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Introdução (continuação)
Mercê da luta persistente e conjugada dos povos de Portugal e das antigas colónias portuguesas, durante muitos e duros anos, reuniram-se em 1974 condições favoráveis (embora continuando a exigir muita unidade e organização dos trabalhadores, luta tenaz e apurado senso político) para a realização concreta, imediata ou a prazo mais ou menos curto de parte importante dos objectivos essenciais da fase histórica em que se encontra o processo revolucionário em Portugal; ou seja, os objectivos centrais da Revolução Democrática e Nacional:
Com o derrubamento da ditadura fascista, a cessação das guerras coloniais e a conquista de muitas das principais liberdades políticas, logo nos primeiros meses após as acções revolucionárias de Abril de 1974 estavam criadas outras condições objectivamente necessárias ao avanço para a realização os restantes objectivos principais da presente etapa revolucionária no nosso País.
Entretanto, ainda outras condições objectivas era indispensável desenvolver (e continua a ser em variados aspectos), a fim de criar força popular para bater as fortíssimas resistências e manobras reaccionárias, que tentam desesperadamente impedir a destruição do poder dos monopólios, a realização da Reforma Agrária, etc.
Entre essas condições imprescindíveis sobressaía o fortalecimento da organização partidária de vanguarda dos trabalhadores, o PCP, e também a criação ou desenvolvimento das organizações unitárias de classe dos trabalhadores.
Para iniciar e conduzir o processo de Reforma Agrária era e é essencial criar e fortalecer os Sindicatos dos Trabalhadores Agrícolas e as associações de classe e movimentos dos camponeses pobres.
Logo na Primavera-Verão de 1974, os primeiros Sindicatos dos Trabalhadores Agrícolas constituídos (Beja, Évora, Portalegre e outros do Sul) tiveram de se empenhar a fundo na luta contra os grandes agrários, que se recusavam a dar trabalho e sabotavam as colheitas de cereais, retardando-as ou destruindo-as. A força dos trabalhadores acabou por impor a assinatura das primeiras Convenções Colectivas de Trabalho, válidas apenas ainda somente para esse curto período de colheitas de Verão em terras do Sul. Também a viva luta contra as sistemáticas e muito graves infracções cometidas pelos grandes agrários ao estabelecido nessas Convenções temperou as organizações dos trabalhadores.
As segundas Convenções Colectivas de Trabalho, já para todo um ano agrícola, as quais acabaram por ser assinadas, mas também seriamente infringidas pelos agrários, exigiram um continuado e aceso combate dos trabalhadores e das forças progressistas contra essas infracções e contra a nova sucessão de actos de grave sabotagem dos grandes agrários: recusa às sementeiras de Outono (que os trabalhadores mesmo assim asseguraram, com a imposição de trabalhadores às herdades abandonadas, garantindo também com isso não só emprego como o abastecimento do País em cereais e até que se obtivesse no Verão de 1975 uma já importante colheita); acentuação da rapina das herdades, muitas das quais ficaram sem gados, sem máquinas e outros bens criados pelos trabalhadores e necessários à produção.
A multiplicação destes atentados às Convenções Colectivas de Trabalho e à economia nacional, assim como a derrota dos sucessivos golpes contra-revolucionários e em especial o de 11 de Março de 1975, e havendo já então desenvolvimentos apreciáveis da organização dos trabalhadores, a nível partidário e unitário, tornaram possível e imperioso, a partir desse nevrálgico mês de Março de 1975, empreender a concretização da Reforma Agrária, as nacionalizações de sectores básicos e outros importantes avanços do processo revolucionário.
Até ao fim do ano de 1975 uns centos de grandes senhores da terra no Sul estavam já efectivamente expulsos de mais de um milhão de hectares de vastos latifúndios, mercê da poderosa iniciativa de dezenas de milhares de trabalhadores. Ao mesmo tempo que expulsavam os agrários exploradores e sabotadores, operários agrícolas e muitos pequenos agricultores, em estreita unidade de acção, edificavam um novo tipo de estruturas produtivas: as Unidades Colectivas de Produção (UCP) de trabalhadores da terra.
E simultaneamente tiveram de enfrentar também os problemas da própria produção, que não deixaram ainda de fazer crescer, em termos globais, o que é facto singular na história dos povos que já realizaram Reformas Agrárias. Esse facto é tanto mais valoroso quanto esses trabalhadores não mais deixaram de ser atacados violentamente pelas forças reaccionárias de variados matizes, incluindo no próprio aparelho estatal: recusa de créditos para compra de gados e equipamentos e até salários iniciais; Passagem para a conta dos agrários de grandes valores das produções alcançadas a muito custo pelos trabalhadores e outras práticas muito graves em infracção até à legislação da Reforma Agrária entretanto promulgada, etc.
