão das suas contradições internas, não tendo portanto qualquer verdade supra-histórica a reivindicar, pelo contrário, ela própria está ligada ao seu tempo. “Condicionalidade” no entanto é algo completamente diferente de “determinação”. Objectivamente determinada é a crise e o limite interno; a crítica emancipatória à relação social subjacente, pelo contrário, é condicionada, mas não determinada. Esta condicionalidade apresenta-se de forma diferente ao longo da história. Como se prova pela teoria de Marx, o começo de uma tal crítica já foi fundamentalmente possível numa fase relativamente precoce do processo capitalista. A dificuldade estava então em que a máquina da valorização ainda possuía um espaço de manobra de desenvolvimento histórico no qual a necessidade de reconhecimento imanente do movimento operário se ia adaptando, sendo assim reprimida a possibilidade de uma crítica que fosse mais longe. Hoje é o facto de o limite interno estar a ser atingido que estabelece a condição e, por um lado, torna mais clara a possibilidade de uma tal crítica, por exemplo relativamente à manifesta obsolescência do trabalho abstracto. Por outro lado, a dificuldade consiste agora em que a consciência de massas internalizou em todos os actores as formas de fetiche ainda mais profundamente que no tempo de Marx. Não se pode fugir à condicionalidade, mas apesar disso a consciência e com ela a saída não estão determinadas.
“Objectivista” é tomar a objectividade negativa encontrada e socializada como factualidadae positiva e como pressuposto em última instância inultrapassável, que apenas poderia ser “reinterpretado”. A interpretação subjectivista constitui apenas o reverso da mesma medalha, uma vez que simplesmente ignora ou nega esta objectividade negativa, bem como o limite interno a ela aposto, em vez de a criticar radicalmente. Nisso o subjectivismo é tão afirmativo como o objectivismo; ambos os polos se condicionam reciprocamente e se tornam um no outro. Tem de se chamar francamente um descaramento o facto de se imputar justamente à crítica mais desenvolvida da dissociação-valor o entendimento como “marionetes” dos seres humanos que pensam e agem, apesar de ela já no seu nome incluir a negação consciente e voluntária da execução supostamente “automática”. Pelo contrário, é o passar ao lado e o minimizar do conceito de fetiche, no caso da Gegenstandounkt e não só, que gostariam de passar despercebidos ao lado da crítica consciente da relação social subjacente e socialmente sobrejacente.
De resto isto também é válido para a crítica da ideologia. Se Marx define a ideologia como “consciência necessariamente falsa”, com isso já se diz que é possível reconhecer a falsidade desta objectividade. A “necessidade” refere-se apenas à consciência em primeiro lugar presa nas formas dominantes que também pode ser suplantada; por isso ela não é uma consciência absoluta, um automatismo, mas é tão merecedora de crítica e tão criticável como as formas de existência que lhe correspondem.
A tarefa, portanto, é formular a crítica emancipatória às formas de existência e formas de pensamento objectivadas e socialmente sobrejacentes e a partir daí torná-la eficaz nas lutas sociais, a fim de romper conscientemente com esta prisão categorial. Ou, nas palavras da Gegenstandpunkt: trata-se de desenvolver uma vontade contra a forma dominante da vontade e tornar consciente o carácter fetichista desta. O que, no entanto, exige um esforço de reflexão que de modo nenhum está contido já per se na mera existência sob estas relações. A crítica permanece especialmente reduzida e privada da sua dimensão decisiva quando é identificada com a pura “existência” de um “sujeito objectivo” (apresente-se este como tradicional ou pós-moderno) ele próprio constituído no capitalismo: mas, se os seres humanos, como funcionários ou máscaras de carácter do “sujeito automático”, não são totalmente absorvidos em si na sua existência como “marionetes” dele sem vida, bem que permanecem presos neste contexto funcional, se este não for explicitamente feito objecto da crítica. Enquanto as necessidades materiais e sociais apenas puderem ser reclamadas do ponto de vista da subjectividade constituída de forma capitalista e portanto “na” forma da vontade dominante, elas serão regularmente apanhadas pela sua forma negativa e terão de ceder às leis funcionais da máquina da valorização, até à auto-repressão que pode descarregar-se em ideologias de aniquilação. Isso não significa que a luta de interesses social imanente deva ser fundamentalmente negada; mas ela precisa de um ponto de fuga para os objectivos transcendentes de uma crítica radical ao seu próprio pressuposto constituído por aquelas condições de existência objectivadas.
