MIA> Biblioteca> Deng Xiaoping > Novidades
Primeira Edição: Excerto de uma conversa com Frank B. Gibney, Vice-presidente do Comitê de Compilação da Encyclopaedia Britannica dos Estados Unidos, Paul T. K. Lin, diretor do Instituto da Ásia Oriental da Universidade McGill do Canadá, e outros.
Trandução: Abner Garcia Castanho a partir da versão disponível em https://dengxiaopingworks.wordpress.com/2013/02/25/we-can-develop-a-market-economy-under-socialism/
HTML: Abner Garcia Castanho.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
Frank B. Gibney: Durante um longo período de tempo, a China permaneceu fechada aos Estados Unidos. Para um país como o primeiro, é realmente um grande desafio alcançar uma modernização rápida. Parece que vocês devem realizar uma nova revolução.
Deng Xiaoping: A modernização de fato representa uma grande nova revolução. O objetivo dela é liberar e expandir as forças produtivas. Sem expandir as forças produtivas, tornando nosso país próspero e poderoso, e aumentar os padrões de vida do povo, nossa revolução é só conversa vazia. Nós somos contra a velha sociedade e o velho sistema porque eles oprimiam o povo e mantinham as forças produtivas presas. Nós temos por claro esse problema agora. A Camarilha dos Quatro dizia que é melhor ser pobre sob o socialismo a ser rico sob o capitalismo. Isso é um absurdo.
É fato que não queremos o capitalismo, mas também não queremos ser pobres sob o socialismo. O que queremos é o socialismo no qual as forças produtivas são desenvolvidas e o país é próspero e poderoso. Nós acreditamos que o socialismo é superior ao capitalismo. Essa superioridade deve ser demonstrada no fato de que o socialismo permite condições mais favoráveis à expansão das forças produtivas do que o capitalismo. Essa superioridade deveria ter se tornado evidente, mas, devido às nossas discordâncias no que diz respeito a isso, o desenvolvimento das forças produtivas foi atrasado, especialmente durante os últimos dez anos até 1976. No início da década de 1960, a China estava atrás dos países desenvolvidos, mas a diferença não era tão grande como agora. Durante 11 ou 12 anos, do fim da década de 1960 até a década de 1970, esse hiato aumentou porque outros países têm desenvolvido vigorosamente suas economias, ciência e tecnologia, com a taxa de desenvolvimento não mais sendo calculada em questão de anos, nem mesmo de meses, mas em questão de dias. Durante um longo período de tempo desde a fundação da República Popular, nós ficamos isolados do resto do mundo. Por muitos anos, esse isolamento não era nossa culpa; pelo contrário, as forças internacionais antichinesas e antissocialistas nos confinaram num estado de isolamento. Entretanto, quando as oportunidades de aumentar o contato e a cooperação com outros países se apresentaram a nós, na década de 1960, nós nos isolamos. Finalmente, aprendemos a fazer uso das condições internacionais favoráveis.
Devemos realizar as quatro modernizações. Para alcançar esse objetivo, devemos nos apoiar em nossos próprios esforços, em princípios e políticas corretas, e em medidas específicas eficazes. Algumas pessoas duvidam se podemos concluir o esforço de modernização e nos perguntam até que ponto nós podemos alcançá-las. Desfrutamos de quatro condições favoráveis para atingir esses objetivos. Quais sejam:
Em primeiro lugar, nós temos recursos naturais abundantes. A China é um país com um vasto território e abundantes recursos energéticos e minerais, incluindo quase todos os metais ferrosos, não ferrosos e raros. Se esses recursos forem explorados, produzirão um grande poder econômico.
Em segundo lugar, ao longo dos últimos 30 anos, apesar das loucuras que cometemos, estabelecemos uma base material preliminar para a indústria, agricultura, ciência e tecnologia, criando assim uma base para a realização das quatro modernizações. Temos agora mais de 2 milhões de máquinas-ferramentas e produzimos mais de 100 milhões de toneladas de petróleo, mais de 600 milhões de toneladas de carvão e mais de 30 milhões de toneladas de aço anualmente. Em resumo, lançamos as bases materiais para a realização dessas modernizações.