Ainda em outros aspectos primordiais avançou o processo de Reforma Agrária, não já só na parte sul do Continente, mas por todo o País.
Para isso, tem sido igualmente factor essencial o impulso à organização unitária dos trabalhadores do campo: a criação e a actuação dos Sindicatos dos Trabalhadores Agrícolas em distritos do Norte e das Ilhas; assim como do Movimento dos Agricultores-Rendeiros do Norte (MARN) e da Associação de Rendeiros do Barlavento Algarvo (ABRA), do Movimento para a Extinção dos Foros (MEF), do Movimento para Uma Melhor Previdência Rural (MAPRU) e de múltiplas Ligas de Pequenos Agricultores, ao mesmo tempo que se fortalece o Movimento para a Recuperação dos Baldios, com um já longo passado de intensas lutas contra a usurpação desses vastos bens do povo: mais de 500.000 ha. por todo o Norte e Ilhas.
Os novos Sindicatos vão alastrando a todo o País a luta pelo exacto cumprimento dos diplomas de Regulamentação do Trabalho Rural, conquistados ao nível superior do Estado, mas sujeitos a constantes infracções pelos senhores da terra do Norte e Ilhas, que chegam a despedir e mandar espancar trabalhadores só pelo facto de se inscreverem no Sindicato.
Os Movimentos e Associações de Rendeiros e as Ligas intensificam e expandem a sua luta pelo cumprimento integral e imediato da diversa legislação progressista alcançada desde fins de 1974 e meados de 1975, mas que também vem senão infringida na sua aplicação pelos grandes senhores, com a conivência de elementos reaccionários e sociais--democratas instalados no aparelho estatal, inclusive ministros: ainda depois do 25 de Abril, como antes, agricultores-rendeiros vêem-se perante ordens de despejo e as suas culturas e construções arrasadas ou incendiadas, como sucedeu, por exemplo, na "Herdade de Almada", Benavente, distrito de Santarém, na "Quinta de 8. Lourenço", Cadaval, distrito de Lisboa, ou em diversos concelhos do Norte dos distritos de Braga, Porto, Aveiro, etc.
O MAPRU une massas crescentes de trabalhadores dos campos em torno da reclamação de prioridades urgentes na atribuição de um mínimo elementar de assistência na doença, na maternidade, na invalidez e na velhice, de que esses trabalhadores são anda os mais carecidos.
O Movimento para a Recuperação dos Baldios luta pela aplicação imediata da respectiva legislação progressista, também já promulgada, mas que a reacção de todos os quadrantes, sempre com a colaboração da social-democracia, tudo tenta para evitar que seja levada à prática, dado o carácter revolucionário de grande alcance que desempenhará, em especial nas regiões serranas do Norte, com a criação de dezenas de novas Unidades Colectivas de Produção sob a forma de Associação de Utentes dos Baldios para a exploração em comum dessas muito vastas extensões de terra já em parte florestadas e outras ao abandono e em extrema necessidade de passarem a uma racional cultivação e protecção.
O cumprimento desta muito importante legislação de autêntica Reforma Agrária que restitui os baldios ao uso colectivo dos povos, representará o fim de um dos mais agudos conflitos que caracterizaram a época fascista: a usurpação violentíssima desses bens das populações rurais por ricos senhores da terra e do Estado fascista, com muito graves consequências para a economia das populações serranas e de outras áreas do País.
Por outro lado, surgem já pelo Norte as primeiras autênticas Cooperativas de Produção Agrícola, constituídas no essencial por pequenos agricultores, acrescentando-se a tipos desses também em formação no Sul. Essas Cooperativas distinguem-se, na generalidade das UCP existentes no Sul (e denominadas muitas vezes também por Cooperativas, outras vezes por Herdades Populares, etc.), por no fundamental as UCP serem constituídas por trabalhadores assalariados, e não por camponeses, já que aquela classe social é de longe a mais numerosa nos distritos do Sul.
Ponto essencial para a defesa e avanço da Reforma Agrária no nosso País tem sido a solidariedade muito activa dos trabalhadores da cidade e de todo o mundo proporcionada aos trabalhadores dos campos do Sul e do Norte: grandes manifestações e outras grandiosas jornadas de confraternização e apoio, entrega de máquinas e outros valores, luta ideológica contra a ofensiva reaccionária que pretende lançar a confusão sobre tão decisiva batalha para o conjunto do processo revolucionário em Portugal.
Não se pode proporcionar aqui, numa Introdução que não deve ser por de mais extensa, um balanço senão muito abreviado e em linhas muito gerais do impetuoso processo de Reforma Agrária em curso no nosso País.
E também não poderá ser senão muito resumidamente enunciada a perspectiva de luta em que se está para o futuro mais imediato.
