Os Perigos de uma Guerra Nuclear
[entrevista à Michel Chossudovsky]

Fidel Castro Ruz

12 de dezembro de 2010


Fonte: Fidel Castro Soldado de las Ideas - http://www.fidelcastro.cu/pt-pt/inicio

Transcrição e HTML: Fernando Araújo.


capa

Michel Chossudovsky. — Me sinto muito honrado de ter esta oportunidade de intercambiar, de ter esta conversação sobre questões que são tão fundamentais, que afetam a sociedade humana em seu conjunto, a noção que você tem apresentado nos seus últimos textos de ameaça ao Homo sapiens, parece-me fundamental.Qual é essa ameaça, o perigo de guerra nuclear e a ameaça aos seres humanos, ao Homo sapiens?

Comandante Fidel Castro Ruz. — Há bastante tempo —eu diria que anos—, mas especialmente há vários meses, comecei a me preocupar pela iminência de uma perigosa e provável guerra que rapidamente se tornaria nuclear.

Antes tinha concentrado os esforços na análise do sistema capitalista em geral, os métodos que a tirania imperial tem imposto à humanidade. Os Estados Unidos aplicam ao mundo as violações dos direitos mais elementares.

Durante a Guerra Fria não se falava da guerra, nem se falava das armas nucleares; falava-se de uma aparente paz, ou seja, estava garantido entre a URSS e os Estados Unidos o famoso MAD, “a destruição mútua assegurada”. Parecia que o mundo ia desfrutar das delícias de uma paz prolongada por tempo ilimitado.

Michel Chossudovsky. — Essa noção de “destruição mútua” se acabou com a guerra-fria e depois foi reformulada a doutrina nuclear, porque na realidade nunca pensamos em uma guerra nuclear durante a guerra-fria. Bom, evidentemente existia um perigo —como inclusive o disse Robert McNamara em uma época

Mas depois da guerra-fria se começou a reformular a doutrina nuclear, e, em particular, depois de 11 de setembro de 2001.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Você me perguntou quando é que começamos a dar-nos conta do iminente perigo de guerra nuclear; isso começa no período que lhe disse, há apenas seis meses; sobretudo, uma das coisas que mais nos chamou a atenção sobre tal perigo de guerra, foi o afundamento do Cheonan em uma manobra militar. Era o navio insigne da armada sul-coreana, sumamente sofisticado. Foi naqueles dias quando encontramos em Global Research, o artigo do jornalista que oferecia uma informação clara e verdadeiramente coerente do afundamento do Cheonan, que não podia ser obra de um submarino de mais de 60 anos fabricado na URSS, com tecnologia velha, que não precisava de equipamentos sofisticados para ser detectado pelo Cheonan, em uma manobra conjunta com as mais modernas naves dos Estados Unidos.

A provocação contra a República Democrática da Coréia se somava a nossas preocupações com relação a uma agressão ao Irão, que vinham de atrás. Estávamos acompanhando de perto o processo político desse país. Conhecíamos perfeitamente o que aconteceu na década de 50 quando o Irão nacionalizou as propriedades da British Petroleum no Irão, que nessa altura chamava-se Anglo Persian Oil Company.

As ameaças contra o Irão, a meu ver, tornam-se iminentes para mim no mês de junho, com a Resolução 1929 de junho de 2010, em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas condena o Irão pelas investigações que está realizando e pela produção de pequenas quantidades de urânio enriquecido a 20%, e acusando-o de constituir uma ameaça para o mundo. Nessa reunião são conhecidas as posições de cada membro do Conselho de Segurança: por 12 votos a favor, entre eles os 5 com direito a veto; 1 abstenção, e 2 em contra, que foram o Brasil e a Turquia.

Depois que é adotada essa resolução, a mais agressiva de todas, quase de imediato cruzam pelo Canal de Suez um porta-aviões dos Estados Unidos em um grupo de combate, um submarino nuclear com a cooperação do governo egípcio; unidades navais do Israel se somam destino ao Golfo Pérsico e os mares próximos ao Irão.

A sanção, imposta pelos Estados Unidos e seus aliados da NATO ao Irão, é absolutamente abusiva e injusta. Não posso compreender a razão pelas quais a Rússia e a China não vetaram a perigosa Resolução 1929 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em minha opinião, isso complicou tremendamente a situação política e coloca o mundo à beira de uma guerra.

Lembrei-me dos antecedentes dos ataques israelitas aos centros de investigações nucleares árabes. Primeiro atacaram e destruíram o do Iraque em junho de 1981; não pediram licença a ninguém, não falaram com ninguém, atacaram-nos e os iraquianos tiveram que suportar o golpe.

No ano 2007 voltaram a repetir essa operação contra um Centro de Investigação que estava construindo a Síria. Tem algo nesse episódio que eu realmente não compreendo bem: para mim não está clara nem a táctica, o que seja, nem as razões pelas quais a Síria não denunciou o ataque israelita a esse Centro de Investigação, no qual indiscutivelmente faziam alguma coisa, trabalhando em algo que como se conhece recebiam a colaboração da Coréia do Norte, é legal, não cometiam falta alguma.

Digo-o aqui com toda franqueza que não compreendo por que não se denunciou, porque teria sido, do meu ponto de vista, importante denunciar isso, são dois antecedentes bem importantes.

Tem muitas mais razões, a meu ver, para pensar que tentarão fazer o mesmo com o Irão: destruir seus centros de investigação, ou os Centros de Produção Energética desse país. Como se sabe, o resíduo do uso do urânio na produção elétrica é matéria-prima do plutônio.

Michel Chossudovsky. — É verdade que essa Resolução do Conselho de Segurança em certa forma está anulando o programa de cooperação militar que a Rússia e a China têm com o Irão, em particular Rússia tem cooperação no Sistema de Defesa Aéreo com seu sistema S-300.

Lembro-me que justo depois da decisão do Conselho de Segurança, com a aprovação da China e da Rússia, o Ministro de Assuntos Exteriores da Rússia diz {gramática}: “Bom, não temos aprovado essa Resolução e isso não vai invalidar nossa cooperação militar com o Irão”, isso foi em junho de 2010; mas uns meses depois, o governo de Moscou confirmou que essa cooperação militar ia ser congelada, de tal forma que o Irão agora está em uma situação tremendamente grave, porque necessita da tecnologia russa para manter sua segurança, digamos, sua defesa aérea.

