Socialismo e Nacionalismo

James Connolly

Janeiro de 1897


Primeira Edição: Shan Van Vocht, January 1897

Fonte: https://www.marxists.org/archive/connolly/1897/01/socnat.htm

Tradução: Guilherme Corona Reis

HTML: Fernando Araújo.

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Na Irlanda de hoje trabalham uma variedade de organizações que procuram preservar o sentimento nacional no coração do povo.

Essas organizações, sejam movimentos da Língua Irlandesa, Sociedades Literárias ou Comitês de Comemoração, estão, sem dúvida, fazendo um trabalho de longevo benefício para este país, ajudando a salvar da extinção as preciosas histórias nacional e racial, a linguagem e as características do nosso povo.

De qualquer forma, há um perigo em aderir de forma demasiado rígida aos seus métodos atuais de propaganda, e a consequente negligência de assuntos vitais do cotidiano, eles podem conseguir somente estereotipar nossos estudos históricos em uma devoção ao passado, ou cristalizar o nacionalismo em uma tradição - tradição gloriosa e heroica de fato, mas ainda só uma tradição.

Agora, tradições podem, e frequentemente fazem, prover materiais para um glorioso martírio, mas não poderão nunca ser fortes o suficiente para guiar a tempestade de uma revolução vitoriosa.

Se o movimento nacionalista de nossos dias não pretende só reencenar as velhas e tristes tragédias de nossa história passada, ele deve se mostrar capaz de elevar-se às exigências do momento.

Ele deve mostrar ao povo da Irlanda que nosso nacionalismo não é apenas uma mórbida idealização do passado, mas também capaz de formular uma reposta distinta e definitiva para os problemas do presente e uma doutrina política e econômica capaz de se ajustar aos desejos do futuro.

Este ideal político e social concreto será melhor fornecido, penso, pela franca aceitação, por parte de todos os nacionalistas sinceros, da República como seu objetivo.

Não uma República como na França, onde a monarquia capitalista, com uma liderança eleita, parodia os abortos constitucionais da Inglaterra e, em aliança aberta com o despotismo muscovita, descaradamente ostenta sua apostasia às tradições da Revolução.

Não uma República como nos Estados Unidos, onde o poder do dinheiro estabeleceu uma nova tirania por debaixo das ilusões de liberdade; onde, cem anos depois que o pé do último casaca vermelha britânico poluiu as ruas de Boston, senhores de terra e financistas britânicos impõem aos cidadãos americanos uma servidão que, em comparação, torna os impostos dos dias pré-Revolução uma mera bagatela.

Não! A República que desejo que nossos compatriotas coloquem diante de si como seu ideal deveria ser de tal caráter que a mera menção de seu nome serviria a todo tempo como um farol para os oprimidos de todas as terras, sempre resguardando a promessa de liberdade e abundância como a recompensa de seus esforços em seu nome.

Para o arrendatário, preso entre a servidão de um lado e a competição americana do outro, como entre duas pedras de um moinho; para os trabalhadores nas cidades, sofrendo das cobranças do capataz capitalista; para o trabalhador do campo, jogando fora sua vida por um salário mal suficiente para manter o corpo e a alma juntos; na verdade para cada um dos milhões de trabalhadores, que sobre a miséria é erguido o tecido aparentemente esplêndido da nossa civilização moderna, a República da Irlanda pode ser uma palavra para conjurar – um ponto de encontro para os insatisfeitos, um abrigo para os oprimidos, um ponto de partida para o Socialista, entusiasta da causa da liberdade humana.

Essa junção de nossas aspirações nacionais com as esperanças dos homens e mulheres que levantaram o estandarte da revolta contra o sistema do capitalismo e da servidão, do qual o Império Britânico é o defensor mais agressivo e resoluto, não deve, de forma nenhuma, trazer um elemento de discórdia para as fileiras de nacionalistas sinceros, e serviria para nos colocar em contato com reservatórios frescos de força moral e física o suficiente para levar a causa da Irlanda para uma posição mais imponente do que já tenha ocupado desde o dia de Benburb.