Está à vista, para os próximos meses, ainda um agravamento da ofensiva reaccionária contra a Reforma Agrária, de tal modo é um dos processos precursores do fim da exploração capitalista em Portugal e da caminhada vitoriosa para o socialismo.
Nessa ofensiva continuarão empenhadas não apenas as forças mais reaccionárias, mas também e cada vez mais a social-democracia, ainda quando alguns elementos seus andam sob a capa de "socialistas".
Em muitos casos, estes políticos sociais-democratas, tal como em países capitalistas europeus, aparecem como quadros avançados na luta contra as conquistas dos trabalhadores, atirando sobre eles as forças repressivas, favorecendo agrários e capitalistas, tratando ou forçando a entrega de terras e casas de residência no meio das Unidades Colectivas de Produção, para as destruir, forjando cooperativas falsas com patrões, procurando por todos os meios indemnizar grandes agrários e capitalistas, exploradores e sabotadores, visando estrangular as UCP e Cooperativas através da recusa de créditos ou dos circuitos comerciais (novamente pelo uso dos métodos do fascismo, com importações de trigo, carne e outros, na ocasião em que os trabalhadores do campo precisam escoar os seus produtos e o País até já nem precisa de algumas dessas importações), etc.
Levar a Reforma Agrária até ao fim é hoje tarefa essencial dos que verdadeiramente trabalham a terra em Portugal.
E isso exige muita unidade, organização e energia na luta de operários agrícolas e camponeses pobres, entre outras, nas seguintes direcções, que vêm sendo precisadas em reuniões, assembleias e encontros sucessivos;
– Ampliar e fortalecer a unidade e organização dos trabalhadores dos campos para bater as investidas de todas as forças hostis, qualquer que seja a máscara daqueles que tentam derrotá-los dividindo--os: reaccionários declarados, sociais-democratas, pseudo-revolucionários "esquerdistas". Desenvolver o papel dos Sindicatos e dos movimentos de unidade dos camponeses como motores essenciais da Reforma Agrária;
– Aperfeiçoamento da vida colectiva interna das Unidades Colectivas de Produção;
– Cumprimento integral da legislação que regula o Trabalho Rural.
;–Legalização imediata das expropriações de latifúndios já efectuadas pelos trabalhadores e das UCP constituídas;
– Ultimação das expropriações de todos os latifúndios ainda em poder de ricas famílias, para fazer cessar o saque económico ali em curso e instalar trabalhadores desempregados, pequenos rendeiros e seareiros e outros pequenos agricultores, com vista à criação imediata ou futura, consoante desejo desses trabalhadores, de novas UCP;
– Cumprimento imediato da Lei dos Baldios, entregando essas vastas terras à exploração colectiva dos povos;
– Exacto cumprimento das leis de arrendamento rural e da abolição dos foros;
– Atribuição de créditos apropriados para fundos de maneio e para investimento em máquinas, gados e obras essenciais. Anulação das dívidas usurárias;
– Alargamento das isenções de impostos para trabalhadores da terra, fazendo pagar mais a quem mais pode;
– Garantia estatal de fornecimento e escoamento de produtos em devido tempo e a preços garantidos. Combate aos grandes intermediários parasitas;
– Desenvolvimento de Cooperativas e Uniões Cooperativas, como estruturas próprias dos trabalhadores, para resolver certos problemas de comercialização e industrialização de produtos, instalação de oficinas de reparação de máquinas, de parques especiais de maquinaria e de quadros técnicos;
– Reclamação de planos estatais para a expansão e barateamento da produção nacional de máquinas para a Agricultura e de adubos, realização de grandes obras de regra e electrificação rural, florestação, defesa da Natureza, melhoramento de vias de comunicação, de abastecimento de águas e do apetrechamento em instalações e quadros de escolas profissionais e serviços de saúde para as populações rurais, com vistas ao progresso das condições de produção e de vida nos campos;
– Participação efectiva dos trabalhadores, através das suas organizações, em todos os órgãos e medidas que lhes digam respeito;
- Em suma; cumprimento exacto do disposto na Constituição da República Portuguesa, promulgada em 1976.
Os avanços do processo económico e social na agricultura são um factor muito importante para a reanimação dos mais diversos sectores de actividade industrial e dos serviços, assim como para todo o processo de transformações económico-sociais no nosso País num sentido favorável a todos Os trabalhadores, ou seja, rumo à sociedade sem classes exploradoras, o socialismo.
A Reforma Agrária arrancou em grande força em Portugal nos princípios de 1975 e alcançou fases de alto nível em curtos meses.
Presentemente, há muito quem fale da Reforma Agrária em curso no nosso País.
Há os que se lhe opõem frontalmente, por óbvias razões: por privilégios de classes exploradoras em vias de serem liquidados pela acção revolucionária dos trabalhadores.