Não obstante, acho que as ameaças à Rússia e à China têm como objetivo que estes dois países não se metam na questão do Irão. Isto é, que se houver uma guerra com o Irão, os demais poderes, que são a China e a Rússia, não vão intervir de maneira alguma, congelam sua cooperação militar com o Irão, e, portanto, isto é uma maneira de espalhar a guerra no Oriente Médio sem que haja uma confrontação com a China e com a Rússia, e acho que tudo isto agora é o cenário.

As ameaças à Rússia e à China são múltiplas em diferentes fronteiras. O fato das fronteiras da China estarem militarizadas, o mar do sul da China, o mar Amarelo, a fronteira com o Afeganistão, o estreito de Taiwan também, é de alguma maneira uma ameaça para dissuadir China e Rússia de desempenharem um papel de potência na geopolítica mundial, e preparar o terreno e o consenso, inclusive, para uma guerra ao Irão, que acontece sob condições de enfraquecimento do sistema de defesa aérea. Tem uma expressão em inglês que diz: um pato sentado —a sitting duck—, que o Irão é um pato sentado do ponto de vista de suas possibilidades de se defender a nível do sistema de defesa aérea,

Comandante Fidel Castro Ruz. — Em minha modesta e serena opinião, essa Resolução devia ter sido vetada.

Em um sentido militar, pelo que você explica em relação, por exemplo, a que existia o compromisso e se tinha feito um contrato para o fornecimento dos S-300 ao Irão; são armas antiaéreas muito eficientes, em primeiro lugar.

Tem outras coisas que se relacionam com os fornecimentos de combustível, que são muito importantes para a China, porque é o país que mais cresce economicamente, sua crescente economia gera maior demanda de petróleo e de gás. Ainda que existam acordos com a Rússia para os fornecimentos de petróleo e gás, também desenvolvem a energia eólica e outras formas de energia renovável, possuem enormes reservas de carvão, a energia nuclear não crescerá muito, ascenderá apenas 5% durante muitos anos; quer dizer, a necessidade de gás e de petróleo da economia chinesa é muito grande, e não concebo, realmente, como se poderá obter essa energia e a que preço se o país onde têm importantes investimentos é destruído pelos Estados Unidos. Mas o risco pior é uma guerra desse tipo no Irão. O Irão é um país muçulmano que possui milhões de combatentes treinados e fortemente motivados.

Tem dezenas de milhões de pessoas que estão sendo instruídas, estão sendo educadas politicamente e treinadas, homens e mulheres, milhões de combatentes treinados e decididos a morrer. São pessoas que não se vão deixar intimidar e que à força não os vão fazer mudar. Por outro lado estão os afegãos ―estão sendo assassinados pelos aviões sem piloto―, estariam paquistaneses, iraquianos, que têm visto morrer de um a dois milhões de compatriotas como conseqüência da guerra anti-terrorista inventada por Bush. Não se pode ganhar uma guerra contra o mundo muçulmano, é uma loucura insólita.

Michel Chossudovsky. — Mas é verdade, as forças convencionais são tremendas. Eles podem mobilizar da noite para o dia vários milhões de efetivos militares, e têm fronteira com o Iraque, têm fronteira com o Afeganistão, e mesmo quando há uma guerra de blitzkrieg, os Estados Unidos não podem evitar uma guerra convencional muito próxima de suas bases militares nessa região.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Mas é que perderia essa guerra convencional. O problema é que ninguém pode ganhar uma guerra convencional contra milhões de pessoas, não vão concentrar num lugar uma multidão para que os norte-americanos os matem, todo um país.

Bom, fui guerrilheiro e lembro que tive de pensar muito em como usar as forças que tínhamos, e nunca haveria cometido o erro de concentrá-las, porque enquanto mais concentradas estiverem as forças maiores serão as baixas que ocasionem as armas de destruição maciça.

Michel Chossudovsky. — Você o mencionou anteriormente, que era bem importante a questão, que na decisão da China e da Rússia no Conselho de Segurança, seu apoio à Resolução 1929, o prejuízo é para eles porque, primeiro, a Rússia não pode exportar armas, de tal forma que a principal entrada de divisas da Rússia já está congelada. Irão era um dos principais clientes ou compradores de armas russas, e isso representava uma entrada de divisas importante que sustenta a economia de consumo e as necessidades da população.

E, por outro lado, a China necessita ter acesso à energia —que você já mencionou—, na realidade o fato de que a China e a Rússia tenham aceitado o consenso no Conselho de Segurança das Nações Unidas é como dizer: “Aceitamos que matem nossa economia, em certa forma, que matem nossos convênios comerciais que temos com o Irão.” Isto é muito grave, porque não é apenas o prejuízo para o Irão, é o prejuízo para esses dois países, e suponho —embora não seja político— que deve ter divisões tremendas dentro da liderança, tanto na Rússia quanto na China, para que isso aconteça, para que a Rússia aceite não expressar seu veto no Conselho de Segurança.

Disseram-me, estive conversando também com jornalistas russas, que isso não era um consenso do governo como tal, era um lineamento. Mas há gente dentro do governo que tem outro ponto de vista no que diz respeito aos interesses da Rússia e seu comportamento dentro do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como você vê isso?

Comandante Fidel Castro.- Como vejo a situação geral? A alternativa no Irão? Vou dizê-lo assim: a guerra convencional seria perdida pelos Estados Unidos e a nuclear não é alternativa para ninguém.

Por outro lado, a guerra nuclear tornar-se-ia inevitavelmente em uma guerra nuclear global. Daí a perigosidade que a meu ver tem a atual situação no Irão, tendo em conta as razões que você está colocando e outros muitos dados que me levam à conclusão de que a guerra adquiriria um caráter nuclear.

