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Primeira publicação: Excerto do artigo A degeneração do revisionismo moderno em social-democracia, publicado no jornal Zëri i Popullit, número 83 (4865), de 7 de abril de 1964.
Fonte: Ç’përfaqëson socialdemokracia e sotme?, Obras Escolhidas, volume III, 1980, edições inglesa, pág. 523-531, e espanhola, pág. 551-560, Casa de Publicações “8 Nëntori”.
Tradução e HTML: L. C. Friederich.
A social-democracia atual é sucessora direta da traiçoeira 2ª Internacional. Herdou toda a bagagem ideológica, organizativa e tática dos partidos da 2ª Internacional. Os social-democratas deram início à sua traição ao abandonar os ensinamentos básicos do marxismo-leninismo, que consideram ultrapassados e inúteis; ao renunciar à luta de classes e substituí-la pela “teoria” da harmonia e conciliação de classes; ao negar a revolução e substituí-la pelas reformas dentro da ordem capitalista; ao abandonar a via revolucionária e substituí-la pela via pacífica, democrática e parlamentar; ao negar a imprescindível necessidade de destruir o velho aparato estatal burguês e ao aceitar o Estado capitalista como meio de transição ao socialismo; ao negar a ditadura do proletariado e substituí-la pela democracia pura e universal; ao afastar-se do internacionalismo proletário e tomar plenamente as posições do nacional-chauvinismo, da unidade aberta com a burguesia imperialista.
Desmascarando a traição dos velhos social-democratas, Lênin escreveu no seu livro “Que fazer?”:
A social-democracia deve transformar-se de partido da revolução social num partido democrático de reformas sociais. Esta reivindicação política foi apoiada por Bernstein com toda uma bateria de “novos” argumentos e considerações bastante harmoniosamente orquestrados. Foi negada a possibilidade de fundamentar cientificamente o socialismo e de demonstrar do ponto de vista da concepção materialista da história a sua necessidade e a sua inevitabilidade; foi negado o fato da miséria crescente, da proletarização e da exacerbação das contradições capitalistas; foi declarada inconsistente a própria concepção do objetivo final e rejeitada categoricamente a ideia da ditadura do proletariado; foi negada a oposição de princípio entre o liberalismo e o socialismo; foi negada a teoria da luta de classes, por pretensamente não ser aplicável a uma sociedade estritamente democrática, governada de acordo com a vontade da maioria, etc.(1)
Ao embarcar neste caminho, a social-democracia se tornou uma defensora fiel da ordem capitalista, uma serva da burguesia, o mais importante apoio ideológico e político da burguesia dentro do movimento operário. Ajudou a burguesia a oprimir e explorar os trabalhadores de seu próprio país e os povos de outros países, a sufocar o seu movimento revolucionário e de libertação.
Demonstrou-se na prática — diz Lênin — que os elementos dentro do movimento operário pertencentes à tendência oportunista são melhores defensores da burguesia que os próprios burgueses. A burguesia não poderia manter-se se eles não dirigissem os operários.(2)
Mas a social-democracia atual foi ainda mais longe na sua traição em comparação com o período da 2ª Internacional. No período atual, ela se caracteriza por uma guinada à direita cada vez maior.
Começando em 1955, os partidos social-democratas da Europa Ocidental, como o Partido Trabalhista do Reino Unido e os partidos social-democratas da França, Áustria, Suíça, Holanda, Luxemburgo, Alemanha Ocidental e dos países escandinavos, mudaram seus programas ou se dedicaram a elaborar novas posições programáticas. O que caracteriza esses programas e novas posições programáticas? Caracterizam-se pela mistura eclética das velhas teorias oportunistas com as teorias burguesas “modernas”, pela renúncia definitiva a todos os princípios e ideais do socialismo, pela defesa aberta do sistema de exploração capitalista e pelo seu anticomunismo ferrenho.