Pode se apelar que o ideal de uma República Socialista, implicando, como faz, uma completa revolução política e econômica resultaria certamente na alienação de nossos apoiadores da classe média e da aristocracia, que temeriam a perda de suas propriedades e privilégios.

O que essa objeção significa? Que nós devemos conciliar com as classes privilegiadas da Irlanda!

Mas você só pode acalmar sua hostilidade ao assegurá-los que numa Irlanda livre seus “privilégios” não serão retirados. Isto é, se deve garantir que quando a Irlanda estiver livre de dominação estrangeira, os soldados irlandeses, vestidos de verde, defenderão os ganhos fraudulentos do capitalista e do senhor de terra das “mãos magras dos pobres” tão implacavelmente e tão eficazmente quanto os emissários de vermelho da Inglaterra fazem hoje.

Em nenhuma outra condição as classes se unirão com você. Você espera que as massas lutem por este ideal?

Quando fala de libertar a Irlanda, só se refere aos elementos químicos que compõem o solo da Irlanda? Ou é ao povo irlandês? Se for o último, do que quer libertá-lo? Da dominação da Inglaterra?

Mas todos os sistemas de administração política ou maquinário governamental são apenas o reflexo das formas econômicas que os sustentam.

O domínio inglês na Irlanda é apenas a simbolização do fato que conquistadores ingleses no passado impuseram neste país um sistema de propriedade fundado na exploração, fraude e assassinato: que, como resulta o atual execício dos “direitos de propriedade”, envolve a prática contínua de exploração e fraude legalizadas, o domínio inglês é a melhor forma de governo para a defesa da exploração, e o exército inglês a mais maleável ferramenta com a qual executar assassinatos judiciais quando os medos das classes proprietárias o pedem.

O Socialista que destruiria, raiz e tronco, todo o brutalmente materialista sistema de civilização, como a língua inglesa que adotamos como nossa, é, penso, um adversário muito mais mortal para o domínio e a tutela ingleses, do que o pensador superficial que imagina ser possível reconciliar a liberdade irlandesa com as insidiosas mas desastrosas formas de sujeição econômica – tirania dos senhores de terra, fraude capitalista e suja usura; frutos nefastos da Conquista Normanda, a profana trindade, da qual Strongbow e Diarmuid MacMurchadha – ladrão normando e traidor irlandês – eram os precursores e apóstolos apropriados.

Se você remover o exército inglês amanhã e levantar a bandeira verde sobre o castelo de Dublin, a não ser que se dedique a organização da República Socialista, seus esforços serão em vão.

A Inglaterra ainda dominaria você. Ela governaria através dos seus capitalistas, através dos seus senhores de terra, através dos seus financistas, através de todo o conjunto de instituições comerciais e individualistas que ela plantou neste pais e regou com as lágrimas de nossas mães e o sangue de nossos mártires.

A Inglaterra ainda levaria você a sua ruína, mesmo enquanto seus lábios oferecessem homenagem hipócrita ao santuário da Liberdade a qual a causa você traiu.

Nacionalismo sem Socialismo – sem a reorganização da sociedade com base em uma forma mais ampla e desenvolvida de propriedade comum que fundamenta a estrutura social da Antiga Erin – é apenas um nacionalismo covarde.

Seria equivalente a uma declaração pública que nossos opressores teriam até agora obtido sucesso em inocular-nos com suas concepções pervertidas de justiça e moralidade, e que nós finalmente decidimos aceitar essas concepções como nossas, e não seria mais necessário um exército alienígena para forçá-los sobre nós.

Como um Socialista estou preparado para fazer tudo o que um homem pode fazer para conquistar a herança legítima da nossa pátria mãe – independência; mas se você me pedir para retirar um ponto ou vírgula das reivindicações de justiça social para conciliar com as classes privilegiadas, então eu devo recusar.

Tal ação não seria honrada ou factível. Nunca nos esqueçamos que nunca chega ao Céu quem anda por aí na companhia do Diabo. Vamos proclamar abertamente nossa fé: a lógica dos acontecimentos está conosco.


Inclusão: 23/04/2023