Michel Chossudovsky. — Quer dizer que como os Estados Unidos e seus aliados são incapazes de ganhar a guerra convencional, vão utilizar a arma nuclear, mas também não podem ganhar essa guerra, porque vamos perder tudo.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Todos perderiam essa guerra; é uma guerra que todos a perderíamos. O que ganharia a Rússia se ali é desatada uma guerra nuclear? O que ganharia a China? Qual seria o caráter dessa guerra, como reagiria o mundo, que efeito teria na economia mundial? Você explicou isso na universidade, quando falou do sistema de defesa centralizado elaborado pelo Pentágono. Parece ficção-científica, não se parece em nada à última guerra mundial. A outra questão é muito importante, a tentativa de converter as armas nucleares em armamentos táticos convencionais.

A esse respeito, hoje dia 13 de outubro, estive lendo em um despacho de notícias que os cidadãos de Hiroshima e Nagasaki estavam formulando enérgicos protestos pelo fato de que os Estados Unidos acabavam de realizar testes nucleares subcríticos. Chamam-nos de nucleares subcríticos, que significa o emprego da arma nuclear sem desdobrar toda a energia que possa ser atingida com a massa crítica.

Diz:

“Indignação em Hiroshima e Nagasaki por um teste nuclear dos Estados Unidos.”...

“As cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki que sofreram um ataque nuclear ao termo da Segunda Guerra Mundial, deploraram hoje a prova nuclear realizada pelos Estados Unidos em setembro passado, denominada subcrítica porque não desata reações nucleares em cadeia.

“O ensaio, o primeiro desse tipo nesse país desde 2006 teve lugar em 15 de setembro em um centro de Nevada, Estados Unidos. Foi confirmado oficialmente pelo Departamento de Energia desse país, informou o diário Japan Times.”

O que é que diz esse diário?

“Deploro-o profundamente porque esperava que o presidente Barack Obama assumisse a liderança na eliminação de armas nucleares”, declarou hoje o governador de Nagasaki, Hodo Nakamura, em uma entrevista coletiva.

Depois continua uma série de notícias a respeito disso.

“O ensaio também provocou protestos entre os cidadãos de Hiroshima e Nagasaki, incluída a de vários sobreviventes das bombas atômicas que devastaram ambas as cidades em agosto de 1945.

“Não podemos tolerar uma ação dos Estados Unidos que trai a promessa do presidente Barack Obama de avançar para um mundo sem armas nucleares, disse o vice-diretor do Conselho de Vítimas da Bomba Atômica de Hiroshima, Yukio Yoshioka.

“O governo declarou que não tem intenção de protestar”. Deixa o protesto à esfera social então diz: “Com isso somam 26 as provas nucleares subcríticas realizadas pelos Estados Unidos desde julho de 1997, quando teve lugar a primeira delas.”

Agora diz:

“Washington considera que estas provas não violam o Tratado para a Proibição Completa dos Ensaios Nucleares, CTBT, visto que não desatam reações em cadeia, e por conseguinte não expulsam energia nuclear, por tal motivo podem ser considerados ensaios de laboratório.”

Os Estados Unidos dizem que têm que fazer essas provas porque são necessárias para manter a segurança de seu arsenal nuclear”, quer dizer, como que temos grandes arsenais nucleares, fazêmo-lo para ter segurança.

Michel Chossudovsky.— Voltamos ao assunto da ameaça ao Irão, porque você disse que os Estados Unidos e seus aliados não podem ganhar uma guerra convencional. Isso é verdade; porém a arma nuclear poderia ser utilizada como uma alternativa a uma guerra convencional, e isto evidentemente é uma ameaça à humanidade, como você salienta em seus escritos.

A questão que me preocupa disto é que depois da guerra fria se desenvolveu essa noção da arma nuclear com rosto humanitário dizendo que realmente não é uma arma perigosa, que não causa danos aos civis, e de alguma maneira mudaram a etiqueta da arma nuclear. Portanto, segundo seus critérios, a arma nuclear não é diferente da arma convencional, e agora nos manuais militares dizem a arma nuclear tática é uma arma que não causa danos ao civis.

Portanto, poderíamos ter uma situação onde inclusive aqueles que dizem atacar o Irão com a arma nuclear não se dão conta das conseqüências que poderia ter para o Oriente Médio, a Ásia Central, mas também para a humanidade em seu conjunto, porque vão dizer: “Ora bom, segundo nossos critérios, essa arma nuclear é diferente da usada na guerra fria e, por conseguinte, a podemos utilizar contra o Irão como uma arma que garante a segurança mundial.

O que é que você acha disso? Isso é imensamente perigoso, porque eles próprios crêem em sua própria propaganda. É uma propaganda interna dentro das forças armadas, dentro do aparelho político.

Na desclassificação feita em 2002-2003 da arma nuclear tática, inclusive o senador Edward Kennedy disse nessa época que essa era uma maneira de alterar a ordem das fronteiras entre as armas convencionais e as nucleares. Contudo estamos nisto, estamos em uma época onde a arma nuclear não difere da Kalashnikov, estou a exagerar, mas de certa maneira faz parte da caixa de ferramentas — é a palavra usada por eles, “caixa de ferramentas” —, e aí é selecionado o tipo de armamento que vai ser usada, de tal maneira que a arma nuclear poderia ser... usada no teatro de guerra convencional, levando-nos para o que é impensável, que seria um cenário nuclear a nível regional, mas também com as repercussões que poderia ter a nível planetário.

Comandante Fidel Castro Ruz.— Eu escutei o que você afirmou na Mesa-Redonda de que essas armas, supostamente inofensivas para os vizinhos nos arredores onde foram usadas, poderiam ter uma escala equivalente que abrangia desde um terço da usada por eles em Hiroshima até seis vezes o poder dessa arma, e atualmente é bem conhecido seu terrível dano, apenas uma bomba matou instantaneamente 100 000 pessoas. Imaginem uma bomba que tenha seis vezes o poder daquela, ou duas vezes, ou um poder igual, ou 30% desse poder. É absurdo.

Também o que você expôs na universidade sobre a tentativa de apresentá-la como uma arma humanitária, que além disso poderia estar à disposição das tropas em operações. De tal maneira que em algum momento determinado o comandante da zona de operações poderia gozar da faculdade de usar essa arma como mais eficiente do que as outras, o que seria um dever dentro das doutrinas militares e dos ensinamentos que recebem nas academias militares.