Se os velhos reformistas admitiam, ainda que somente da boca para fora, a instauração do socialismo como objetivo final, os social-democratas atuais, por sua vez, renunciaram abertamente a esse objetivo. Dizem ser a favor do dito socialismo democrático, que nada tem em comum com o verdadeiro socialismo científico — é a sua negação, a sua substituição por algumas reformas liberais burguesas que não ameaçam de maneira nenhuma as bases da sociedade capitalista. Como se pode falar de socialismo quando inúmeros programas social-democratas descartaram até mesmo a exigência mais básica do socialismo da liquidação da propriedade privada dos meios de produção?
Depois da conhecida declaração da Internacional Socialista sobre os “Objetivos e tarefas do socialismo democrático” de 1951, os novos programas direcionam a classe operária não contra o capitalismo, e sim contra o capitalismo desenfreado. A nacionalização de algumas empresas pelo Estado burguês, a instituição do capitalismo monopolista de Estado, a intervenção do Estado capitalista na vida econômica do país e a implementação de algumas reformas democrático-burguesas presentes nos programas e declarações dos social-democratas são apresentadas como fatos que provam que as bases do socialismo foram supostamente assentadas em alguns países capitalistas. Ao mesmo tempo, negam o caráter socialista das transformações nos países socialistas. Dessa maneira, repetem direta ou indiretamente as teorias burguesas em voga sobre o capitalismo popular, controlado, democrático, e assim por diante.
Esse abandono dos princípios do socialismo pelos social-democratas e a sua defesa do capitalismo foram aplaudidos pela imprensa reacionária burguesa mais de uma vez. Em um editorial de destaque intitulado “O enterro do marxismo”, o jornal Washington Post and Times Herald escreveu:
Oitenta e quatro anos depois da sua fundação no histórico congresso de Gotha, o Partido Social-Democrata da Alemanha, no seu congresso em Bad Godesberg, renunciou à ideologia marxista e, de fato, deixou de ser socialista no verdadeiro sentido da palavra. Reconciliou-se com o princípio da “livre iniciativa privada onde for possível” na vida econômica.
Os novos programas dos partidos social-democratas deixaram de fora as contradições, o antagonismo e a luta de classes, apagaram as linhas divisórias entre oprimidos e opressores, entre explorados e exploradores. Em vez da luta de classes, pregam o senso de responsabilidade da humanidade em geral. Assim diz o Partido Social-Democrata da Alemanha:
“A liberdade e a democracia na sociedade industrial só são possíveis se o máximo de indivíduos elevarem sua consciência social e se mostrarem dispostos a compartilharem responsabilidades. Os social-democratas defendem a solidariedade e a harmonia de toda a humanidade.” de modo a alcançar seu objetivo “acima de classes” — o “socialismo democrático”.
Visto que o socialismo democrático não afeta nem um pouco as bases da ordem capitalista, sendo um tipo de capitalismo reformado, é natural que não haja qualquer necessidade de revolução socialista. De acordo com eles, o socialismo democrático virá da evolução econômica espontânea, da limitação das prerrogativas e do poder dos monopólios com a ajuda do próprio Estado capitalista. Não obstante, para alcançar esse ideal é preciso que os social-democratas cheguem ao poder, e a única maneira de conseguir isso é através de campanhas eleitorais para ganhar a maioria dos votos do parlamento burguês. Elogiando a declaração da Internacional Socialista sobre os “Objetivos e tarefas do socialismo democrático”, um dos seus líderes, Braunthal(A), disse que essa declaração “põe um fim à discussão sobre a ditadura do proletariado”, “exclui a luta revolucionária de classes como método para a realização do socialismo”, e “rejeita a adesão a qualquer teoria socialista”.
Os partidos social-democratas cortaram todas as relações com o marxismo-leninismo, com a teoria do socialismo científico e com a visão de mundo materialista. O programa do Partido Socialista da Áustria diz que “o socialismo é um movimento internacional que não exige necessariamente identidade de pontos de vista. Independentemente da origem dos seus pontos de vista — quer sejam de uma análise marxista, quer sejam de outra análise social, de princípios religiosos ou humanitários—, todos os socialistas visam um objetivo comum.” Ao discursar no Congresso do Partido Social-Democrata da Alemanha em Bad Godesberg, o seu ex-líder E. Ollenhauer(B) disse: “A exigência de fazer do programa político de K. Marx e F. Engels o conteúdo do programa social-democrata de 1959 é inimaginavelmente antimarxista”, e acrescentou: “Não seremos compreendidos se falarmos a linguagem do passado, não podemos resolver os problemas de hoje com nossas velhas concepções.”