Mas existem também os que se dizem favoráveis à Reforma Agrária e muitas vezes têm actuado contra esse extraordinário processo libertador dos trabalhadores do campo, tantos os entraves, confusões e divisões que têm originado, em época especialmente aguda de luta de classes, na qual a unidade de todos os explorados é condição vital para o seu triunfo ou a sua quebra causa de derrotas sucessivas, embora não definitivas.
Ora, alguns destes pretensos defensores da Reforma Agrária vão ainda ao ponto de se considerarem e apresentarem como os autores desse processo revolucionário essencial.
E todavia desconhecem ou pretendem esconder não haveria, nem há, Reforma Agrária em Portugal sem o PCP e também sem a criação, o fortalecimento e a aguerrida luta dos Sindicatos dos Trabalhadores Agrícolas do Sul durante todo o ano de 1974, logo após o 25 de Abril.
E fazem por esconder ou ignoram mesmo que existem outros antecedentes, que vêm de muito antes do 25 de Abril, também objectivamente necessários ao desencadeamento, à defesa e ao avanço vitorioso do processo da Reforma Agrária: os constantes movimentos de massas proletárias rurais e camponesas, as formas orgânicas de diversos níveis utilizadas nessas lutas, o trabalho persistente de uma clandestinidade responsável.
Este livro de Álvaro Cunhal está vivamente inserido nesses processos de mobilização e organização de massas de trabalhadores da terra, pelos esclarecimentos que trouxe a inúmeros militantes que o puderam usar como material de estudo e consulta para o trabalho quotidiano nas lutas dos trabalhadores.
Saindo à luz do dia na sua primeira edição em Portugal, já com a Reforma Agrária em fase muito avançada, mas com complexos problemas, este texto de Álvaro Cunhal vai dotar os autênticos revolucionários de Portugal com um poderoso instrumento ideológico para bater vitoriosamente a ofensiva desesperada da reacção contra a Reforma Agrária e fazer triunfar o processo revolucionário de libertação de todos os trabalhadores, a caminho do socialismo.
Este livro fortalecerá ainda mais o proletariado do Sul na sua elevada consciência de classe, designadamente quanto ao direito de expulsar os exploradores e opressores e de tomar conta da riqueza que só ele criou, e ainda quanto â necessidade de se não deixar dividir, de manter firme coesão no trabalho de produzir e na repartição dos frutos produzidos, repelindo as formas de aburguesamento e outras artimanhas com que a reacção, ainda quando disfarçada de "revolucionarismo", intenta destroçar a sua enorme força quando em decidida unidade na acção.
O texto agora em publicação será também um precioso auxiliar de luta do proletariado agrícola do Norte e das ilhas, que está a avançar em crescente força com a criação e a actividade persistente dos seus Sindicatos.
Será igualmente um documento fundamental para o conhecimento dos problemas dos pequenos e médios agricultores de todo o País, dos destinos que lhes reserva a exploração capitalista mesmo após o 25 de Abril: sob uma política de direita, ainda que com a capa de social-democracia declarada ou encoberta num pretenso "socialismo", os seus bens irão passando aos ricos capitalistas, industriais, comerciantes, agiotas e outros exploradores do seu trabalho e restar-lhes-á não já a emigração, mas sobretudo a passagem à condição de proletários. Toda a organização e movimentação de massas do campesinato pobre do nosso País e em especial onde é mais numeroso, ou seja, no Norte e nas Ilhas, irá beneficiar grandemente com a difusão em maior escala deste estudo de Álvaro Cunhal.
Aos trabalhadores da cidade, este livro de Álvaro Cunhal permitirá abrir uma mais clara compreensão de que os processos económicos, sociais e políticos que se passam no campo estão intimamente relacionados com os das pessoas que trabalham e vivem nas vilas e cidades, e daí que o fortalecimento da mútua solidariedade e da unidade de acção entre trabalhadores do campo e da cidade, a aliança operário-camponesa, seja condição indispensável para a libertação geral dos trabalhadores.
Esta obra de Álvaro Cunhal foi instrumento de grande valor no lançamento dos processos de luta de massas que forjaram em Portugal condições favoráveis à destruição do Estado fascista e ao desencadeamento da Reforma Agrária libertadora de centenas de milhares de trabalhadores da terra do nosso Pais.
A partir de agora esse livro irá ser um vigoroso instrumento de acção na defesa e avanço da Reforma Agrária em Portugal, assim como de todo o processo revolucionário conduzido pelos trabalhadores, pélas suas organizações, pelas suas mulheres e homens de vanguarda, autenticamente devotados à causa da liberdade de todos os que trabalham, rumo ao socialismo.
Setembro de 1976.
Júlio Silva Martins
Prefácio à Edição Brasileira >>>
Inclusão | 24/07/2006 |