Michel Chossudovsky.— Nesse sentido, acho que essa arma nuclear não vai ser usada sem o aval, por assim dizer, do Pentágono ou do Comando centralizado; mas sou da opinião que poderia ser tomado sem o aval do Presidente dos Estados Unidos e do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, que é o Presidente dos Estados Unidos; isto é, que não é a mesma lógica da guerra fria, onde estava o telefone vermelho ...

Comandante Fidel Castro Ruz.— Eu compreendo, professor, o que você diz a respeito do emprego dessa arma como faculdade das autoridades superiores do Pentágono, e parece-me correto que você faça esse esclarecimento para que não lhe imputem a responsabilidade de exagerar o perigo dessa arma.

Mas, olhe, depois que a gente conhece do antagonismo e das discussões do Pentágono com o Presidente dos Estados Unidos, realmente não lhe restam muitas dúvidas de qual seria a decisão do Pentágono se o chefe do teatro das operações solicita o uso dessa arma porque a considera necessária ou imprescindível.

Michel Chossudovsky.— Existe mais outro elemento também, é que o desdobramento das armas nucleares agora, no meu entender, é por vários países europeus membros da NATO que incluem toda essa dispersão da arma nuclear tática, aí está a Turquia, a Itália, a Alemanha, a Bélgica, a Holanda; de tal maneira, existe grande número de estas pequenas bombas nucleares muito próximo do teatro de guerra, e pelo outro lado está o Israel.

Ora bem, acho que o Israel não vai iniciar uma guerra por sua conta, isso é impossível em termos estratégicos e de decisão. Na guerra moderna com a centralização do sistema de comunicação, de logística e tudo isso, é uma decisão centralizada; mas o Israel poderia atuar no sentido de que os Estados Unidos dêem luz verde e depois Israel é quem leva a cabo o primeiro ataque. Isso não está fora do possível, embora há alguns analistas que agora dizem que a guerra contra o Irão vai começar no Líbano e na Síria com uma guerra fronteiriça convencional, e depois isso servirá de pretexto para uma escalada das operações militares.

Comandante Fidel Castro Ruz.— Ontem, 13 de outubro, uma multidão recebeu Ahmadinejad no Líbano como herói nacional desse país. Hoje de manhã, li um cabograma que fazia referência a esse respeito.

Além disso, são bem conhecidas as preocupações de Israel com relação a isso, pelo fato de que os libaneses, são muito combativos, possuem três vezes o número de projéteis reativos que possuíam no anterior conflito Israel e o Líbano, o que constitui uma grande preocupação para Israel, porque precisam — afirmam os técnicos israelitas — da aviação para combater essa arma. De modo que, afirmam, só poderiam estar um número de horas, não três dias atacando o Irão, porque deveriam prestar atenção a esse perigo. É por isso que, desses pontos de vista, que cada dia que passa se preocupam mais, porque essas armas fazem parte do arsenal de armamentos convencionais dos iranianos. Por exemplo, dentre os armamentos convencionais, eles têm nessa zona do mar Cáspio centenas de foguetes dirigidos contra navios de superfície. Desde as guerras das Malvinas sabe-se que um navio de superfície pode se defender de um, dois ou três projéteis, mas imaginem como um navio de guerra de grande dimensão se pode proteger contra a chuva de armas desse tipo. São embarcações rápidas operadas por pessoal bem treinado, porque os iranianos levam 30 anos preparando a gente e têm desenvolvido armas nucleares convencionais eficientes.

Você mesmo o conhece e sabe o que aconteceu na última Guerra Mundial, antes da aparição das armas nucleares, já tinham morrido 50 milhões de pessoas pelo efeito destruidor das armas convencionais.

Uma guerra hoje não é uma guerra como no século XIX, antes de que apareceram as armas nucleares, a guerra era já sumamente destrutiva. As armas nucleares apareceram no último minuto, porque Truman quis usá-las, fazer a prova com a bomba de Hiroshima, criando a massa crítica a partir do urânio, e mais outra com plutônio em Nagasaki. As duas mataram de imediato por volta de 100 000 pessoas. Não se sabe a quantidade de pessoas que ficaram feridas e receberam as irradiações, as quais depois morreram ou sofreram durante longos anos seus efeitos. Além disso, uma guerra nuclear criaria o inverno nuclear.

Refiro-me aos perigos que significaria uma guerra pelo dano imediato. Um número limitado é suficiente, as armas que possue uma das duas potências menos poderosas, a Índia e o Paquistão, e seu estouro seria suficiente para criar um inverno nuclear do qual não sobreviveria nenhum ser humano, seria impossível, e que duraria de 8 a 10 anos. Em poucas semanas não se veria a luz do sol.

O homem tem menos de 200 000 anos, até agora todo era normal, as leis da natureza eram cumpridas, as leis da vida desenvolviam-se no planeta Terra há mais de 3 000 milhões de anos. O homem, o homo sapiens, o ser inteligente não existia quando tinham transcorrido as 8 décimas partes de um milhão, segundo todos os estudos. Há 200 anos tudo era virtualmente ignorado.

Atualmente são conhecidas as leis que regem a evolução das espécies. Os cientistas, os teólogos, inclusive, os religiosos mais sinceros, que inicialmente eram difusores da campanha das grandes instituições eclesiásticas contra a teoria de Darwin, aceitam hoje as leis da evolução como reais, sem que isso tenha impedido o exercício de sinceras crenças religiosas, nas quais muitas vezes, as pessoas encontram uma compensação a suas mais sentidas penas.

Acho que ninguém no mundo deseja que a espécie humana desapareça. E é por isso que sustento o critério de que devem desaparecer, não só as armas nucleares, mas também as armas convencionais. Há que oferecer garantia de paz a todos os povos sem distinção, o mesmo aos iranianos, que aos israelenses, e que os recursos da natureza devem ser distribuídos, devem ser!, não quero dizer que vão fazê-lo, tampouco que seja fácil consegui-lo; mas não haveria outra alternativa para a humanidade, em um mundo limitado em extensão, e em determinados recursos, ainda quando sejam desenvolvidas todas as forças científicas para criar fontes de energia renováveis. Há quase 7 bilhões de habitantes, por isso faz falta uma política de população, fazem falta muitas coisas, e quando você as coloca todas juntas e se faz a pergunta, será o ser humano capaz de compreender isso e vencer todas essas dificuldades? Realmente, unicamente o entusiasmo pode conduzir a uma pessoa a dizer que vai enfrentar e resolver facilmente esse problema.