A social-democracia não só caiu há muito nas posições do idealismo filosófico e não só defende o idealismo hoje, como também tenta se apoiar sobre e até mesmo se fundir com a sua forma mais extrema: a religião. Por exemplo, os programas da social-democracia alemã, austríaca, suíça, entre outras, afirmam que o socialismo democrático tem raízes na ética e doutrina cristã, que o socialismo e a religião, longe de serem incompatíveis, estão em perfeita harmonia. Ao discursar no Congresso do Partido Socialista da Áustria de 1958, o autor do novo programa, B. Kautsky(C), disse: “Queríamos elaborar um programa que pudesse ser defendido integralmente tanto por marxistas quanto por não marxistas, tanto por ateus quanto por socialistas crentes.” Uma tentativa parecida de reconciliar o cristianismo com o socialismo, a visão de mundo idealista religiosa com a visão de mundo materialista científica, foi feita por Guy Mollet(D) na entrevista dada ao correspondente do jornal italiano l‘Unità, que foi publicada em 22 de fevereiro deste ano.
Em geral, são essas as visões ideológicas da social-democracia atual. O que devemos destacar é que, como sempre, os seus programas são mais esquerdistas do que as suas atitudes. Se no discurso os socialistas de direita ainda tentam se passar por socialistas para enganar os trabalhadores, na prática eles se tornaram defensores fiéis da ordem capitalista há muito tempo. Quer estejam na oposição, quer estejam à cabeça ou ao lado dos governos burgueses, os líderes da social-democracia, com todos os seus pontos de vista e atitudes, servem para preservar e fortalecer a ordem burguesa. Toda a demagogia socialista da social-democracia atual foi desmascarada pela própria prática. Os socialistas estiveram mais de uma vez à cabeça de governos burgueses, como na Inglaterra, na França, etc. Estão até hoje à cabeça ou ao lado dos governos de muitos países capitalistas. Mas o que eles fizeram pelos trabalhadores, pelo socialismo? Nada mais do que seguir a recomendação de Léon Blum(E) de que, quando no poder, os socialistas devem ser “gestores leais da sociedade capitalista”.
Reflitamos brevemente sobre a atividade do Partido Socialista da França e do seu dirigente Guy Mollet, que mais de uma vez integrou e até mesmo presidiu o governo francês, homem este que os revisionistas apresentam como um elemento de esquerda e com o qual dialogam cordialmente. Quando chefiavam o governo, os socialistas franceses soltaram os cachorros para cima de trabalhadores grevistas, instigaram a infame guerra na Indochina, promoveram a repressão policialesca aos povos das outras colônias, conduziram e reforçaram a guerra contra o povo argelino, aprovaram o Tratado do Atlântico Norte e o rearmamento da Alemanha Ocidental. O governo de Guy Mollet assinou os tratados do Mercado Comum Europeu e do Euratom e foi um dos organizadores da agressão militar contra o Egito; a traição de Guy Mollet abriu alas para o poder pessoal na França, e assim por diante. Ao falar da atividade do governo de Guy Mollet, até mesmo o semanário trabalhista Tribune escreveu no começo de 1957 que “Mollet é uma vergonha tanto para a França quanto para o socialismo”.
Essa é a verdadeira face traiçoeira da social-democracia atual. Não é à toa que inúmeros representantes da burguesia enfatizaram o grande papel dos partidos social-democratas na repressão de movimentos operários revolucionários e na defesa da ordem capitalista, cobrindo-os de elogios. A título de exemplo, T. Junilla, diretor de um banco capitalista na Finlândia, declarou: “Na luta para ganhar a consciência dos operários industriais, somente os social-democratas podem servir como uma força poderosa contra os comunistas. Se a social-democracia perder esta batalha, isso pode muito bem ser o fim da democracia na Finlândia. É por isso que eu, um burguês conservador, me sinto obrigado a dizer que precisamos de um partido social-democrata unido e militante que defenda a democracia nórdica.” Do mesmo modo, o jornal burguês britânico Financial Times escrevia a 28 de junho de 1963: “os industriais têm tido menos medo dos trabalhistas, alguns até pensam que um governo trabalhista traria melhores perspectivas de desenvolvimento que os tories.”
