Comunistas e Católicos: do confronto ao diálogo

Giocondo Dias

1981


Primeira publicação: Jornal A Voz da Unidade, edição 58, 29 de maio a 4 de junho de 1981.
Transcrição: Lucas Silva.
HTML: Lucas Schweppenstette.

Historicamente as relações entre comunistas e católicos revestiram-se de um caráter tenso em extremo: na prática social, uma larga coincidência de reivindicações era obscurecida por mútuo sectarismo e dogmatizada por questões de princípios invocadas indevidamente.

A convergência de requisições de grande significado – fraternidade, justiça social, solidarismo – desaparecida em face de inoportunos apelos ao passado histórico da Igreja Católica, por parte dos comunistas, e de um falso dimensionamento dos erros destes em conjunturas particulares, do lado dos católicos. E a real incompatibilidade filosófica entre marxismo e qualquer gênero de teísmo era transformada em antagonismo político-social entre os dois interlocutores.

A problemática do mundo contemporâneo acabou por revelar tanto o equívoco quanto o anacronismo deste confronto. Ás dramáticas questões postas pelo curso do desenvolvimento histórico no período posterior à Segunda Guerra Mundial somaram-se, da parte comunista, o renascimento do marxismo (após o XX Congresso do PCUS e seus desdobramentos) e, do lado católico, a emergência de interpretações teológicas comprometidas com processos de mudança social. Este duplo movimento alcançou um estágio qualitativamente novo nos anos sessenta: as relações entre comunistas e católicos elevaram-se para o nível do diálogo.

No plano teórico, parece-nos que o diálogo – aliás atual no Brasil dos dias correntes – deve ser construído à base de mútuo respeito por posições que se sabem diferentes: o objetivo de cada interlocutor não pode ser a “conversão” do outro, mas extrair das posições contrárias elementos para enriquecer e aprofundar as suas próprias, numa lúcida atitude de questionamento e autocrítica.

No plano prático, sem escamotear divergências quanto a projetos sociais de maior amplitude histórica, a intervenção conjunta de comunistas e católicos está na ordem do dia. A experiência da vida política brasileira, nos últimos anos, provou cabalmente que esta ação comum não só é possível como desejável: combater o terrorismo social do capitalismo dependente, expresso politicamente na ditadura e no fascismo, e o seu terrorismo econômico, manifesto na miséria e na marginalização das massas, exige a unidade de esforços.

A prática da resistência democrática foi fecunda para os comunistas, libertos dos dogmas, e para os católicos, empenhados em alterar a condição dos pobres e oprimidos. Os primeiros compreenderam definitivamente que o engajamento dos católicos no combate pela democracia amplia o arco de forças que luta pela justiça e pelo progresso social. Os católicos reconheceram, no dia a dia, que há uma indiscutível congruência entre a nossa perspectiva socialista e os anseios evangélicos de justiça, fraternidade e plenitude espiritual.

É preciso, resgatando o legado desta prática, recuperá-la e aprofundá-la. É necessário explicitar que esta exigência é colocada pela própria realidade: o Brasil justo e democrático que pretendemos construir, na transição socialista, pertence e será obra de todos – comunistas e católicos (e não só dos católicos progressistas: urge estabelecer um diálogo honesto com todas as diferenciadas tendências da comunidade católica). O que é fundamental, todavia, é deixar claro que as relações entre os comunistas e católicos não podem ser instrumentais. Devem, têm que passar pelo profundo respeito pela identidade de cada um dos intervenientes.

O partido comunista não é uma igreja, assim como a igreja não é um partido político. Um católico, sem romper com a sua comunidade religiosa, deve encontrar no partido um clima de liberdade: um comunista, atuando junto de organizações católicas, não deve ser discriminado.

O trabalho conjunto de comunistas e católicos, no Brasil, hoje, não é uma petição de princípio, abstrata ou idealista. É uma exigência do processo histórico. E que, felizmente, já conta com o respaldo da experiência dos anos recentes. Sem se confundir institucionalmente, partido e comunidade religiosa têm um amplo espaço comum a ser explorado. E da exploração deste espaço depende, em larga medida, o perfil do Brasil do futuro.


Inclusão: 20/09/2023