Michel Chossudovsky.— O que você disse é muito importante, quando falou de Truman. Truman disse que Hiroshima era uma base militar e que não havia danos para os civis.

Essa noção de danos colaterais, parece ser uma continuidade na doutrina nuclear desde o ano 1945 até a data, isto é, não ao nível de realidade porém a nível de doutrina e de propaganda; isto é que em 1945 foi dito: Vamos salvar a humanidade matando 100 000 pessoas e negando o fato de que Hiroshima era uma cidade povoada, que era uma base militar. Porém hoje em dia essa falsificação é muito mais sofisticada, mais generalizada, e a arma nuclear é mais avançada. De tal forma que, na medida em que estamos tratando o futuro da humanidade e a ameaça de uma guerra nuclear a nível planetário, a questão da mentira, a questão da ficção dentro do discurso político e militar, que nos leva a uma catástrofe planetária sem que os políticos percebam suas próprias mentiras.

Então, você disse que os seres humanos inteligentes existem desde há 200 000 anos, mas essa própria inteligência traduzida a nível de instituições, da imprensa, dos serviços de inteligência, das Nações Unidas, vem a ser o elemento que nos vai destruir; porque a gente crê em suas mentiras e chega à guerra nuclear, sem se dar conta de que esta é a última guerra, como dizia claramente Einstein: “Que uma guerra nuclear não podem levar a uma continuação da humanidade, é a ameaça mundial.”

Comandante Fidel Castro Ruz.— São muito boas essas palavras, professor. O dano colateral, neste caso, pode ser a humanidade. A guerra é um fato criminoso e não é necessária outra lei nova, porque desde Nuremberg a guerra já era considerada um crime, o maior crime contra a humanidade e contra a paz, o mais horrível de todos os crimes.

Michel Chossudovsky. — Os textos de Nuremberg o dizem claramente: “A guerra é um ato criminal, é o ato supremo de guerra em contra da paz.” Tem sido muito citado esse texto de Nuremberg. Os aliados após a Segunda Guerra Mundial o queriam utilizar em contra dos vencidos, e não digo que não tem validade; mas os crimes que eles cometeram, inclusive os crimes que cometeram em contra da Alemanha e do Japão, disso não se fala.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Com a arma nuclear, no segundo caso.

Michel Chossudovsky. — Resumindo, é um tema para mim tremendamente importante e se estamos falando de uma contra-aliança pela paz, a criminalização da guerra me parece fundamental. É a abolição da guerra, é um ato criminal que tem que ser eliminado.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Bom, os principais criminosos. Quem os julga?

Michel Chossudovsky. — O problema é que eles controlam também as cortes de justiça, então os juízes são criminosos também. O que podemos fazer?

Comandante Fidel Castro Ruz. — Eu digo que isto faz parte da batalha de idéias.

Agora, tenta-se exigir que o mundo não seja conduzido a uma catástrofe nuclear, tenta-se preservar a vida. Não sabemos, porém presumimos que se o homem toma consciência de que sua existência, a de seu povo, a dos seres mais queridos, até os próprios chefes militares dos Estados Unidos estariam cientes do resultado, não obstante tenham sido educados na vida para cumprir ordens, não poucas vezes genocidas como o uso de armas nucleares táticas ou estratégicas, porque é o que lhe ensinaram nas academias.

Como tudo isso é uma loucura, nenhum político está isento do dever de transmitir à população estas verdades. Temos que acreditar nelas, do contrário não haveria nada por que lutar.

Michel Chossudovsky. — Acho que o que você está a dizer é que atualmente o grande debate histórico da humanidade deve ser focalizado no perigo de uma guerra nuclear que ameaça o futuro da humanidade, e que qualquer debate que façamos sobre as necessidades básicas ou sobre economia exige que possamos impedir a guerra e instalar a paz mundial para que possa ser planejado de maneira justa, o nível de vida a nível mundial baseado em necessidades básicas; mas, se não solucionamos o problema da guerra, o capitalismo também não subsiste, é certo isso, não é?

Comandante Fidel Castro Ruz. — Não, não pode subsistir, segundo todas as análises que fizemos, não pode subsistir. O sistema capitalista e a economia de mercado que lhe insufla vida, não vai desaparecer de noite para o dia, mas o imperialismo baseado na força, nas armas nucleares e nas armas convencionais de tecnologia moderna, têm que desaparecer se desejarmos que a humanidade sobreviva.

Ora bem, neste momento esta a acontecer um fato real e demonstra a enorme desinformação que sofre o mundo e é a seguinte: no Chile ficaram presos a 700 metros de profundidade 33 mineiros, e no mundo há júbilo pela notícia de que 33 mineiros foram salvados. Bom, simplesmente, o que fará o mundo se toma consciência de que há seis mil 877 milhões, 596 mil 300 habitantes que temos que salvar, se 33 criaram um júbilo universal e toda a mídia nestes dias só falam disso, por que não são salvos os quase sete bilhões de habitantes presos pelo terrível perigo de morrer, numa morte tão horrível como as de Hiroshima e Nagasaki?

Michel Chossudovsky. — Olhe, isto também é, às claras, a questão da cobertura midiática que é feita de diferentes eventos e da propaganda que emana.

Acho que o feito pelos chilenos foi uma grande operação humanitária; mas é verdade de que a humanidade está ameaçada, isso deveria aparecer na primeira página de todos os jornais do mundo, porque toda a sociedade humana é vítima e poderia ser a vítima de uma decisão tomada, inclusive, por um general de três estrelas, que não conhece as conseqüências, porém aqui fazemos referência à maneira em que os meios de comunicação, em particular em ocidente, escondem a questão mais grave que afeta potencialmente o mundo atual, que é o perigo de uma guerra nuclear e devemos admiti-lo seriamente, porque tanto Hillary Clinton como Obama disseram que eles tinham a idéia de utilizar a arma nuclear numa chamada guerra preventiva contra o Irão.

Bom, como contestamos? O que você lhe diz a Hillary Clinton e Barack Obama pelas declarações que fizeram a respeito do uso unilateral da arma nuclear contra o Irão, um país que não representa nenhum perigo para ninguém?