Em terceiro lugar, acreditamos que o povo chinês é apto. Por cerca de dez anos, os grilhões mentais impostos por Lin Biao e pela Camarilha dos Quatro prendeu o pensamento das pessoas e as impediu de colocar sua sabedoria e criatividade à prova. Mas agora estamos encorajando as pessoas a emanciparem suas mentes e reiterando a política de “deixar cem flores desabrocharem e cem escolas de pensamento se enfrentarem”, como proposto pelo Presidente Mao Zedong, a fim de criar as condições necessárias para despertar a iniciativa do povo chinês e trazer sua inteligência e sabedoria à plena atividade. Estamos fortalecendo e promovendo a democracia para o mesmo objetivo. Mas algumas pessoas confundem nossa democracia em expansão com a defesa da anarquia. Na verdade, a anarquia foi praticada nos dias de Lin Biao e da Camarilha. O desenvolvimento está fora de questão sob a anarquia. Se você tivesse vindo à China nos anos 50 ou no início dos anos 60, você teria descoberto que nossa conduta social era boa. Durante esses tempos difíceis, as pessoas observaram a disciplina, levaram em consideração a situação geral, combinaram o interesse pessoal com os interesses gerais do coletivo, do Estado e da sociedade, e conscientemente superaram as dificuldades com o governo. Foi desta forma que passamos pelos três anos de dificuldades econômicas que começaram em 1959. No entanto, Lin Biao e a Camarilha corromperam completamente esta boa conduta social. Agora, a "Muralha Xidan" em Pequim tem sido por um tempo um lugar onde essas pessoas, que não trabalham, muitas vezes criam distúrbios. Elas são perniciosamente influenciadas pela ideologia da Camarilha e se reúnem para criar problemas e até mesmo para se envolver em espionagem. Embora algumas delas sejam bem intencionadas, na verdade estão imbuídas da ideologia desse grupo. Eles praticam o ultra-individualismo e a anarquia. Embora estes jovens sejam poucos em número, eles têm uma enorme influência. Adotamos uma atitude séria em relação a eles com o objetivo de educar a geração mais jovem. Portanto, afirmamos que, ao mesmo tempo em que fortalecemos a democracia, devemos melhorar o sistema jurídico socialista. Devemos emancipar nossas mentes e restaurar a boa conduta social que prevaleceu por muito tempo. Vamos tentar despertar plenamente a iniciativa do povo para realizar as quatro modernizações, mas temos uma precondição, ou seja, precisamos criar uma situação política caracterizada pela estabilidade e unidade social. Enquanto isso, devemos também prestar atenção ao treinamento do pessoal. Por muitos anos, temos negligenciado a pesquisa científica e a educação, resultando em grandes perdas nesta área. Portanto, devemos fortalecer a ciência e a educação, descobrir pessoal capaz e fazer bom uso deles. Para resumir, devemos despertar a iniciativa de nosso povo. Enquanto pusermos em prática a sabedoria e a inteligência do povo, a China tem grandes esperanças.
E em quarto lugar, para realizar as quatro modernizações, devemos seguir a política externa correta de abertura para o mundo exterior. Embora confiemos principalmente em nossos próprios esforços, em nossos próprios recursos e em nossas próprias bases para realizar as quatro modernizações, seria impossível atingirmos este objetivo sem a cooperação internacional. Devemos fazer pleno uso das realizações científicas e tecnológicas avançadas de todo o mundo e também do financiamento potencial do exterior para que possamos acelerar as quatro modernizações. Esta oportunidade não existia para nós no passado. Mais tarde, quando as condições mudaram, falhamos em aproveitá-las por algum tempo. Já é hora de aprendermos a utilizá-las.
Os princípios e objetivos das quatro modernizações foram formuladas pelo Presidente Mao Zedong e pelo Premiê Zhou Enlai, mas dada a interferência da Camarilha, nós não pudemos efetivamente implementá-las. Depois da queda dessa, fizemos grandes esforços para resolver os numerosos problemas que eles causaram. Foi apenas no ano passado que começamos a mudar nosso foco para o caminho da modernização.
Qual é a principal tarefa política para a China? A conquista das quatro modernizações. Durante o esforço para tal, estamos obrigados a resolver problemas complicados e a encontrar dificuldades. Por exemplo, nossos departamentos estão sobrecarregados de pessoal. Além disso, devemos dominar a ciência e a tecnologia modernas, mas ainda não temos pessoal competente o suficiente. Precisamos de uma situação política de estabilidade e unidade que basicamente já criamos, mas ainda há muitos problemas a serem resolvidos.
Participamos na cooperação internacional, mas ainda precisamos de experiência no aprendizado para absorver ciência e tecnologia estrangeira avançada e capital estrangeiro. No entanto, apesar das várias dificuldades e problemas, estou convencido de que tomamos o caminho correto em direção à modernização. Estamos confiantes de que podemos remover gradualmente os obstáculos e superar nossas dificuldades e insuficiências. Talvez não conquistemos nada de notável em dois ou três anos, mas uma grande mudança ocorrerá daqui alguns anos. Ainda que algumas pessoas duvidem se conseguiremos alcançá-la, os líderes chineses e a maioria do povo chinês estão convencidos de que teremos sucesso em nosso programa de modernização.