Com isto chegamos ao ponto crucial do “ponto de vista dos interesses” da “classe” (ou da “multitude” ou outras sub-rogações). A raiva contra a sua caracterização como máscara de carácter da componente do capital viva (ou como superfluidade dela) vive exclusivamente do facto de a forma do interesse e da respectiva vontade constituída capitalistamente (forma da mercadoria, forma do dinheiro) ser confundida com o interesse material e social, a ela ser equiparada, ou a diferença ser inflada e deixada em aberto (como no caso da Gegenstandpunkt). Com isto, no entanto, apenas se reproduz a consciência geral, de qualquer maneira existente e socializada, que só consegue imaginar para si uma chamada “boa vida” nestas formas e pretende com unhas e dentes resolver as contradições na concorrência universal.
O interesse assim definido quanto à forma fica ligado à capacidade de acumulação do capital; daí também uma agitação tornada anacrónica, que não quer afastar a consciência associada a ele e justamente por isso roda em falso no limite histórico da valorização. Aos críticos do fetiche é então interpretada a sua crítica como “procedimento etéreo”, “esoterismo” e “arrogância” intelectual, sendo que deste modo, porém, a consciência dos assalariados, precarizados e “supérfluos” neste aspecto está a ser rotulada de incapaz de perceber. No fundo, muitos teóricos marxistas residuais e pós-marxistas, com o seu fervor contra a “revalorização” do conceito de fetiche, pretendem sobretudo rejeitar a relativa “desvalorização” da acção limitada ao contexto formal capitalista, a fim de poderem voltar a “revalorizar” esta como certamente suficiente e com capacidade de emancipação. A falsa atribuição de que a determinação deste agir como mero tratamento da contradição insuficiente significaria reduzir os agentes a “marionetes” do valor deve-se apenas à própria recusa a enfrentar a ruptura com a relação de fetiche moderna.
Notas de rodapé:
(9) Entende-se por si que é assim mesmo que se reproduz a razão iluminista burguesa que não está consciente do seu próprio carácter metafísico real na “transcendência imanente” da relação de capital. A pretensa decifração desta falsa racionalidade, como interesse ordinário egoísta e excluidor dos outros no gozo da riqueza material, é ela própria simplesmente vulgar e assemelha-se ao discurso iluminista sobre a “mentira dos padres”, com que se pretenderia encobrir o interesse desprezível dos poderes pré- ou protocapitalistas. O materialismo vulgar “esclarecido” nunca esteve esclarecido sobre si mesmo. (retornar ao texto)
(10) Este pensamento compreende fundamentalmente mal a afirmação de Marx no capítulo do fetiche de que se trata no caso apenas de “determinada relação social entre os próprios homens” (Marx 1979/1890, MEW 23, 86) que para eles “assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas” (ibidem). O movimento de valorização, como reacoplamento do trabalho abstracto e do valor a si mesmos, é realmente a relação subjacente, que representa uma relação social dos homens no sentido em que são eles que reproduzem através da sua acção esta relação coisal. A “fantasmagoria” é portanto real, enquanto forma em que os seus funcionários humanos estão incluídos. O entendimento redutor gostaria, pelo contrário, de conceber a realidade desta forma fetichista como mero “falso pensamento”, enquanto “por trás” na realidade estaria o interesse ordinário dos capitalistas em regalar-se com a riqueza material (a indústria de desenhos animados da Walt Disney já foi mais longe no tema com a figura do Tio Patinhas). A relação é então reduzida ao conceito de propriedade jurídica formal e assim (à semelhança do que acontece no marxismo tradicional e de outra maneira no pós-operaísmo) ao “poder” subjectivo, nomeadamente “comprar a força de trabalho de outrem, comandando portanto o tempo e o trabalho de outras pessoas” (Gegenstandpunkt, 1996, 108). O real carácter de fim em si da “riqueza abstracta” dissolve-se assim no “poder de disposição do proprietário” (ibidem) e da sua finalidade subjectiva de exploração, a fim de embolsar a parte de leão da riqueza material (já surge aqui implicitamente como última causa a “cobiça” material dos dominantes, que depois volta a ser tematizada com base no capital monetário especulativo, o que Marx já tinha caracterizado como “preconceito popular”). (retornar ao texto)