Comandante Fidel Castro Ruz. — Sim, conheço duas coisas: o que foi discutido, que foi divulgado nestes dias, as grandes discussões no seio do Conselho de Segurança dos Estados Unidos. É o valor que lhe dava ao livro escrito por Woodward, porque revelava como se desenvolveram essas discussões. Sabe-se qual foi a disposição de Biden, de Hillary, de Obama e, realmente nessas discussões quem se mostrou mais firme contra a extensão da guerra, que foi capaz de discutir com os militares, foi Obama, isso é um fato real, realmente estou a escrever a última reflexão, sobre isso. A única pessoa que lá chegou e lhe deu um conselho, tinha sido adversário dele por pertencer ao Partido

Republicano, foi Colin Powell, recordou-lhe que era o Presidente dos Estados Unidos, um conselho alentador.

Acho que esta mensagem deve chegar a todos, daquilo que falamos; acho que muitos lêem em Global Research os artigos que você tem publicado, Acho que deve ser divulgado, e na medida em que temos realizado estas conversações, e albergamos a idéia de divulgá-las, alegra-me muito cada vez que você argumenta, razoa e coloca estes problemas, visto que simplesmente, no meu entender, existe um verdadeiro déficit de informação pelas causas que você explica.

Agora, nós devemos inventar, quais as formas de fazer com que isto seja conhecido? Na época dos doze Apóstolos, eram apenas 12, e dedicaram-se a divulgar os ensinamentos que um predicador lhes transmitiu. É claro que tinham centenas de anos por diante, nós, pelo contrário, não os temos, porém estava a ver a lista de personalidades, são mais de 20 as personalidades que têm trabalhado com Global Research, pessoas prestigiosas, manifestando as mesmas coisas; mas não dispõem de centenas de anos, mas sim, bom, de muito pouco tempo.

Michel Chossudovsky. — O movimento anti-guerra nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa está muito dividido. Alguns acham que a ameaça provém do Irão, outros dizem que são os terroristas e inclusive existe muita desinformação dentro do próprio movimento anti-guerra.

Além disso, no Foro Social Mundial a guerra nuclear não faz parte dos debates entre as pessoas de esquerda ou progressistas. Durante a Guerra Fria falava-se do perigo de um conflito nuclear e as pessoas estavam cientes disso.

Na última reunião realizada em Nova Iorque sobre a não proliferação sob os auspícios das Nações Unidas, a ênfase era dada à ameaça nuclear de entidades não estatais, de terroristas.

O presidente Obama dizia que a ameaça provém de Al Qaeda, que tem a arma nuclear; aliás se lermos os discursos de Obama vai insinuando-se que o terrorismo tem capacidade para fabricar bombas nucleares pequenas, que eles chamam de bomba suja. Bom, é uma maneira de mudar totalmente a ênfase.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Isso é o que dizem ao Presidente, é o que lhe dizem seus próprios empregados e eles fazem com que o Presidente acredite nisso.

Olhe o que é que eu faço com as minhas reflexões? Eu as distribuo nas Nações Unidas, as encaminho a todos os governos - as reflexões, é claro, que sejam curtas, para enviá-las a todos os governos - e sei que há muitas pessoas que gostam de lê-las. O problema é se você está dizendo uma verdade ou não. É claro que quando a gente reúne toda esta informação no que respeita a um problema mais concreto, porque também as reflexões tratam de muitos temas, mas eu acho que pelo nosso lado é preciso focalizar-se na divulgação de coisas essenciais, tudo não pode ser abrangido.

Michel Chossudovsky. — Gostaria de fazer-lhe uma pergunta, porque há uma questão fundamental relacionada com a história da Revolução Cubana. Considero que esse debate sobre o futuro da humanidade também faz parte do discurso revolucionário. Se a sociedade toda poderia ser ameaçada por uma guerra nuclear, é preciso, de alguma forma, ter uma revolução do pensamento e das ações contra esse fato.

Comandante Fidel Castro Ruz. — É preciso dizer, insisto, que a humanidade encontra-se a 800 metros de profundidade e que há que salvá-la, temos que fazer uma operação de salvamento. Essa é a mensagem que devemos transmitir a uma quantidade de pessoas. Se muitas pessoas o pensam, as pessoas irão fazer aquilo que você está fazendo e vão apoiar o que vocês apóiam, já não depende de quem o diz ou de que alguém o diga.

É preciso saber como chegar às massas mais conscientes. A solução não está nos jornais. Existe a Internet, Internet é mais econômica, é mais fácil ter acesso à Internet. Eu me aproximei de vocês pela via da Internet procurando notícias, não através das agências de notícias, não através dos órgãos da imprensa, da CNN, senão procurando notícias através de um boletim que recebo diariamente com artigos publicados na Internet. Mais de 100 páginas todos os dias.

Ontem vocês estavam raciocinando que nos Estados Unidos há algum tempo as duas terças partes da opinião pública eram contra a guerra no Irão e hoje o cinqüenta e tal por cento era partidário de ações militares contra o Irão,

Michel Chossudovsky. — O que aconteceu, inclusive nos últimos meses, é que foi dito: “Sim, a guerra nuclear é muito perigosa, é uma ameaça; mas a ameaça vêm do Irã”, e houve cartazes em Nova Iorque que diziam: “Diga não ao Irã nuclear” e a mensagem destes cartazes era apresentar o Irã como uma ameaça à segurança mundial, inclusive quando a ameaça não existia porque eles não têm a arma nuclear.

Finalmente, estamos nisto, e The New York Times no início desta semana publicou um texto que diz que sim, que os assassinatos políticos são legais.

Então, quando temos uma imprensa que nos apresenta coisas dessa natureza, com a distribuição que eles têm, o trabalho é imenso. Não temos a possibilidade de reverter este processo com a distribuição dos meios alternativos. Ademais, muitos destes meios alternativos agora estão financiados pelo poder econômico.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Não obstante, temos de lutar.

Michel Chossudovsky. — Sua mensagem que foi transmitida ontem é que, em caso de uma guerra nuclear, o dano colateral seria a humanidade em sua totalidade.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Seria a humanidade, a vida da humanidade.