Gibney: Os Estados Unidos cometeram um grande erro ao interpretar o socialismo da China como uma cópia do da União Soviética. A China pode ter sido, no início, tão ideologicamente confusa a ponto de imitar completamente e adotar o estilo de socialismo da União Soviética, falhando em adotar um caminho de socialismo chinês?
Deng: O caminho socialista da China não é o mesmo que o da União Soviética. Eles eram diferentes entre si desde o começo, pois o socialismo chinês tinha suas próprias características desde a fundação da República Popular. Por exemplo, adotamos a política de redenção ao invés da de privação em nossa transformação socialista de empresas capitalistas. Como resultado, conseguimos abolir a burguesia e realizar a transformação socialista sem afetar a economia nacional. Além do que, a situação política caracterizada tanto pelo centralismo quanto pela democracia, tanto pela disciplina como pela liberdade, tanto pela unidade de vontade como pela facilidade e vivacidade pessoal, como defendido pelo Presidente Mao Zedong, não é semelhante à da União Soviética. No entanto, alguns de nossos sistemas econômicos, especialmente a gestão e a organização empresarial, foram grandemente influenciados pela União Soviética. Por essa razão, é vantajoso que herdemos os métodos avançados de operação, administração e desenvolvimento científico de países capitalistas avançados. Ainda estamos tendo muitas dificuldades para reformar estes aspectos de nossa economia.
Gibney: É maravilhoso que a iniciativa do povo chinês esteja sendo despertada. Mas algum dia no futuro, permanecendo a China um país socialista e operando dentro dos limites do socialismo, ela desenvolverá algum tipo de economia de mercado?
Deng: A economia de mercado envolve apenas as empresas financiadas pelo exterior. Tomando o país como um todo, isso não é um problema. O setor estatal e o setor de propriedade coletiva ainda são o sustentáculo de nossa economia. Embora em nossa economia possa haver algum investimento de chineses estrangeiros que possa estar na forma de capitalismo, ele é diferente do investimento estrangeiro regular porque a maioria desses chineses estrangeiros vêm à China com reverência, esperando desenvolver sua pátria socialista. Algumas pessoas temem que a China tome o caminho capitalista se tentar realizar as quatro modernizações com a ajuda de investimentos estrangeiros. Não, nós não tomaremos a estrada capitalista. A burguesia não existe mais na China. Ainda existem ex-capitalistas, mas seu status de classe mudou. Embora o investimento estrangeiro, que pertence à economia capitalista, ocupe um lugar em nossa economia, ele representa apenas uma pequena parte dele e, portanto, não mudará o sistema social da China. A conquista da prosperidade comum caracteriza o socialismo, que não pode produzir uma classe exploradora.
Paul T. K. Lin: A China cometeu um erro quando colocou restrições em sua economia socialista de mercado muito cedo e muito rapidamente. Por conta disso, você acha que a China precisa fazer seu socialismo de mercado desempenhar um papel maior sob a orientação de uma economia socialista planejada?
Deng: É errado afirmar que uma economia de mercado existe apenas na sociedade capitalista e que existe apenas uma economia de mercado "capitalista". Por que não podemos desenvolver uma economia de mercado sob o socialismo? Desenvolver uma economia de mercado não significa praticar o capitalismo. Enquanto mantemos uma economia planejada como o suporte de nosso sistema econômico, também estamos introduzindo uma economia de mercado. Mas é uma economia de mercado socialista. Mesmo que essa seja similar a uma capitalista no método, também há diferenças entre as duas. A primeira regulamenta principalmente as inter-relações entre empresas estatais, entre empresas de propriedade coletiva e até mesmo entre empresas capitalistas estrangeiras. Mas, em última análise, tudo isso é feito sob o socialismo e em uma sociedade socialista. Não podemos dizer que a economia de mercado existe apenas sob o capitalismo. A economia de mercado estava em seus estágios embrionários tão cedo quanto a sociedade feudalista. Podemos certamente desenvolvê-la sob o socialismo. Da mesma forma, tirar proveito dos aspectos úteis dos países capitalistas, incluindo seus métodos de operação e gestão, não significa que adotaremos o capitalismo. Ao invés disso, usamos esses métodos para desenvolver as forças produtivas sob o socialismo. Enquanto o aprendizado do capitalismo for considerado como não mais do que um meio para atingir um fim, ele não mudará a estrutura do socialismo nem trará a China de volta ao capitalismo.