(11) É conveniente no contexto aqui tematizado voltar a expor nas suas linhas fundamentais o debate sobre o assunto no interior do contexto da velha Krisis já documentado num lugar algo afastado (Kurz 2007). (retornar ao texto)
(12) Por isso há manuais de economia empresarial, concepções divergentes de gestão e uma enchente de “literatura de aconselhamento”, que no seu conjunto incluem um posicionamento conscientemente voluntário sob o ditame geral do “sujeito automático”, pressupondo no entanto este e o seu carácter como condição quase natural. O facto de esta literatura se ter tornado inflacionária aponta para a agudização das contradições na “acção de execução”, que de modo nenhum é automática, no limite interno objectivo da relação social. (retornar ao texto)
(13) Concepções clássicas de processamento da contradição neste caso são, por exemplo, a acentuação alternativa do reforço da acção do mercado ou do Estado (liberalismo e estatismo) em que também os partidos operários e os sindicatos desde sempre se moveram. O facto de estas alternativas imanentes (e as correspondentes orientações voluntárias) se dissolverem em ciclos cada vez mais curtos aponta por sua vez para a agudização e cada vez mais falta de saída no tratamento da contradição politico-económico, ao qual também está subjacente de um modo particular a relação de dissociação sexual. (retornar ao texto)
(14) Ideologizados e construídos como visão do mundo são os interesses contraditórios formalmente determinados dos diferentes funcionários, onde a ontologia do trabalho do marxismo tradicional pode ser decifrada como ideologia do trabalho assalariado auto-afirmativo, da componente viva do capital (capital variável em Marx). Também as concepções alternativas do tratamento da contradição são ideologicamente infladas, enquanto a relação de dissociação se exprime em ideologias sexistas. Ideologias projectivas de ódio, como racismo, anticiganismo e anti-semitismo, podem ser entendidas nos seus diferentes cunhos históricos como reacção consciente às relações de concorrência, às rejeições sociais, às crises, mas também como falsa tematização irracional da constituição de fetiche. A sociologia da ciência criou um conceito positivista e neutro de ideologia, como se pode ver também em Althusser. Segundo ela as ideologias são a expressão necessária e não a ser transcendida de determinadas situações sociais, cuja determinação formal e contexto constitucional em geral não aparecem. Um conceito crítico de ideologia (e, portanto, a crítica da ideologia como postulado) só é possível do ponto de vista da crítica de todo o contexto formal e funcional subjacente à máquina da valorização e suas agências. (retornar ao texto)
(15) Por isso se desfazem também todas as opções de “mal menor” e de realpolitik a elas associadas, que vêm sendo criadas desde o Linkspartei até aos “anti-alemães”, as quais pressupõem todas a continuação da lógica da valorização e justamente por isso têm de condenar a teoria radical da crise. Por isso constituem, queiram ou não, parte integrante da administração da crise, que não consegue ser sustentável por muito tempo. Se, porém, as alternativas de acção imanentes na sua orientação fundamental se tornam igualmente sem saída e dos diversos lados já só conseguem promover por igual a barbarização, também a questão da responsabilidade se coloca de forma diferente, nomeadamente no que respeita à capacidade de crítica categorial do contexto formal fetichista e mesmo da sua “razão”. (retornar ao texto)