Michel Chossudovsky. — É verdade que a Internet deve continuar funcionando como um instrumento de divulgação para que não aconteça essa guerra.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Bom, é a única maneira que temos para impedi-la. Criam-se a opinião mundial, é como o exemplo que mencionei: há quase sete bilhões de pessoas a 800 metros de profundidade; devemos usar o fenômeno acontecido em Chile para difundir essas coisas.

Michel Chossudovsky. — A comparação que você faz como o resgate dos 33 mineiros, dizendo que temos de resgatar 33 mineiros que estão por baixo do solo, que foi transmitido pela mídia, e você diz que temos quase sete bilhões de habitantes que estão por baixo de 800 metros e não compreendem o que está a acontecer, mas temos de resgatá-los, porque a humanidade toda está ameaçada pela arma nuclear dos Estados Unidos e seus aliados, porque eles dizem que estão prestes a utilizá-la.

Comandante Fidel Castro Ruz. — E vão utilizá-la, se não houver oposição, se não houver resistência. Estão enganados, estão drogados com a superioridade militar e a tecnologia moderna e não sabem o que é que estão a fazer.

Não têm idéia das conseqüências, acham que isso pode se manter. É impossível.

Michel Chossudovsky. — Ou estão simplesmente acham que isto é uma arma convencional qualquer.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Sim, enganam-se e acham que é possível continuar usando essa arma. Confundem uma época, não lembram o que disse Einstein: não sabia quais as armas que seriam usadas na terceira guerra mundial, mas na quarta seria com paus e pedras. Eu acrescentei aí "…. Só que não existirá quem atire os paus e as pedras". Essa é a realidade; o escrevi no discurso breve que você me sugeriu elaborasse.

Michel Chossudovsky. — O problema que eu vejo é que o uso da arma nuclear não vai, necessariamente, conduzir ao fim da humanidade dum dia para outro, pois o impacto radioativo é um processo acumulativo.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Repita, repita, por favor.

Michel Chossudovsky. — Que a arma nuclear tem várias conseqüências: uma, a detonação e destruição no cenário de guerra, que é o fenômeno de Hiroshima; a outra, a radiação que vai se expandindo.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Sim, o inverno nuclear, digamos. O prestigioso investigador norte-americano professor emérito da Universidade de Rutgers, de New Jersey, Alan Robock, demonstrou de maneira incontestável que o início de uma guerra entre duas das oito potências nucleares que menos armas de esse tipo possuem provocaria um “inverno nuclear”.

Ele realizou esta descoberta chefiando um grupo de investigadores que usaram modelos ultra-científicos de computação.

Seria suficiente o estouro de cem armas nucleares estratégicas das 25 mil que possuem as oito potências mencionadas para provocar temperaturas por baixo do ponto de congelamento em todo o planeta, e uma longa noite que duraria por volta de oito anos. É algo tão terrível, exclama o professor Robock que as pessoas caem “num estado de negação, não querem pensar nisso, é mais fácil simular que isso não existe”. Contou-me pessoalmente numa conferência internacional que ministrou, onde tive a honra de conversar com ele.

Bom, mas eu parto de uma tese: em caso de se desencadear uma guerra no Irão, vira global inevitavelmente. Por isso, ontem dizíamos que não foi correto permitir esse acordo no Conselho de Segurança, porque facilitou tudo, compreende?

Uma guerra dessa índole atualmente no Irão não pode ser local, porque os iranianos não cederão perante a força. Se mantivesse seu caráter convencional, seria uma guerra que os Estados Unidos e a Europa, não podem ganhar e reafirmo que se tornaria rapidamente nuclear. Se os Estados Unidos cometessem o erro de usar armas nucleares táticas, no mundo produzir-se-ia uma grande comoção e o controle dos acontecimentos escaparia de suas mãos.

Se Obama teve que discutir fortemente com o Pentágono o que deve ser feito no Afeganistão, imaginem a situação de Obama com os soldados norte-americanos e israelenses combatendo contra milhões de combatentes iranianos. Os sauditas não vão lutar no Irão, também não os paquistaneses ou outros soldados árabes ou muçulmanos. O que pode acontecer é que os ianques tenham sérios conflitos com as tribos paquistaneses às quais estão atacando e matando com os seus aviões sem pilotos, e eles o sabem. Quando atacam essas tribos, primeiro o fazem e depois avisam o governo, não avisam com antecedência; é uma das coisas que mais irritam os paquistaneses. Lá existe um forte anti-norteamericanismo.

É errado pensar que os iranianos se renderão se contra eles são usadas as armas nucleares táticas, e o mundo reagiria em verdade, quando quiçá já seja tarde demais.

Michel Chossudovsky. — Eles não podem ganhar uma guerra convencional.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Não a podem ganhar.

Michel Chossudovsky. — E isso se constata no Iraque; no Afeganistão podem destruir um país, mas não podem ganhar do ponto de vista militar

Comandante Fidel Castro Ruz. — Mas, para destruí-lo, qual seria o preço, qual seria o preço perante o mundo, qual seria o custo econômico de todo tipo, na marcha rumo a catástrofe. Os problemas que você menciona agravam-se, até o povo norte-americano reagiria; porque apesar de muitas vezes o povo norte-americano reagir tardiamente, ele acaba reagindo. O povo norte-americano reage perante as baixas, os mortos.

Muitas pessoas apoiavam o Governo de Nixon durante a guerra no Vietnã, inclusive sugeriu a Kissinger usar a arma nuclear nesse país e ele conseguiu dissuadi-lo de dar esse passo criminal. Os Estados Unidos foram obrigados pelo próprio povo norte-americano a pôr fim à guerra, tiveram de negociar e entregar o sul. O Irão teria de renunciar ao petróleo da zona. Que entregavam no Vietnã? Um gasto. Ao fim e ao cabo, agora estão novamente no Vietnã comprando petróleo, negociando. No Irão perder-se-iam muitas vidas e talvez as instalações petroleiras em grande parte da zona ficariam destruídas.

Numa situação como a atual, é muito provável que não compreendam nossa mensagem. Se a guerra estourar, sou da opinião de que eles e o mundo não ganham nada. Se for unicamente convencional, coisa muito pouco provável a perderiam irremissivelmente, e se vira uma guerra nuclear global, a humanidade a perderia.