Precisamente porque os social-democratas são agentes da burguesia no movimento dos trabalhadores, os marxistas-leninistas sempre tiveram claro que, sem uma luta apropriada para desmascarar e esmagar ideológica e politicamente a social-democracia, a classe trabalhadora não poderá desenvolver com êxito a sua luta e alcançar a vitória.
O fato — diz Lênin — é que os “partidos operários burgueses”, como fenômeno político, se formaram já em todos os países capitalistas avançados, que sem uma luta decidida e implacável em toda a linha contra estes partidos — ou grupos, correntes, etc., tanto faz — nem sequer se pode falar de luta contra o imperialismo ou de marxismo ou de movimento operário socialista.(3)
J. V. Stálin, como revolucionário e marxista coerente, também enfatizou:
Lênin tinha mil e uma vezes razão quando dizia que os atuais políticos social-democratas são os “verdadeiros agentes da burguesia dentro do movimento operário, os lugares-tenentes operários da classe capitalista” e que, na “guerra civil entre o proletariado e a burguesia”, se colocariam inevitavelmente “ao lado dos versalheses contra os comunardos”.
Não se pode acabar com o capitalismo sem acabar com o social-democratismo dentro do movimento operário. Por isso, a era da agonia do capitalismo é, ao mesmo tempo, a era da morte lenta do social-democratismo dentro do movimento operário.(4)
Igualmente, a Declaração de Moscou de 1960 — destacando que “os líderes direitistas da social-democracia tomaram abertamente as posições do imperialismo, defendem o sistema capitalista e dividem a classe operária” e são “inimigos do comunismo” — convocou os comunistas a continuarem a luta para desmascará-los.
Entretanto, os revisionistas modernos, com o grupo de Khrushchov à cabeça, renegados e inimigos do marxismo que são, atuam em total oposição aos ensinamentos de Lênin e Stálin, às instruções da Declaração de Moscou: seguem a linha da unidade e da fusão com os líderes direitistas da social-democracia. Isto não é coincidência. A social-democracia atual e os revisionistas modernos têm muitas coisas em comum que os ligam, caminham na mesma direção e com um objetivo contrarrevolucionário comum.
Referências:
(1) LÊNIN, Vladimir Ilitch. Que fazer?: problemas candentes do nosso movimento. 1902. Tradução das Edições “Avante!”, 1977, p. 6. (retornar ao texto)
(2) LÊNIN, Vladimir Ilitch. II Congresso da Internacional Comunista. 1920. Tradução das Edições “Avante!”, 1977. (retornar ao texto)
(3) LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Imperialismo e a Cisão do Socialismo. 1916. Tradução das Edições “Avante!”, 1983. (retornar ao texto)
(4) STÁLIN, Josef Vissarionovitch. Caráter Internacional da Revolução de Outubro. 1927. Tradução da Revista Problemas, 1950. (retornar ao texto)
Notas do tradutor:
(A) Julius Braunthal (1891-1972) — historiador, editor e político austríaco, secretário-geral da Internacional Socialista entre 1951 e 1956. (retornar ao texto)
(B) Erich Ollenhauer (1901-1963) — político alemão, líder do Partido Social-Democrata da Alemanha entre 1952 e 1963, presidente da Internacional Socialista em 1963. (retornar ao texto)
(C) Benedikt Kautsky (1894-1960) — economista austríaco, autor do programa do Partido Socialista da Áustria e co-autor do programa do Partido Social-Democrata da Alemanha, filho de Karl Kautsky. (retornar ao texto)
(D) Guy Mollet (1905-1975) — primeiro-ministro francês entre 1956 e 1957, membro do Partido Socialista da França. (retornar ao texto)
(E) Léon Blum (1872-1950) — primeiro-ministro francês entre 1936 e 1937, em 1938 e entre 1946 e 1947, membro do Partido Socialista da França. (retornar ao texto)