Michel Chossudovsky. — O Irão tem forças convencionais que são muito significativas.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Milhões.

Michel Chossudovsky. — Forças terrestres, mas também foguetes e além disso tem possibilidades de se defender.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Enquanto houver um homem com um fuzil, será um inimigo a derrotar.

Michel Chossudovsky. — E naquele lugar há vários milhões com fuzis.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Milhões, e teriam que sacrificar muitas vidas de norte-americanos, infelizmente seria então que os norte-americanos reagiriam, se não reagem neste momento, depois seria tarde demais: é preciso escrever, é preciso divulgar na medida de nossas possibilidades. Lembre que os cristãos eram perseguidos, levados para as catacumbas, assassinados, arrojados aos leões; durante séculos estiveram sem renegar de suas crenças e depois isso mesmo faziam aos muçulmanos, sem conseguir submete-los.

Existe uma guerra real contra o mundo muçulmano. Por que esquecem essas lições da história? Li muitos dos artigos que você escreveu sobre os riscos dessa guerra.

Michel Chossudovsky. — Voltando à questão de Irão. Acho que o mais importante é que a opinião mundial compreenda o cenário de guerra. Você, de maneira clara, expressa que eles perdem a guerra, a convencional, a estão perdendo no Iraque e no Afeganistão, o Irão têm muito mais forças convencionais do que a NATO.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Muito mais experiente e motivada. Eles estão agora em conflito com as guerras do Afeganistão e as do Iraque e uma outra que não mencionam: os paquistaneses da própria etnia que os da resistência no Afeganistão. E essa guerra eles a consideram perdida nos debates que têm na Casa Branca, é o que segundo relata o livro “As guerras de Obama” de Bob Woodward eles asseveram. Imaginem que a isso acrescentem a guerra para liquidar o que reste depois dos golpes iniciais que darão no Irão.

Então, ver-se-iam numa situação de guerra convencional que não podem ganhar ou obrigados a uma guerra global nuclear - o emprego já – em condições de que vai ter lugar uma comoção mundial muito grande. Eu não sei quem poderá justificar o tipo de guerra que têm de fazer; já têm 450 alvos localizados para destruir no Irão e dos quais, segundo eles, alguns deles seriam atacados com cabeças nucleares táticas, devido a sua localização em zonas montanhosas e pela profundidade onde estão. Nessa ação morreria muito pessoal russo e de outras nacionalidades que colaboram com eles.

Qual a reação da opinião mundial perante esse golpe, que hoje irresponsavelmente, a mídia promove com o apoio de muitos norte-americanos?

Michel Chossudovsky. — Uma questão: o Irão, o Iraque, o Afeganistão, todos são de certa maneira, países vizinhos. O Irão tem fronteira com o Afeganistão, tem fronteira com o Iraque, e os Estados Unidos e a NATO têm assentadas instalações militares nos países que eles ocupam. O que é que acontecerá? Suponho que as tropas do Irão vão atravessar imediatamente a fronteira.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Bom, sei lá qual táctica deles, mas se a gente estivesse em seu lugar, o mais recomendável não é concentrar as tropas, porque concentradas seriam vítimas do ataque com armas nucleares táticas. Isto é, que tal e qual é pintada a ameaça, o melhor será que eles usem uma tática parecida com a nossa, usada no sul de Angola, quando imaginamos que a África do Sul possuía armas nucleares: criamos grupos táticos de 1 000 homens com poder de fogo terrestre e antiaéreo. As armas nucleares jamais teriam a seu alcance uma massa de soldados. Os mísseis antiaéreos e outras armas semelhantes apoiavam nossas forças. As armas e o terreno mudam e, as tácticas devem mudar constantemente.

Michel Chossudovsky. — Desdobrados

Comandante Fidel Castro Ruz. — Desdobrados, mas não são homens isolados, eram por volta de 1 000 homens com armas adequadas, o terreno era arenoso, em qualquer um lugar que eles chegaram tinham de escavar e se proteger debaixo da terra, sempre preservando a maior distância entre os componentes. Nunca se ofereceu ao inimigo a oportunidade para dar um golpe decisivo contra os 60 mil soldados cubanos e angolanos no Sul de Angola.

O que nós fizemos nesse país irmão é o que, com critérios tradicionais, teria feito um exército de centenas de milhares. Bom, nós não éramos 100 mil, no sul de Angola havia 60 000 homens, entre cubanos e angolanos, devido aos requerimentos técnicos, os grupos táticos eram formados fundamentalmente por cubanos, porque eles conduziam os tanques, acionavam os foguetes, as antiaéreas e eram responsáveis pelas comunicações, porém a infantaria era constituída por soldados cubanos e angolanos, com grande espírito de luta, que não hesitaram um instante em enfrentar o exército branco da Apartheid, apoiado pelos Estados Unidos e por Israel. Quem manipulava as numerosas armas nucleares que possuíam nessa altura?

Por aí chegam notícias de que, no caso do Irão, estão escavando no solo e quando são perguntados, respondem que estão construindo cemitérios para enterrar os invasores... Não sei se será uma ironia, mas acho que realmente eles têm de escavar muito para proteger suas forças do ataque com que estão sendo ameaçados.

Michel Chossudovsky. — Com certeza, mas o Irão tem a possibilidade de mobilizar vários milhões de tropas.

Comandante Fidel Castro Ruz. — Não só as tropas, mas também os postos de comando são decisivos. No meu entender, a desconcentração é muito importante. Os atacantes tentarão impedir que as ordens sejam transmitidas. Cada unidade de combate deve conhecer com antecedência o que deverá fazer em cada circunstância. O atacante tentará golpear e desarticular a cadeia de comando com as suas armas radioelectrônicas. Todos estes fatores devem ser levados em conta. O homem não tem conhecido nunca semelhante experiência.

Em qualquer circunstância, o caso do Afeganistão é uma bobagem e o do Iraque mais outra, comparando-o com o que terão de enfrentar no Irão: o armamento, o treino, a mentalidade, o tipo de soldado. Se há 31 anos os combatentes iranianos tiravam as minas dos campos, caminhando sobre eles, serão, sem dúvidas, os adversários mais temíveis que enfrentariam os Estados Unidos.


Inclusão: 02/09/2021